ArtigoNotíciaPublicação

Jornal do Vaticano: Pedro Casaldáliga da terra e do povo  

“Vão me chamar de subversivo. E vou dizer a eles: sou mesmo. Para o meu povo em luta, eu vivo. Com o meu povo em marcha, eu vou”. É o início de um poema de D. Pedro Casaldáliga Plá, bispo emérito de São Félix, no estado de Mato Grosso, que morreu aos 92 anos no sábado, 8 de agosto, em Batatais (São Paulo), em decorrência de problemas respiratórios agravados pelo mal de Parkinson de que sofria há anos. E foi realmente poeta e sobretudo “subversivo”, D. Casaldáliga, quando em 1968, missionário claretiano, deixou a sua Espanha natal para chegar ao Brasil onde morou por toda a vida, uma opção radical de vida e de fé; e quando, poucos dias depois de ser nomeado bispo (por Paulo VI que sempre o defendeu), escreveu sua primeira carta pastoral, Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social, que se tornou um texto profético, manifesto de denúncia para a proteção das populações indígenas, do meio ambiente, das mulheres, contra a pobreza, a escravidão, a marginalização, os latifundiários, a ditadura.

A reportagem é de Giovanni Zavatta, publicada por L’Osservatore Romano, 10-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini para o IHU, 11 Agosto 2020.

Era 10 de outubro de 1971 e o Brasil, com o General Emílio Garrastazu Médici como Presidente da República, vivia um dos períodos mais difíceis de sua história, caracterizado pela violência e repressão. Dom Pedro ergueu-se a baluarte dos direitos dos mais fracos e indefesos, em particular indígenas e agricultores sem mais terra: “Estas páginas – escreve na carta – são simplesmente o grito de uma Igreja amazônica, a prelazia de São Félix, no Mato Grosso, contra o latifúndio e a marginalização social de fato institucionalizada. Por dever como pastor e por solidariedade humana”, o silêncio não pode mais ser tolerado. Dizer a verdade é “um serviço”, tem por finalidade “tornar-nos livres”.

Há quase cinquenta anos Casaldáliga Plá criou a divisão, entre um antes e um depois, chamou a Igreja local para denunciar “erros e omissões”, porque o ponto de referência é “o Evangelho” e, também, “o Vaticano II, Medellín, o último sínodo”, o de 1971, dedicado ao tema O sacerdócio ministerial e a justiça no mundo. Salienta, citando um dos textos sinodais, que “o testemunho (função profética) da Igreja no mundo terá pouca ou nenhuma validade se não demonstrar ao mesmo tempo a sua eficácia no empenho pela libertação dos homens também neste mundo”. Por outro lado, “a Igreja deve envidar todos os esforços para defender a verdade da sua mensagem, mas, se não a identificar com um amor dedicado à ação, essa mensagem cristã corre o risco de não oferecer mais nenhum sinal de credibilidade ao homem de hoje”. A divulgação da carta pastoral – segundo o sociólogo José de Souza Martins “um dos documentos mais importantes da história social do Brasil” – foi proibida pela Polícia Federal e monsenhor Casaldáliga foi ameaçado de morte (em 11 de outubro de 1976, em um presídio, uma bala provavelmente destinada a ele atingiu e matou o padre jesuíta João Bosco Burnier que estava com ele) e de expulsão do país. Mas ele nunca saiu.

Nasceu em Balsareny, na Catalunha, em 16 de fevereiro de 1928, de uma família de agricultores, em 1943 ingressou na Congregação dos Missionários Filhos do Imaculado Coração de Maria (Claretianos). Foi ordenado sacerdote em 31 de maio de 1952 em Montjuïc (Barcelona) e em 1968 mudou-se como missionário para o Brasil. Paulo VI nomeou-o prelado de São Félix do Araguaia em 27 de agosto de 1971, consagrando-o bispo no 23 de outubro seguinte. Desde então, em um Mato Grosso marcado pelo analfabetismo e pela marginalização social, onde quem mandava eram os proprietários das terras, Dom Pedro se tornou o “teólogo da libertação”, “profeta dos pobres”, “bispo do povo”. “Aqui – dizia ele – mata-se e morre-se mais do que se vive. Aqui, matar ou morrer é mais fácil, ao alcance de todos, do que viver”. Seu objetivo era um modelo de Igreja engajada em campo, por meio de pequenas comunidades de base, espalhadas pelas ruas, com estrutura participativa, corresponsável e democrática. Nesse sentido, observa o teólogo Juan José Tamayo, Casaldáliga “é um exemplo da globalização de baixo, das vítimas, ou seja, da alter-globalização da esperança diante do pessimismo instalado na sociedade”. Uma existência vivida pelas causas da libertação dos povos oprimidos que, dizia D. Pedro, “são mais importantes do que a minha própria vida”.

O Papa Francisco, na exortação apostólica pós-sinodal Querida Amazônia, cita um de seus belos poemas: “Flutuam sombras de mim, madeiras mortas. Mas a estrela nasce sem censura sobre as mãos deste menino, especialistas que conquistam as águas e a noite. Bastar-me-á saber que Tu me conheces inteiramente, ainda antes dos meus dias”. Navegando pelo Tocantins amazônico, ler as águas como um sonho, tendo o Senhor como guia: a Terra e Deus Para  D. Pedro Casaldáliga, um todo verdadeiramente indissolúvel.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
Close