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Artigo

  • O Brasil no centro da Guerra Híbrida

    O analista político norte-americano Andrew Korybko, autor de “Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, em entrevista para site Tutameia, mostra como a estratégia de controle geopolítico dos EUA está usando as redes sociais, sobretudo whatsapp, para influenciar as eleições de 2018.
    “Há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA [agência norte-americana de inteligência], que tomou vida própria.

    Autor de livro sobre nova estratégia de controle geopolítico dos EUA sustenta: país entrou na mira desde a eleição de Lula, mas descoberta do pré-sal gerou novo ímpeto. Segue a publicação:

    Andrew Korybko, entrevistado por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, no Tutameia de 19 de outubro de 2018.
    “Há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA [agência norte-americana de inteligência]”, afirma o analista político norte-americano Andrew Korybko, autor de “Guerras Híbridas – Das Revoluções Coloridas aos Golpes”, recém-lançado no Brasil pela Expressão Popular.

    Em entrevista por e-mail ao TUTAMÉIA, Korybko, que vive em Moscou e se dedica ao estudo das estratégias dos Estados Unidos na África e Eurásia, afirmou que os EUA são os principais propulsores desses movimentos, que consistem em desestabilizar governos a partir de grandes manifestações de massa. São “a fagulha que incendeia uma situação de conflito interno”, como diz a apresentação do livro. Podem se transformar em golpe ou mesmo guerras não convencionais – daí a expressão guerra híbrida.

    Conselheiro do Institute for Strategic Studies and Predictions e jornalista na Sputinik News, ele também comentou a ascensão da candidatura de Jair Bolsonaro. Diz que os mentores externos da guerra híbrida no Brasil vinham há muito tempo moldando as condições sociopolíticas do país para facilitar o surgimento de um azarão que pudesse chegar ao poder e destruir tudo o que fora construído nos governos do Partido dos Trabalhadores.

    A seguir, a íntegra da entrevista.

    O que são guerras híbridas?

    Desde o lançamento de meu livro, em 2015, ampliei minha definição para incluir o seguinte:

    “As Guerras Híbridas são conflitos identitários provocados por agentes externos, que exploram diferenças históricas, étnicas, religiosas, socioeconômicas e geográficas em países de importância geopolítica por meio da transição gradual das revoluções coloridas para a guerra não convencional, a fim de desestabilizar, controlar ou influenciar projetos de infraestrutura multipolares por meio de enfraquecimento do regime, troca do regime ou reorganização do regime.”

    Em suma, isso significa que países como os EUA se aproveitam de problemas identitários em um Estado-alvo a fim de mobilizar uma, algumas ou todas as questões identitárias mais comuns para provocar grandes movimentos de protesto, que podem então ser cooptados ou dirigidos por eles para atingir seus objetivos políticos.

    O eventual fracasso desses movimentos pode fazer com que alguns de seus participantes recorram ao terrorismo, à insurgência, à guerrilha e a outras formas de conflito não convencional contra o Estado. Na maioria das vezes, pelo menos no Hemisfério Oriental, esses fenômenos fabricados têm o efeito de dificultar a viabilização de projetos da China de implantação da nova Rota da Seda, coagindo o Estado-alvo a compromissos políticos ou mudanças de governo ou mesmo a uma secessão – que pode eventualmente levar a uma balcanização.

    Seu livro descreve as Guerras Híbridas como “caos administrado”. Como isso é construído?

    O estudo detalhado da sociedade de um estado-alvo e das tendências gerais da natureza humana (auxiliado por pesquisas antropológicas, sociológicas, psicológicas e outras) permite construir um quadro de como é o funcionamento “natural” daquela sociedade. Armados com esse conhecimento, os praticantes da Guerra Híbrida podem prever com precisão quais “botões apertar” por meio de provocações para obter respostas esperadas de seus alvos, tudo com a intenção de perturbar o status quo por processos locais de desestabilização manipulados por forças externas. Podem ser conflitos étnicos, movimentos de protesto (“Revoluções Coloridas”) ou a exacerbação de rivalidades regionais. O ponto principal é produzir o maior efeito com o mínimo de esforço e, então, explorar a evolução dos acontecimentos e a incerteza crescente a fim de realizar os planos políticos.

    O livro descreve os EUA como propulsores desses movimentos. Por quê?

    Por causa de sua hegemonia mundial – ainda que cadente –, os EUA têm interesses globais, e suas décadas de experiência operando em todos os continentes lhes deram uma compreensão profunda da situação doméstica de praticamente todos os países. Não só é, portanto, muito mais fácil para os EUA iniciar Guerras Híbridas como eu as descrevo, mas também – e mais importante —eles têm a motivação para fazê-lo. Que é o que falta a outras grandes potências em relação a ações em países fora de suas áreas de influência regionais.

    O Brasil se tornou alvo da Guerra Híbrida após a descoberta do petróleo do pré-sal?

    Na minha opinião, o Brasil se tornou um alvo desde a eleição de Lula e seu movimento em direção à multipolaridade, mas a subsequente descoberta das reservas de petróleo do pré-sal definitivamente acrescentou um novo ímpeto à Guerra Híbrida dos EUA no Brasil, embora apenas porque esses recursos seriam vendidos para a China. Se Lula tivesse fechado um acordo com os EUA para fornecer acesso irrestrito ao pré-sal e também permitisse que Washington aproveitasse essa vantagem para controlar o acesso da China ao mesmo, então os EUA poderiam não ter motivação para empreender uma Guerra Híbrida no Brasil, ou poderia ser atenuada ou adiada. Porém, por causa da posição independente de Lula sobre os depósitos do pré-sal e muitas outras questões, ele e sua sucessora foram vistos como alvos “legítimos” pelos EUA porque Washington temia que eles acelerassem seu declínio hegemônico no hemisfério se não fossem detidos o mais rapidamente possível.

    O fato de o Brasil ter participado ativamente dos BRICS junto com a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul também é uma das razões pelas quais ele foi alvo da Guerra Híbrida?

    Sim, mas principalmente por causa do sentido simbólico dessa iniciativa, porque acredito que o movimento BRICS, apesar de ser uma plataforma muito promissora, não foi capaz de atingir seu pleno potencial por causa da rivalidade interna, manipulada pelos EUA, entre a China e a Índia. Isso prejudicou sua eficácia geral, mesmo antes da primeira fase da Guerra Híbrida no Brasil ter sido bem-sucedida em derrubar a presidenta Dilma. Sua destituição do cargo e o “golpe constitucional” contra o presidente sul-africano Zuma se combinaram para reduzir o BRICS ao tripartido original do RIC, que está profundamente dividido entre a China e a Índia (apesar das afirmações oficiais em contrário), com a Rússia assumindo papel de mediadora entre os dois. Para todos os efeitos, o BRICS não existe mais, exceto como um grupo que se reúne anualmente para conversar e, para muitos, uma lembrança de sonhos desfeitos.

    O livro fala muito sobre os casos da Síria e da Ucrânia e diz que esses modelos podem ser reproduzidos em outros lugares. Este modelo poderia ser reproduzido no Brasil?

    Teoricamente sim, mas não acredito que isso seja o mais provável. Isso porque a dimensão anti-Rota da Seda, que foi a principal motivação daqueles conflitos, é principalmente aplicável ao ambiente operacional único do Hemisfério Oriental (Afro-Eurásia), que é muito mais suscetível a conflitos identitários manipulados externamente desse tipo. Dito isso, a engenharia social, o pré-condicionamento político e as campanhas de guerra psicológica que formam a base das Revoluções Coloridas (a primeira parte das Guerras Híbridas) são definitivamente reproduzíveis em qualquer lugar do mundo, especialmente na era interconectada da mídia social atual.

    O livro também trata da “Primavera Árabe”. Analistas também apontaram que o Brasil estava sendo alvo da Guerra Híbrida War desde 2013, quando um estranho movimento começou a surgir no país através da internet. Isso faz sentido?

    Sim, claro. A primeira fase organizacional ativa da guerra híbrida Wars hoje começa na internet. Os articuladores dos movimentos buscam na rede informações importantes sobre seus alvos antes de se conectarem com eles, direta ou indiretamente, através de campanhas informativas direcionadas que efetivamente atraiam seus interesses ou necessidades, que são cada vez mais descobertas por meio de análises de “Big Data”, como o que a Cambridge Analytica é acusada de fazer. Movimentos sociopolíticos estão começando a aparecer online muito mais do que nas ruas, como costumavam, porque as pessoas ficam mais confortáveis interagindo usando o celular quando bem entendem, em vez de terem de participar de encontros e reuniões físicas. Hoje em dia, tudo o que precisam fazer é conferir as últimas notícias compartilhadas em um grupo do Facebook ou do WhatsApp.

    Na campanha eleitoral no Brasil, houve uma avalanche de notícias falsas, especialmente difundidas por grupos do WhatsApp. Estamos sendo vítimas de uma guerra híbrida?

    Sim, há uma Guerra Híbrida muito intensa sendo travada no Brasil neste momento e afeta todas os aspectos da vida de cada cidadão, desde o que cada um lê nas mídias sociais (seja informação real, falsa ou manipulada) até o que ouve nas ruas. Ao longo dos últimos dois anos, agentes externos vêm tentando muito sutilmente condicionar a população para voltá-la contra o Partido dos Trabalhadores, usando instrumentos como a Operação Lava Jato, apoiada pela NSA, que tomou vida própria.

    Isso forçou o Partido dos Trabalhadores a reagir e defender sua integridade, o que, por sua vez, provocou reação mais feroz daqueles que estavam tentando derrubá-lo. O Brasil está no foco da Guerra Híbrida por tanto tempo que hoje é dado como certo que toda informação que circula está, de um jeito ou de outro, conectada a essa campanha incessante.

    Qual é o objetivo desta Guerra Híbrida e quem está por trás disso? Jair Bolsonaro?

    Não creio que Bolsonaro tenha sido o progenitor desta Guerra Híbrida, mas sim que seus mentores norte-americanos já tinham há muito tempo um plano para moldar as condições sociopolíticas do país para que o candidato considerado “zebra” pudesse chegar ao poder e, então, desmantelar sistematicamente tudo o que o Partido dos Trabalhadores havia construídos em seu governo.

    Olhando em retrospectiva e considerando tudo o que hoje se sabe sobre a operação Lava Jato, pode-se considerar que a inteligência americana provavelmente concluiu há bastante tempo que Bolsonaro seria o melhor candidato para isso por causa de sua história de pronunciamentos políticos que se alinham com os interesses globais dos EUA para o país. Também foi levado em conta que ele não esteve implicado em nenhum dos escândalos anticorrupção dos últimos anos, o que os EUA teriam sabido antecipadamente por causa da participação da NSA na busca de “evidências” que então catalisaram a expurgação política do país.

    Com o Partido dos Trabalhadores fora do poder e com a comprovação de que muitos dos usurpadores e seus aliados foram igualmente — se não mais — corruptos, o palco estava montado para o “azarão” dos EUA entrar em cena e conquistar o imaginário de muitos que foram pré-condicionados a odiar todos os políticos do establishment (e especialmente do Partido dos Trabalhadores) depois da operação Lava Jato.

    Essa população estava também cada vez mais desesperada por medidas drásticas de segurança a serem implementadas para salvá-los da onda de criminalidade ou, pelo menos, dar-lhes uma chance de lutar para se defenderem – o que aconteceria com a prometida liberalização de armas de Bolsonaro.

    É minha opinião que os EUA trabalharam duro para facilitar a ascensão de Bolsonaro e o estão ajudando em cada passo do caminho. Talvez ele nem tenha percebido isso no início, mas agora, considerando a possibilidade de sua vitória no segundo turno, quase certamente as próprias forças que o apoiaram trataram de lhe dar a informação diretamente.

    Qual a diferença entre o uso do WhatsApp e do Facebook no contexto das Guerras Híbridas?

    O WhatsApp é mais instantâneo e impulsivo, enquanto o Facebook é mais organizacional e metódico. O primeiro é geralmente usado para enviar informações curtas e rapidamente reunir grandes multidões, enquanto o segundo é mais bem aproveitado para um planejamento organizacional mais profundo e gerenciamento de controle de multidões a longo prazo. Eles são basicamente dois lados da mesma moeda, e andam de mãos dadas quando se trata do aspecto tático de Revoluções Coloridas.

    Seu livro foi lançado em 2015. O que mudou desde a primeira edição?

    Desde então, expandi e expliquei mais cientificamente a definição de Guerra Híbrida para incluir seis das categorias identitárias que são os alvos mais comuns, bem como os objetivos de ajustes de regime, mudança de regime ou reorientação de regime.

    As táticas de engenharia social e pré-condicionamento político das Revoluções Coloridas (a primeira metade da Guerra Híbrida) se tornaram muito mais sofisticadas após a descoberta de como a Cambridge Analytica fazia coleta e análise de dados de usuários de mídia social a fim de obter um conhecimento sobre-humano do que as pessoas nos países-alvo estão interessadas, suas necessidades e a melhor forma de manipulá-las.

    Isso significa que o planejamento da Guerra Híbrida entrou em uma era completamente nova, mas apenas em países onde a maioria da população (ou pelo menos aqueles dentro de qualquer uma das seis categorias identitárias que os EUA desejam atingir) usa a mídia social, o que não é o caso em grandes partes da África que estão gradualmente se tornando campos de batalha da Guerra Híbrida contra os projetos da China de implantação da nova Rota da Seda.

    Como é possível responder às Guerras Híbridas?

    O Estado pode restringir ou monitorar as mídias sociais, mas a primeira medida pode provocar indignação na população e confirmar as suspeitas das pessoas de que o governo está suprimindo seu “direito à liberdade de expressão” porque tem “medo” do povo, o que pode ou pode não ser realmente o caso.

    Já o cidadão comum precisa desenvolver seu pensamento crítico para poder diferenciar entre notícias reais, notícias falsas e notícias manipuladas, assim como entre artigos de opinião, análises e simples reportagens jornalísticas.

    Quanto aos partidos da oposição, oficiais ou não, eles precisam travar suas próprias Guerras Híbridas, seja ofensivamente ou defensivamente, embora seja sempre melhor para eles ficar do lado da verdade em vez de recorrer a mentiras. A primeira é muito mais eficaz do que a segunda e ser pego mentindo poderia diminuir a confiança do público-alvo nesses grupos. Da mesma forma, todos os lados da interminável Guerra Híbrida (que está se tornando parte da vida cotidiana) precisam expor as mentiras dos demais.

    Você escreveu sobre as ações dos EUA, mas não citou ações similares da Rússia. Eles não ocorrem? As acusações contra a Rússia nessa área (especialmente em relação às eleições nos EUA) são falsas?

    Meu livro é sobre o uso de um modelo particular que faz com que Revoluções Coloridas (não violentas) manipuladas por agentes externos passem a movimentos violentos de guerra não convencional. Teve como objetivo provar a existência de um método nunca antes descoberto de desestabilização do Estado pelos EUA para fins geopolíticos.

    O livro é sobre a transformação de Revoluções de Cores em Guerras Não Convencionais, sobre a origem de ambas, a fase de transição e o resultado desses ciclos de agitação apoiados por agentes externos. As Guerras Híbridas não são simplesmente operações de gerenciamento de percepção ou infowars, em que todos os países do mundo participam e até mesmo muitas empresas (embora estas últimas não o façam por razões políticas, mas apenas para comercializar seus produtos ou serviços, às vezes no concorrente). Elas também nem sempre são travadas por agentes estatais, ou mesmo agentes não governamentais que realizam determinada atividade contratados por um Estado.

    É minha opinião pessoal que as acusações contra a Rússia não são relevantes para o modelo de Guerra Híbrida elaborado em meu livro, porque nunca houve intenção séria de organizar uma Revolução Colorida ou uma Guerra Não Convencional. Além disso, todas as acusações apontam para as atividades mais conhecidas sendo conduzidas por agentes não-estatais, que podem ou não ter agido a pedido de um Estado, mas nenhuma conexão clara com o Kremlin foi confirmada.

    Outro ponto importante a ter em mente é que, mesmo se a essência geral dessas acusações for verdadeira, o que duvido, representaria apenas uma forma muito básica de guerra de informação, que é comparativamente mais tosca e muito menor em escopo do que a operação que a União Soviética conduziu durante a Guerra Fria, o que mais uma vez sugere que isso poderia ter sido feito por um ator não-estatal independente do Estado russo e suas agências de inteligência.

    De qualquer forma, a questão é artificialmente politizada porque já foi provado que ela não teve impacto no resultado da eleição norte-americana, mas está sendo usada pelos oponentes de Trump nas burocracias militares, de inteligência e diplomáticas permanentes (“estado profundo”) e por seus cúmplices públicos (sejam “inocentes úteis” ou colaboradores) na academia, na mídia e em outras comunidades (incluindo cidadãos comuns) para “deslegitimar” sua vitória e pressioná-lo a realizar concessões políticas, mudanças de regime (desistir ou sofrer impeachment), ou reorientação do regime, por reforma do sistema de colégio eleitoral e outras medidas semelhantes. Pode-se dizer, portanto, que as acusações exageradas da chamada “interferência russa” estão sendo feitas como uma importante arma de guerra híbrida contra Trump como parte das ações do “estado profundo” dos EUA, o que é um caso interessante digno de estudo futuro com o uso do modelo de análise que desenvolvi.

    Créditos á: TUTAMÉIA

  • Como funciona a máquina de WhatsApp que pode eleger Bolsonaro

    Listas telefônicas em papel, chips importados, grupos segmentados e hibridismo entre militantes e disparadores pagos. Essas foram algumas das estratégias utilizadas pela campanha de Jair Bolsonaro (PSL) para criar sua extensa rede de comunicação paralela via WhatsApp. Na reta final da eleição, ÉPOCA conversou com pessoas que mergulharam ou participaram ativamente da construção do sistema, marcado pela circulação de notícias falsas e financiamento duvidoso. Um dos ouvidos pediu anonimato por temer retaliações.

    André ( nome fictício ) trabalhou para a família Bolsonaro durante quase dois anos. No início, o serviço se restringia à geração de peças virtuais. Em seguida, ampliou-se à criação maciça de grupos no aplicativo de mensagens. No primeiro semestre deste ano, a colaboração foi encerrada – entre outros motivos, pelo desconforto crescente da agência em que André trabalhava com o uso de notícias falsas desde o ano passado. “Saímos da campanha quando percebemos que as chances de ele ganhar eram reais”, contou.

    Para multiplicar as células no aplicativo, eram utilizadas listas com números de celular fornecidas diretamente por funcionários do clã Bolsonaro. Diversas listas com números telefônicos foram retiradas pessoalmente de escritórios no Rio de Janeiro e em São Paulo — prática comum em campanhas para driblar a legislação eleitoral, que só permite o uso de base de dados dos próprios candidatos. Em seguida, por telefone, cada uma das listas era associada ao perfil de um grupo específico: jovens, mulheres, pobres, evangélicos, entre outros. Os grupos eram criados e alimentados manualmente. Um a um, centenas de contatos migravam do papel para a rede, sem a autorização prévia dos usuários.

    Muitos deixavam os grupos, sempre inaugurados com uma mensagem de boas-vindas que trazia as regras de utilização. Para evitar a debandada, os disparadores enviavam mensagens privadas, com referências nominais aos proprietários dos números. “Assim, criávamos um ambiente mais família, menos artificial”, disse um dos informantes. Após o grupo atingir uma estabilização de participantes, o funcionário da agência transferia sua administração para um dos integrantes e deixava o grupo. O procedimento era feito para que não houvesse sobrecarga dos operadores, que ficariam livres para criar novos grupos e cuidar da gestão deles — um desenho semelhante às pirâmides financeiras.

    O professor Viktor Chagas, que monitora cerca de 150 grupos de cunho conservador e bolsonarista para o CoLAB, grupo de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF), constatou a presença decisiva de números estrangeiros nesses espaços. Chamam atenção telefones com códigos de Índia, Paquistão e Arábia Saudita. “Esses números são minoria, mas se caracterizam por uma atividade intensa”, explicou Chagas. O informante que esteve dentro da campanha de Bolsonaro contou que a maioria dos chips usados vinha dos Estados Unidos, mas também havia alguns com origem em Portugal e na Argentina. As agências que atendiam o clã do presidenciável recebiam os chips estrangeiros em procedimento idêntico ao das listas — pessoalmente, em encontros cercados de sigilo. A ideia era dificultar o rastreamento e bloqueio dessas linhas.

    A gestão da rede de grupos de WhatsApp acontecia toda no Telegram, aplicativo de mensagens russo. Nos grupos dessa cúpula, de acordo com os relatos, estariam os Bolsonaros, assessores diretos, representantes das agências contratadas e alguns militantes de confiança. Estes dispunham de chips da campanha para gerir braços dessa rede. Muitos recebiam o conteúdo diretamente dos criadores, a fim de quebrar a cadeia de comando e dificultar acusações de que a campanha veiculava notícias falsas. A preferência pelo Telegram se explica por uma maior sensação de segurança.

    Para Viktor Chagas, da UFF, embora equivocada do ponto de vista da inviolabilidade, já que ambos os aplicativos são criptografados de ponta a ponta, a estratégia pode ser útil. “O WhatsApp tem sido responsivo, tomando medidas de segurança contra a atuação desses grupos. No caso do Telegram, embora a plataforma tenha princípios e políticas mais claras no geral, não temos ainda a mesma certeza de cooperação”, apontou. Embora o estudo do CoLAB colete apenas dados, e não conversações, Chagas observou uma veiculação massiva de mensagens e “colinhas” de candidatos apoiados por Jair Bolsonaro em diversos estados do país na semana que antecedeu o primeiro turno.

    As células de apoio a Bolsonaro no WhatsApp se dividem em três modalidades. Primeiro, os grupos de disparo maciço em que os usuários não podem interagir entre si. Neles, só existe um administrador, que envia as peças e orienta os passivos a replicar o conteúdo em suas redes. Para esse fim, militantes usam também as linhas de transmissão, ferramenta do aplicativo para o envio múltiplo de mensagens privadas. Depois, em menor número, vêm os chamados “grupos de ataque”, em que também não há diálogo, mas o administrador publica um determinado link que deve ser atacado em massa pelos demais. Reportagens contrárias aos Bolsonaros e enquetes virtuais como as realizadas pelo Congresso Nacional são os alvos preferenciais. Esse tipo de célula reúne os militantes mais disciplinados, que recebem orientações objetivas e respostas pré-fabricadas para o conteúdo-alvo. Por último, estão os grupos públicos, de maior organicidade e com mais de um moderador, nos quais é permitido aos integrantes interagir.

    Todos os grupos monitorados por Chagas estão nessa categoria, porque o objetivo do estudo, a longo prazo, é identificar o padrão de comportamento dos envolvidos no ambiente virtual. “Vários desses grupos usam imagens de avatar padronizadas e têm uma estrutura compartimentada, com nomes semelhantes e regionalizados, o que sugere uma estrutura profissional”, avaliou. O pesquisador, que extrai periodicamente as conversações desde maio deste ano, têm um banco de 767 mil interações e verificou que, com frequência, apenas 5% dos integrantes concentram mais da metade das mensagens. A média de participantes por grupo é de 120 usuários.

    Para a criação do conteúdo que abastece essa rede, as diretrizes principais eram humor e superficialidade. “A mensagem tinha de ser simples, para ficar na cabeça das pessoas”, disse André. “Após junho de 2013, a força das redes ficou evidente. Essa linguagem, percebeu-se, funcionava muito bem na Internet e tinha uma eficácia impressionante na política”. Memes e mensagens que ironizavam opositores eram muito utilizados. Do contratante vinha a ordem para insistir em temas caros ao capitão reformado, como segurança pública, ataques ao PT e à corrupção, além de explorar sua imagem “autêntica”. Para tanto, eram repassadas à prestadora de serviços frases de efeito que Bolsonaro já tinha dito em eventos públicos ou que ainda diria, tudo para se antecipar e aproveitar ao máximo o ambiente virtual.

    Qualquer polêmica era bem-vinda, fosse ela inicialmente favorável a Bolsonaro ou não. Um exemplo foi a discussão com a deputada Maria do Rosário — que processou Bolsonaro depois de ele ter dito que ela não merecia ser estuprada por ser feia. “Eles pediram para explorar bastante o episódio, e criamos conteúdos em cima da discussão do politicamente incorreto, dizendo que não dá mais para fazer piada, que o Brasil está muito chato”, contou o informante. A segmentação permitia endereçar mensagens a grupos específicos, nos quais a aceitação seria maior, como imagens apelativas à volta dos militares ao poder. Nos últimos meses da colaboração, foi solicitada maior ênfase na ação junto aos evangélicos.

    Desde 2016, o grupo ligado ao candidato ventilava o desejo de contar com o apoio de Steve Bannon, diretor-executivo da campanha de Donald Trump à Presidência dos EUA e figura-chave no escândalo Cambridge Analytica. No dia 11 deste mês, Bannon citou o Brasil como um dos possíveis integrantes do grupo chamado “O Movimento”, idealizado por ele. Dois meses antes, Eduardo Bolsonaro postara uma foto com o estrategista em sua conta pessoal no Twitter. Na legenda, afirmava que Bannon estava em contato com a campanha para unir forças, “especialmente contra o marxismo cultural”.

    Nas últimas semanas, ÉPOCA entrou em grupos de apoio à candidatura de Bolsonaro à Presidência no WhatsApp e constatou a presença silenciosa de seus filhos Eduardo e Flávio, além de Major Olímpio (PSL), eleito senador por São Paulo. Na sexta-feira (19), Flávio protestou contra o banimento de sua conta no aplicativo. “A perseguição não tem limites! Meu WhatsApp, com milhares de grupos, foi banido DO NADA, sem nenhuma explicação! Exijo uma resposta oficial da plataforma”, escreveu. No mesmo dia, o WhatsApp comunicou que havia banido contas vinculadas às empresas acusadas de enviar mensagens em massa relacionadas às campanhas políticas nas eleições deste ano.

    Tiago Ramos, que trabalha voluntariamente na administração dos números de WhatsApp do candidato ao governo do Rio Wilson Witzel (PSC) e dá suporte à campanha virtual de Bolsonaro, contou à reportagem que, após a decisão do aplicativo, interrompeu nos últimos dias a circulação de mensagens em massa e também via listas de transmissão. “Não foi orientação de ninguém, mas uma precaução minha para não prejudicar os candidatos por uma injustiça. Tenho amigos que usam o aplicativo para se comunicar com clientes e tiveram contas bloqueadas sem motivo”, relata. “Eles não conseguem entender que não somos robôs. Somos pessoas que trabalham e, quando podem, dedicam um tempo extra para falar do candidato que apoiamos. Não há crime nenhum nisso”, insiste.

    Após o resultado do primeiro turno, o PT passou a dar mais atenção a sua estratégia nas redes. Criou dezenas de grupos regionais em que o ingresso era possível por acesso a links distribuídos em redes de apoiadores do partido. Neles, não era possível mandar mensagens, somente receber conteúdo. Ao contrário do primeiro turno, quando o uso de memes e imagens estilizadas era menos frequente e muitos “textões” ainda circulavam, o partido e seus militantes passaram a apostar em uma linguagem mais visual. Entretanto, algumas das peças trazem um volume de informação considerado grande para o perfil da plataforma, com números, textos e gráficos em uma só arte, por exemplo.

    O informante avaliou a atuação petista nas redes como rudimentar. “Se o partido tivesse estruturado uma teia com os movimentos sociais, seria indestrutível. Eles não conseguiram diagnosticar que as jornadas de junho surgiram no ambiente digital e a importância que esse espaço teria dali em diante”, constatou. “O PT não entendeu que o foco deixou de ser na rua. Tem de ‘socar’ informação pelas redes o tempo todo. Agora é tarde, mas, para ter alguma chance, o PT precisa romper com a bolha e trazer de volta o cara que deixou de votar no partido.”

    Ao constatar o protagonismo crescente do processamento de dados, o consultor de tecnologia Caio Almendra tentou mostrar a importância do tema a integrantes do PSOL no Rio. “Sugeri, por exemplo, a metrificação das panfletagens em diferentes regiões para avaliar o sucesso de cada ação e planejar melhor as próximas, mas nunca deram atenção”, disse. Quando começaram a circular notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco, executada em março deste ano, ele apresentou ao partido uma iniciativa orçada em R$ 110 mil que possibilitaria identificar os autores do conteúdo. “Imagine o que poderíamos ter evitado do que está acontecendo hoje. O valor era realmente alto para o partido, mas não tanto se fosse dividido com outras organizações”, lamentou.

  • As Eleições 2018 e o Fanatismo Religioso

    fanatismoPerto do segundo turno das eleições, em meio a uma tempestade de notícias falsas, dinheiro de caixa 2, manipulação das mentes via redes sócias uma palavra de serenidade, bom senso e alerta! Dom Sílvio Guterres Dutra, bispo da Diocese de Vacaria, RS envia uma mensagem para comunidades, pastorais, movimentos, lideranças: “de todas as possíveis manifestações fanáticas, das quais a primeira vítima é sempre o próprio uso da razão, o fanatismo religioso é o pior. O atual fenômeno do fanatismo religioso, misturado com a política, tem se caracterizado por algumas causas (bandeiras) defendidas a “unhas e dentes” sobre as quais é praticamente impossível se dizer qualquer coisa sem ser condenado ao “fogo dos infernos”. Publicado no site da diocese, 18 out 2018. Segue a Mensagem:

    “Por causa do Evangelho de Jesus Cristo”

    Mensagem dirigida às comunidades, pastorais, movimentos, lideranças e ao povo de Deus peregrino da Diocese de Vacaria.

    Segundo o dicionário, “Fanatismo religioso é uma forma de fanatismo caracterizada pela devoção incondicional, exaltada e completamente isenta de espírito crítico, a uma ideia ou concepção religiosa. Em geral o fanatismo religioso também se caracteriza pela intolerância em relação às demais crenças religiosas. Um fanático religioso é, muitas vezes, um indivíduo disposto a se utilizar de qualquer meio para firmar a primazia da sua fé sobre as demais”.

    Ciente de que posso estar me colocando diante da crítica impiedosa, mas impulsionado ainda mais por uma consciência que me diz que aquilo que não se diz na hora certa se deve calar depois dos fatos ocorridos, e de que em certas circunstâncias a omissão pode ser o maior dos pecados, decidi emitir minha opinião sobre a mistura da religião com a política neste momento do nosso amado Brasil. Prefiro correr o risco do erro de avaliação do que estar para o rebanho como uma “sentinela adormecida”, que embora veja o lobo se aproximando não cumpre sua missão.

    O recende dia de Nossa Senhora Aparecida, foi muito intenso para mim. Enquanto viajava pelas estradas da nossa diocese de Vacaria, na direção das comunidades, minha mente, quase que independente de minha vontade, voltava toda hora ao fato de que nossa querida padroeira já foi vítima, ao menos duas vezes, do fanatismo religioso. Em 1978, um homem se dizendo enviado por Deus, destroçou a pequena imagem de Nossa Senhora em mais de duzentos pedaços; há alguns anos atrás um pastor fanático desrespeitou grosseiramente a representação de Nossa Senhora (sua imagem) com uma sequência de chutes em um programa de televisão.

    Outra experiência recente de fanatismo, dentro da própria Igreja Católica, fez com que indivíduos instruídos por gurus das redes sociais, tenham agredido a CNBB como se ela fossa composta por moleques imaturos que não sabem o que fazem. Se tudo isso não bastasse, o grande Papa Francisco tem sido alvo de ataques ferrenhos contra a sua pessoa. Em todos estes casos podemos detectar uma doença espiritual/psicológica que revela a ausência de discernimento e de juízo equilibrado.

    De todas as possíveis manifestações fanáticas, das quais a primeira vítima é sempre o próprio uso da razão (o fanático se nega a raciocinar por que isso seria muito perigoso), o fanatismo religioso é o pior, pois atinge o cerne da pessoa, atinge a sua dimensão mais íntima, sagrada e transcendente. Como dialogar com uma pessoa que está certa, sem uma mínima chance de equívoco, de que é Deus que a manda dizer o que diz e fazer o que faz? O fanatismo no futebol e o próprio fanatismo ideológico da política, de longe não são tão prejudiciais quanto o religioso. Famílias e comunidades que convivem com pessoas que se deixaram fanatizar sabem bem o que isso significa. Imaginemos agora, por exemplo, o estrago que faz misturar a doença religiosa com a ideológico/política! Que Deus nos acuda!

    O atual fenômeno do fanatismo religioso, misturado com a política, tem se caracterizado por algumas causas (bandeiras) defendidas a “unhas e dentes” sobre as quais é praticamente impossível se dizer qualquer coisa sem ser condenado ao “fogo dos infernos”. Vou me referir a duas delas:

    A BANDEIRA DO ANTICOMUNISMO – Aqui não se trata absolutamente de defender o pensamento comunista, questão já tratada adequadamente pela Igreja, mas é necessário se dar conta que ao reduzir a responsabilidade de todos os males do mundo aos comunistas se está fechando os olhos para a realidade que é muito diferente. O problema do nosso tempo é bem outro que o comunismo, é a ditadura do “deus mercado”, o verdadeiro “deus” do capitalismo selvagem que vem devastando valores, destruindo pessoas, famílias, cooptando igrejas e movimentos eclesiais e colocando em xeque a possibilidade de sobrevivência do planeta. A idolatria em torno do “deus mercado” é tão absurda que o torna a única divindade inatacável. Pode-se debochar e desprezar qualquer outra representação religiosa, que isso é tido como liberdade de manifestação, porém se alguém ousar criticar o “deus mercado” será perseguido de morte como o profeta Elias depois de acabar com os profetas de Baal. De fato, o capitalismo não nega a existência de Deus (o que é simpático aos crentes desavisados) mas o que ele faz é substituir o Deus de Jesus Cristo pelo “deus dinheiro/lucro”.

    Esta mesma causa anticomunista, que possui seus méritos, serve para que a doença espiritual (fanatismo) leve seus adeptos a pensar que o “Mal” está sempre fora da sua igreja, que é sempre um perigo que vem de fora e que deve ser combatido. Tudo o que aprendi sobre o Demônio até hoje, me faz lembrar que ele é tudo, menos ingênuo e burro. Com isso quero dizer que a pessoa não fanatizada é capaz de perceber primeiro o pecado que está dentro de si e da sua própria instituição. Esta tarefa é a mais difícil e mais dolorosa, mas também é a mais equilibrada e madura, e é a única que pode curar o problema na sua raiz. Proponho uma questão concreta para reflexão: o que faz mais mal às famílias, às igrejas e à própria experiência de fé, a proximidade com um ateu ou a existência de graves escândalos de ministros no interior das próprias igrejas?

    O Papa Francisco, modelo de lucidez e equilíbrio para o nosso tempo, tem o foco de suas principais preocupações noutro alvo. No seu documento do início do ministério ele afirma: “Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras…” (EG 56)Com estas palavras não me prece que o Papa entenda que o risco do comunismo seja o único, e muito menos o maior perigo da atualidade.

    A BANDEIRA ANTIABORTISTA – Antes que alguém aponte sua arma na minha direção, dou testemunho da minha firme decisão de ser um missionário da sagrada e intocável vida que é dom de Deus. Uma recente experiência de milagre que aconteceu entre meus familiares, em torno do nascimento da Cecília (minha sobrinha-neta) chancelou para sempre meu amor a vida desde sua origem. Nenhuma ideologia, ciência, medicina, e nenhum médico está acima da vida ou a pode trata-la como objeto ou coisa. A questão da doença espiritual (fanatismo) aqui não é a de assumir a indispensável luta contra o aborto, mas a cegueira que impede o crente de pensar mais além. A vida não vale somente enquanto está no útero materno, ela vale sempre. Hoje, a fixação exclusiva nesta causa serve muito mais aos projetos do grande poder econômico que, neste caso, instrumentaliza uma causa nobilíssima dos cristãos para impor seus mesquinhos interesses políticos.

    Novamente é o Papa Francisco que convoca à lucidez e afirma no seu mais recente documento sobre o chamado à santidade no mundo atual: “Mas é nocivo e ideológico também o erro das pessoas que vivem suspeitando do compromisso social dos outros, considerando algo superficial, mundano, secularizado, imanentista, comunista, populista; ou então relativizam-no como se houvesse outras coisas mais importantes, como se interessasse apenas uma determinada ética ou um arrazoado que eles defendem. A defesa do inocente nascituro, por exemplo, deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da pessoa humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente de seu desenvolvimento. Mas igualmente é sagrada a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura e em todas as formas de descarte. Não podemos nos propor um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo, onde alguns festejam, gastam folgadamente e reduzem sua vida às novidades do consumo, ao mesmo tempo que outros se limitam a olhar de fora enquanto a sua vida passa e termina miseravelmente” (GE 101). Entendo que Francisco está nos pedindo para não permitir que uma questão tão importante como a sacralidade da vida seja instrumentalizada, a ponto de os mesmos que defendem ferrenhamente a vida do nascituro sejam os que pregam o ódio, a violência, a tortura, o racismo, a homofobia etc.

    Os pensamentos acima são frutos da inquietação de um pastor que se angustia muito com os fenômenos do nosso tempo e que entende que não tem o direito de se calar. Silenciar sobre estes temas que estão pautando o momento político brasileiro seria para mim muito mais difícil de administrar, do que correr o risco do equívoco tanto no mérito da minha manifestação quanto na interpretação dos que a lerem. Fico à disposição para todo tipo de crítica e de discordância, contanto que não seja mera agressão. Vale lembrar o que dizia Dom Helder Câmara: “se discordas de mim, tu me enriqueces”.

    Dom Sílvio Guterres Dutra
    Dom Sílvio Guterres Dutra
    Bispo Diocesano de Vacaria-RS

    O que eu quero crer de verdade é que não cheguemos ao ponto de ter que pedir socorro aos ateus, para que nos livrem do fanatismo de cristãos adoecidos que estão prestes assumir o governo do nosso país.
    O que exponho aqui não pretende ser toda a verdade, muito menos a única verdade.É apenas minha palavra.

     

  • O PAD SEMPRE TEVE LADO: O DA DEFESA DA DEMOCRACIA

    O PAD – Processo de Articulação e Diálogo Internacional é uma rede formada por agências ecumênicas européias e entidades parceiras no Brasil (movimentos sociais, entidades ecumênicas e organizações não governamentais) que tem como objetivo central promover reflexões e ações experimentais relacionadas aos temas das relações de cooperação, do desenvolvimento, dos bens comuns, da desigualdade e dos direitos humanos.

    As agências que integram o PAD são provenientes de diversos países europeus, e as organizações brasileiras atuam na Amazônia, nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, conferindo à articulação abrangência e diversidade.

    Atualmente o PAD está estruturado em dois Grupos Temáticos, Grupo Bens Comuns e Grupo Criminalização das Lutas Sociais e Direitos Humanos e, uma Coordenação Executiva composta por representação dos Grupos Temáticos e pelas agências de cooperação. A sua estrutura comporta ainda uma secretaria executiva, um escritório de apoio e assessoria de comunicação.

    Criado em 1995, o PAD orientou sua atuação na busca da promoção de uma nova cultura de diálogo multilateral e na construção de um espaço de compreensão das políticas de cooperação internacional.

    O ecumenismo e o multilateralismo sempre foram valores norteadores desta articulação. A interação e a parceria ativa entre agências de cooperação e parceiras brasileiras é um valor intrínseco a estrutura da rede, que se pauta pela busca de uma nova solidariedade entre o Sul e o Norte e entre povos do Sul.

    O diálogo tem se firmado como elemento essencial para a construção de um trabalho comum que favorece o combate aos retrocessos, às desigualdades e a busca por afirmação dos direitos humanos. A rede tem se firmado como um espaço de troca, formação e produção de conhecimento entre as organizações no Brasil e as agências de cooperação ecumênicas.

    O PAD organiza sua atuação a partir de um objetivo geral e três linhas de ação.

    OBJETIVO GERAL

    Promover, em um ambiente multilateral de diálogo, a leitura crítica sobre o modelo de crescimento e seus impactos sobre os DhESC(A) no Brasil, favorecendo a incidência política da sociedade brasileira civil organizada (movimentos sociais, ONGs e organizações ecumênicas) e das agências na cooperação ecumênica com repercussões na comunidade internacional.

    LINHA DE AÇÃO

    • Bens Comuns
    • Criminalização das Lutas Sociais e Direitos Humanos

    As ações são organizadas em plano de ação bianuais, monitorados e revistos a cada período de quatro meses pela coordenação executiva.

    O PAD é apoiado por agências ecumênicas internacionais de cooperação.

    LEIA A NOTA SOBRE O MOMENTO NACIONAL

    O Brasil passa por um dos momentos políticos mais tensos da sua história. O país está dividido, desde a divulgação dos resultados do primeiro turno das eleições presidenciais.O candidato ultraconservador, Jair Bolsonaro chegou em primeiro lugar, com 46% dos votos, contra 29% de Fernando Haddad, em segundo.

     Neste momento crítico da política brasileira é preciso ter ladoNão se trata de duas opções políticas, mas sim de uma posição  entre a democracia e o autoritarismo. A diferença dos candidatos e o que representam não são apenas projetos políticos diferentes. Jair Bolsonaro sempre teve discurso autoritário, já o Partido dos Trabalhadores, do qual Fernando Haddad é o candidato, nasceu e cresceu na democracia. Temos dois projetos políticos em disputa: o do candidato Jair Bolsonaro –   na direção da privatização e perda de direitos, e o Fernando Haddad, no campo democrático popular que defende a garantia dos direitos constitucionais e os espaços democráticos de participação popular como legado da história democrática do país.

    Os resultados das eleições trouxeram um clima de medo nas ruas de muitas cidades brasileiras. O candidato Jair Bolsonaro tem um discurso político controverso, cheio de declarações machistas, racistas, homofóbicas e que violam os direitos humanos. Desde o último domingo, após a divulgação dos resultados das urnas, há relatos de dezenas de homossexuais agredidos por seus eleitores e o assassinato do capoeirista Moa do Catendê, em Salvador (BA), na madrugada da última segunda-feira (8). Moa levou 12 facadas de um eleitor de Bolsonaro, após numa discussão política, argumentar que o jovem eleitor precisava entender, que ele, “como negro tinha consciência do quanto o negro lutou para chegar onde chegou e o quanto Bolsonaro poderia tirar essas conquistas se chegasse ao poder”.

     Vivemos um momento limítrofe e é preciso que toda sociedade escolha entre a civilização ou a barbárie no próximo dia 28 de outubro, data do segundo turno das eleições presidenciais.

     Em seu discurso no primeiro turno, Bolsonaro afirmou: “Vamos colocar um fim em todo ativismo no Brasil”. Vale lembrar que foram milhares de ativistas e militantes de organizações e movimentos sociais que lutaram pela redemocratização do Brasil nos últimos 30 anos e que muitos morreram para que pudéssemos ter direito ao voto direto. O candidato também ameaçou o meio ambiente, afirmando que impedirá que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais – IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade -ICMBIO multem empreendimentos por violações ambientais. Em entrevistas anteriores também disse que a polícia teria “que atirar para matar” e que eleito revogará o estatuto do desarmamento.

     O Pad, desde sua criação apoia a democracia, os direitos humanos e consolidação do Estado Democrático de Direitos. Neste momento triste da nossa história, convocamos todos e todas pela defesa do nosso bem maior: a democracia do nosso país.

     Processo de Articulação e Diálogo Internacional – PAD

    Outubro de 2018.

  • Eleições 2018: a resistência da esquerda frente ao avanço do fascismo

    “A radicalização da polarização política no Brasil. Algumas análises. Entrevistas especiais”

    O Instituto Humanitas Unisinos publicou na manhã dessa segunda feira (08/10), uma entrevista com alguns intelectuais brasileiros e ativistas de esquerda e de direitos humanos, sobre os resultados do pleito eleitoral deste domingo.

    Uma das pessoas entrevistadas foi Ivo Lesbaupin Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e membro da ONG Iser Assessoria, do Rio de Janeiro. É doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais O Desmonte da nação: balanço do governo FHC (1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).

    Trazemos aqui o texto do site IHU que apresenta um breve resumo dos entrevistados, e em seguida a entrevista na íntegra com Ivo Lesbaupin.

    Desde 1989, isto é, desde o princípio da Nova República o Brasil nunca foi capaz de virar, no segundo turno, uma eleição presidencial. O resultado da votação de domingo, 07-10-2018, coloca os brasileiros diante da escolha entre Jair Bolsonaro, PSL – com 46% dos votos –, e Fernando Haddad, PT – com 29,3% dos votos. O cenário traz à tona a polarização que tem marcado a política brasileira nos últimos anos. Para analisar os impactos e os significados desta eleição, a IHU On-Line ouviu uma série de especialistas para analisar o primeiro turno de 2018.

    O resultado das eleições presidenciais deste ano confirmou “a preferência do eleitorado pela candidatura Bolsonaro, o que diz muito sobre a mente da sociedade brasileira”, diz Roberto Romano. Segundo ele, a eleição indica que “no mesmo passo em que o Estado nacional não se democratiza, os dirigentes políticos aumentam seus privilégios e legislam em causa própria, a massa sem condições de partilhar do cotidiano administrativo, não ouvida e escorchada com impostos sem retorno, busca um salvador encarnado em indivíduo autoritário que promete tudo mudar. Foi assim com Jânio Quadros, com a ditadura de 1964, Fernando Collor e, em boa parte com Luis Inácio da Silva”.

    Para Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, para quem a eleição no segundo turno será um grande desafio diante da “larga vantagem” do candidato do PSL, cabe “iniciar uma etapa fundamental de rearticulação de um campo democrático para um novo arranjo político”. “A esquerda tem demonstrado enorme dificuldade de fazê-lo, o que pode configurar sua derrota! Poderá superar e dar um salto de qualidade. (…) Mas, para isso, será preciso humildade para um diálogo entre iguais e determinação para a luta política conjunta. Serão três semanas de fortes emoções, de um jogo duríssimo”, pondera.

    Ivo Lesbaupin, também entrevistado por e-mail, menciona que o resultado do primeiro turno foi marcado por um “antipetismo” que tem sido “difundido a nível nacional no correr dos últimos anos” e pela “candidatura de um político que se apresenta como um candidato antissistema, diferente de ‘tudo o que está aí’, que afirma que vai acabar com a corrupção e com a violência. Com medidas simples: armas para toda a população, facilitação do uso da violência pela polícia”.

    Na análise de Rudá Ricci, que concedeu entrevista por telefone, as eleições serviram para revelar um país radicalmente dividido em dois importantes pólos eleitorais: centro-sul e nordeste. “O sudeste dando uma guinada muito nítida à direita e em alguns casos para a extrema direita. É o caso, por exemplo, do Rio de Janeiro onde o candidato a deputado estadual mais votado é justamente aquele personagem que quebrou a placa com nome de rua da Marielle”, avalia. “Já no nordeste, a votação é toda à esquerda. O PT faz vários governadores, o PCdoB reelege Flavio Dino, no Maranhão, nós temos o PSB elegendo vários governadores”, complementa.

    Para Bruno Cava, em entrevista por e-mail, considera que o principal risco que corremos é que as estruturas estatais passem a ressoar o fascismo social que temos testemunhado. “O desafio de uma mobilização como o #EleNão é mostrar como as preocupações das minorias não se restringem à suposta ‘elite de esquerda’ que organiza os protestos, mas são preocupações de todos, preocupações transversais. Porque, no Brasil, todo mundo é minoria em alguma medida. Nem tanto a luta da minoria, mas a minoria enquanto luta, minoria que devimos, que nos constitui”, coloca.

    Adriano Pilatti, que atuou na Assembleia Constituinte de 1988, em entrevista por e-mail, admite um olhar de preocupação com o cenário atual, mas adverte que é preciso arregaçar as mangas. “Será preciso muito esforço, muita coesão, muita paciência, muita disposição de persuadir a parcela de votantes ao centro

    e à direita para que não cedam, agora ou mais uma vez, à ilusão autoritária e obscurantista. Por isso mesmo é preciso começar imediatamente, sem hesitações”, provoca.

    Na avaliação de Acauam Oliveira, “o resultado das eleições apresentou o cenário ideal tanto para petistas quanto bolsonaristas. Grande parte da força de Bolsonaro alimenta-se de um antipetismo radical aliado a um sentimento geral de negação da política tradicional, considerada como espaço da corrupção e da bandalheira. Sua candidatura claramente depende do avanço do PT para se sustentar. O mesmo se passa com o PT, cujas maiores chances de vitórias se dão obviamente contra uma candidatura cujo índice de rejeição seja superior ao do próprio partido, sendo Jair Bolsonaro o único que preenche esse requisito”. O cálculo, adverte, “arremessa o país para um clima de assustadora instabilidade, mas é praticamente a única esperança petista, que pode contar novamente com a lógica do ‘nós contra eles e arregimentar grupos de eleitores que já haviam desistido de apoiar o partido”.

    Moysés Pinto Neto frisa que o resultado da eleição “confirma-se o que todo mundo sabia: o país vive uma onda de viralização da ideologia conservadora somada a uma revolta contra o sistema inspirada da crítica à corrupção. O discurso encontrou em Bolsonaro a figura que sintetiza autoritarismo e discurso de renovaçã

    o”.

    IHU On-Line – Qual sua avaliação do resultado das eleições deste domingo?

    Ivo Lesbaupin Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e membro da ONG Iser Assessoria, do Rio de Janeiro. É doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, França. É autor e organizador de diversos livros, entre os quais O Desmonte da na

    ção: balanço do governo FHC (1999); O Desmonte da nação em dados (com Adhemar Mineiro, 2002); Uma análise do Governo Lula (2003-2010): de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres (2010).

    Ivo Lesbaupin – Em primeiro lugar, é preciso dizer que estas eleições foram realizadas em condições absolutamente anormais:

    1. a) A presidente eleita no pleito anterior (2014), foi afastada por impeachment em 2016, sem que houvesse “crime de responsabilidade”, como exige a Constituição.

    Um dos principais líderes do PSDB reconhece: “O partido (PSDB) cometeu um conjunto de erros memoráveis. O primeiro foi questionar o resultado eleitoral. Começou no dia seguinte (à eleição). (…) O segundo erro foi votar contra princípios básicos nossos, sobretudo na economia, só para ser contra o PT”. [Entrevista de

    Tasso Jereissati ao jornal O Estado de São Paulo, 13/09/2018].

    1. b) A maior liderança política do país está impossibilitada de concorrer, em virtude de uma condenação injusta – segundo a avaliação de muitos juristas, tanto do Brasil como de outros países. Não há provas concretas que justifiquem sua condenação e prisão. Aparentemente, o único objetivo de sua condenação foi impedi-lo de concorrer. Segundo todas as pesquisas, se fosse candidato, Lula seria eleito.

    Estas duas medidas – o afastamento da presidente eleita e a condenação e prisão de Lula – atingem unicamente o PT, como se houvesse a intenção deliberada de ceifar o PT da vida política nacional. A operação Lava Jato cometeu uma série de irregularidades (conduções coercitivas sem intimação prévia, vazamentos seletivos de depoimentos, direcionamento de delações, divulgação para a mídia de conversas gravadas com a presidente da república, divulgação para a mídia em véspera de eleições, etc.). E, além disso, foi claramente direcionada para atingir as lideranças e os políticos de um só partido, o PT. Muitos outros políticos, de outros partidos, foram citados e, eventualmente denunciados, mas tiveram um trat

    amento diferenciado tanto pela força tarefa da operação quanto pela mídia. Alguns destes, com provas concretas de corrupção, continuam atuando na política como se nada tivesse acontecido.

    IHU On-Line – O que explica o resultado das eleições e qual é o seu significado político?

    Ivo Lesbaupin – A campanha judiciário-mediática de quatro anos e meio contra Lula e o PT construiu o antipetismo que marcou o 1º turno destas eleições. Durante este período não saiu uma notícia positiva sobre os governos

    Lula ou Dilma: a ascensão de 30 milhões de brasileiros que deixaram a miséria, o aumento real do salário-mínimo, o Bolsa-Família, o papel proativo do Brasil no cenário internacional, etc. Até o desastre dos dois anos do governo Temer foram colocados na conta dos governos do PT. As falsas notícias não estiveram apenas nas redes sociais, estiveram também na grande mídia.

    Clima de ódio e difusão de mentiras (“fake news”)

    A saída não é mais ódio ou mais violência (“agora é guerra”) e, sim, a superação deste clima – Ivo Lesbaupin

    De outubro de 2014 para cá cresceu uma onda de ódio em nossa sociedade. Não foi gratuita. Ela foi incentivada pela grande mídia, que quis jogar a opinião pública contra um partido, o PT, e suas principais lideranças, com o objetivo de derrubar a presidente e de afastar Lula e o PT da cena política. Durante quatro anos e

    meio, a Operação Lava Jato construiu a narrativa da “maior história de corrupção do país”. Passado este tempo, a Operação não acabou com a corrupção e deixou intocados os maiores partidos de direita assim como suas lideranças – desde Temer a Aécio Neves, Romero Jucá, Eliseu Padilha, Moreira Franco. Mas conseguiu a derrubada de Dilma e a condenação e prisão de Lula.

    A campanha “A Lei é para todos” se revelou “A Lei é para o PT”, numa atualização do dito “para os amigos tudo, para os inimigos a Lei”. A maioria da opinião pública, embora atingida pela campanha, não se deixou enganar: nas pesquisas de opinião, apesar do massacre mediático incessante, o líder do PT, mesmo preso, enquanto era ca

    ndidato permaneceu em primeiro lugar. Fora do Brasil, na mídia internacional, o discurso dominante na nossa mídia não passou: a saída de Dilma é vista como uma espécie de golpe parlamentar e a prisão de Lula como uma manobra para afastá-lo das eleições. Desde o New York Times, passando pelo El País até a Comissão de Direitos Humanos da ONU, a situação no Brasil é vista como irregular. E o governo Temer é totalmente desmoralizado. Até o The Economist adverte para o risco que Bolsonaro representa.

    Isto explica em boa parte o crescimento do voto útil em Bolsonaro nos últimos dias do primeiro turno. O antipetismo não surgiu do nada, surgiu de uma campanha orquestrada para gerar, em parte da sociedade, a reação que gerou a seu líder e ao partido.

    Isto não reduz as críticas que se possa fazer aos governos Lula e sobretudo aos governos Dilma (especialmente, ao segundo gove

    rno). Há críticas a serem feitas a estes governos, mas o antipetismo é outra coisa: é a geração de um ódio baseado na exacerbação de falhas ocorridas nestes governos. Isto foi feito usando meios da Justiça e meios de comunicação de massa, em especial a televisão, além das redes sociais, alimentadas por “fake news”.

    Não temos no Brasil instrumentos públicos de controle destas falsas notícias. Tal como nos EUA, elas servem aos conservadores, para confundir a opinião pública e gerar um clima de desconfiança face aos meios de comunicação em geral. E a grande mídia tem sido condescendente com a difusão das falsas notícias.

    Não contentes com a condenação e prisão de Lula, uma parte do Judiciário e generais querem condicionar o resultado das eleições ao que eles desejam: manifestam-se para dizer ao STF a posição que deve tomar e para definir qual eleito eles aceitam e qual seria inaceitável (para eles). Ou seja, a decisão democrática – do povo – não importa.

    Eleições sob tutela

    Em outras palavras, as eleições, que são uma prática típica da democracia, pela qual o povo escolhe seus governantes e seus representantes, não estão sendo realizadas em condições de liberdade e, sim, em condições de tutela, tanto por parte de alguns juízes, inclusive do STF, como por parte de setores das Forças Armadas, que se pronunciam como se fossem donos do país.

    O candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado. Certamente, o clima de ódio difuso presente na conjuntura atual contribuiu para este acontecimento trágico. Mas o crime foi rechaçado por todos os partidos e por todos os candidatos à presidência. Embora o candidato tenha um discurso de intolerância, ninguém defende outra solução para esta postura que não a democracia.

    A saída não é mais ódio ou mais violência (“agora é guerra”) e, sim, a superação deste clima. A política se constrói pelo debate de ideias, num clima de liberdade e respeito às diferentes posições existentes. E o rumo é definido, com muito debate, pela maioria. Tomada a decisão, os que perderam naquele momento se reorganizam para influir no decorrer do período e para convencer a maioria na oportunidade seguinte.

    HU On-Line – Como deve se dar a disputa eleitoral no segundo turno? 

    I Ivo Lesbaupin – Temos de levar em conta estes fatores:

    1) a existência de um antipetismo difundido a nível nacional no correr dos últimos anos;

    2) a candidatura de um político que se apresenta como um candidato antissistema, diferente de “tudo o que está aí”, que afirma que vai acabar com a corrupção e com a violência. Com medidas simples: armas para toda a população, facilitação do uso da violência pela polícia.

    Este candidato já disse frases muito fortes em sua vida política e durante a campanha eleitoral, discriminatórias com relação às mulheres, aos/às homossexuais, aos negros. Tudo lhe foi perdoado pelos órgãos de justiça, até o presente momento. Seus eleitores são pessoas conservadoras, de um lado, alguns dos quais desejam a volta da ditadura militar, mas também pessoas que apenas querem acabar com a corrupção no pais, acabar com o caos em que nos encontramos.

    A facilidade com que este candidato fala positivamente da ditadura militar tem a ver com o desconhecimento da história dos vinte e um anos deste regime por parte da maioria da população: muitos imaginam a ditadura como um período em que houve ordem e progresso, em que não havia violência nas ruas. A supressão da liberdade, a opressão daqueles anos, as prisões, as torturas, é fato desconhecido para muitos. Provavelmente, este candidato vai continuar tomando as posições que tomou até hoje e vai procurar alimentar o antipetismo para derrotar o outro candidato, que é do PT. Por sua vez, Fernando Haddad terá de conseguir galvanizar o apoio dos candidatos que perderam a eleição, o que implicará em muito diálogo e abertura para incorporar preocupações que não são do PT.

    O segundo turno colocará em disputa o campo democrático e o campo que flerta com a ditadura, o campo da defesa das liberdades e dos direitos humanos e o campo que aposta na violência e na intolerância. Será preciso abrir a consciência dos eleitores do outro candidato para os riscos que ele traz para o país e para os direitos dos trabalhadores, das mulheres, da população LGBTI, dos negros.

    A reportagem é Patricia Fachin e Ricardo Machado, publicado em 08 Outubro de 2018. http://www.ihu.unisinos.br/583456-eleicoes-2018-a-radicalizacao-da-polarizacao-politica-no-brasil-algumas-analises-entrevistas-especiais

    Foto: DM/Opinião.

  • “Não podemos ser porta-vozes nem do ódio nem do medo”

    CONICFoi realizada, no dia 1 de outubro, em Brasília, o primeiro encontro da Comissão Ecumênica de Justiça e Paz do CONIC. Recém-criada para assessorar a Diretoria do Conselho em posicionamentos importantes, esta reunião teve por objetivo refletir sobre o cenário eleitoral e pós-eleitoral do Brasil. O encontro também contou com a participação, via webconferência, do professor Dr. Henrique Carlos de Oliveira de Castro, doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
    O documento final, que pode ser conferido a seguir, destaca o contexto difícil das Eleições 2018 e conclama todos(as) os(as) cristãos e cristãs a permanecerem comprometidos(as) com os valores do Evangelho. Um dos trechos da declaração também critica o posicionamento da elite brasileira que “constantemente age no sentido de colocar o povo contra o povo, criando um ambiente de medo, fortalecendo narrativas de que o pobre seria o principal ator da violência.” Outro ponto citado é a possibilidade de ruptura democrática: “uma das candidaturas fala abertamente em golpe, caso o resultado eleitoral não seja em seu favor.”

    Leia, a seguir, a declaração:

    DECLARAÇÃO SOBRE AS ELEIÇÕES 2018

    O Brasil está vivendo, em 2018, um processo eleitoral incomum. Ele ocorre em um contexto de ruptura democrática. O atual Presidente da República não foi eleito para a função. Uma Presidenta foi afastada do cargo com justificativas questionáveis. Além disso, uma das candidaturas fala abertamente em golpe, caso o resultado eleitoral não seja em seu favor.

    A história do país revela o quanto a nossa democracia é frágil. Se observarmos os presidentes que governaram o país de 1930 até os dias de hoje, somente quatro foram eleitos e cumpriram seus mandatos. Portanto, a democracia no Brasil não é a regra, mas a exceção.

    Este processo eleitoral revela e explicita questões históricas não resolvidas. O Brasil jamais teve um projeto de nação, nem depois de sua Independência ou da Proclamação da República.

    Ao idealizar as experiências e organização social dos países europeus ou dos Estados Unidos, a elite brasileira nunca teve interesse em que o Brasil se reconhecesse como nação, mas apenas em produzir e manter as desigualdades.

    Esta elite tende a sonegar impostos, não aceitar taxar as suas fortunas e eximir-se de suas responsabilidades sociais. E constantemente age no sentido de colocar o povo contra o povo, criando um ambiente de medo, fortalecendo narrativas de que o pobre seria o principal ator da violência.

    Vivemos uma espécie de “futebolização” da política, em que o pressuposto não é a de que todos ganhem, como nas democracias mais amadurecidas, mas de que se torce para o outro lado ser derrotado, não importando se, ao fim, todos perdem. Esta é uma polarização que aniquila a busca e a realização do bem comum.

    Nossa fé é política na medida em que assume a responsabilidade cristã que vem do Batismo. É esta fé que nos compromete incondicionalmente com a dignidade humana, com o cuidado dos bens comuns, com a cultura da paz e da não violência, com a promoção dos direitos humanos e da justiça. A única opção para uma pessoa cristã é a promoção destes valores, expressos claramente no Evangelho, em especial, nas Bem-aventuranças (Mt 5.1-12), e nas práticas de misericórdia (Mt 25.35-45).

    Destacamos a urgência de que cada pessoa, comprometida com a sua fé, e também, aquelas que não comungam de fé alguma, que defendam o Estado Democrático de Direito, incluindo o respeito pelas liberdades civis, direitos humanos e sociais e outras garantias fundamentais estabelecidas na Constituição.

    Que no dia 7 de outubro cada cidadão e cidadã vote com discernimento e com o conhecimento do projeto de governo escolhido para os próximos quatro anos, incluindo os cargos legislativos.

    Neste atual clima de confronto e de crise das instituições, temos nos perguntado, com temor e seriedade, se há algum risco de um Estado de Exceção. Em situações assim, os direitos se restringem e os poderes são concentrados.

    Neste sentido, como pessoas de diferentes tradições de fé, conclamamos:

    • A que permaneçamos em vigília e fortaleçamos a profecia coletiva e popular, organizando-nos nas casas, bairros e comunidades para conversar sobre os impactos que o racismo, a xenofobia, ameaça de práticas fascistas, o ódio às mulheres e a LGBTfobia causam nas nossas vidas;
    • As igrejas, organizações sociais, movimentos populares a que contribuam para a formação de uma cultura democrática em contraposição à cultura autoritária;
    • O fortalecimento das mobilizações pela revogação das reformas trabalhistas e do teto de gastos, assim como para renovar a luta por uma reforma do sistema político e uma reforma tributária justa, além de garantir outras conquistas resultantes da luta dos trabalhadores e trabalhadoras;
    • A que renovemos e aprofundemos o compromisso com a laicidade do estado. Nenhum candidato ou governo pode se pronunciar em nome de Deus.
    • As nossas igrejas a dialogar sobre a proteção das famílias constituídas a partir do afeto e não pela manutenção de hierarquias familiares propagadoras de violência doméstica.

    Em um país religioso como o Brasil, não devemos ser porta-vozes nem do ódio e nem do medo. Cabe-nos ser anunciadores e anunciadoras do amor, da paz, do diálogo, da solidariedade, da justiça, da cultura do encontro. Quem se apropria do nome de Deus, de Jesus e da Bíblia para disseminar o ódio e atacar os direitos humanos está desrespeitando o Evangelho.

    Confiemos naquele que nos amou primeiro e orientemos nossas ações no fogo do amor que tudo regenera e recria. (Lc 12.49ss)

    CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil

     

  • Uma mentira repetida mil vezes…*

    Joseph Goebbels, Ministro de Propaganda de Hitler, 1933-1945

    Nós sabíamos que a batalha seria dura, mas achávamos que certos golpes baixos seriam evitados. Ledo engano. Para garantir que o candidato do golpe não perca, vale tudo. A pesquisa do Ibope divulgada ontem provoca em qualquer leitor atento uma enorme surpresa: depois do tsunami de manifestações contra Bolsonaro no sábado, em inúmeras cidades no Brasil, eram de se esperar outros números. Segundo o Ibope, as intenções de voto no capitão subiram. Em compensação, Haddad ficou estacionado.
    E sua taxa de rejeição subiu 11 pontos em uma semana.

    Obviamente, é uma pesquisa pouco confiável, com o objetivo de tentar influenciar os eleitores para votar em Bolsonaro e para desanimar os eleitores de Haddad.

    Ao mesmo tempo, o juiz Sergio Moro divulga trechos selecionados da delação premiada de Antonio Palocci, a apenas seis dias das eleições. Delação esta feita há vários meses e rejeitada pelo próprio Ministério Público, mas, mesmo assim, divulgada neste momento. Tudo parece ter sido combinado para oferecer ao Jornal Nacional elementos suficientes para atacar o PT.

    Felizmente, saiu hoje outra pesquisa, feita pela Real Time Big Data, onde Bolsonaro também está em primeiro lugar, com 29%, mas Haddad está logo atrás, com 24%, tendo subido 17 pontos em dezoito dias (a pesquisa anterior foi em 12 de setembro e esta em 1º de outubro), praticamente 1 ponto por dia.

    Esta situação nos fez lembrar a última semana da eleição de 1989, quando os adversários eram Lula e Collor e a Globo jogou todo o seu poder mediático para conseguir barrar Lula. Nos fez lembrar também o escândalo da Proconsult, quando esta empresa de contagem de votos fez fraude para impedir a eleição de Brizola ao governo do estado do Rio (1982). Era também a Globo que divulgava os dados da Proconsult. Felizmente, além da contagem oficial, havia uma contagem paralela, feita pela Rádio Jornal do Brasil, pela qual se pôde ver a enorme discrepância e Brizola pôde denunciar a falcatrua. Sobre este caso, ver a reportagem do Observatório da Imprensa de 06/07/2004: http://observatoriodaimprensa.com.br/memoria/a-globo-e-a-proconsult .

    Estejamos atentos!

     

    * “Uma mentira repetida mil vezes se torna verdade” (Joseph Goebbels, Ministro de Propaganda de Hitler, 1933-1945).

  • DOSSIÊ ELEIÇÕES 2018

    Reunimos aqui várias notas públicas que foram lançadas nos últimos tempos por entidades religiosas e civis sobre as eleições. De uma forma ou de outra, elas chamam a atenção para o nosso objetivo de longo prazo que é construir uma Civilização do Amor. Denunciam as perdas de direitos ocorridos nos últimos dois anos: a PEC do Teto dos Gastos, a Reforma Trabalhista, a Reforma do Ensino Médio, as tentativas de aprovar uma Reforma da Previdência. Conclamam as pessoas de fé e de boa vontade a eleger candidatos comprometidos a restabelecer a prioridade dos direitos sociais – saúde, educação, moradia, transporte, assistência – e a rejeitar o apelo à violência.

    DOSSIÊ ELEIÇÕES 2018 em PDF

    Sumário

    • Pastoral da Juventude
    • Religiosas do Brasil
    • Franciscanos
    • Diocese de Lorena – Sobre as eleições deste ano de 2018
    • Arquidiocese de Montes Claros
    • Diocese de Ruy Barbosa
    • Eleições 2018: pastorais católicas, em nota, defendem agenda cidadã e “do bem comum”
    • Carta Pastoral de evangélicos à Nação Brasileira
    • Carta Pastoral sobre as eleições 2018 da Igreja de Confissão Luterana e Igreja Católica de Colatina e São Mateus, ES.
    • Mensagem dos Bispos do Regional Leste 2 da CNBB sobre as Eleições de 2018
    • Mensagem da CNBB sobre as eleições 2018
    • As eleições e o povo chamado metodista
    • Auditoria Cidadã da Dívida
    • Carta aberta: A Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados e as eleições 2018
    • Carta aberta da Articulação Nacional de Agroecologia à sociedade brasileira sobre as eleições 2018 .
  • Agrofloresta é mais – documentário sobre agroecologia

    Foi lançado no dia 13 de setembro, em Curitiba (Paraná), o documentário Agrofloresta é mais, uma co-produção da VideoSaúde Distribuidora (Icict/Fiocruz), que também o distribui, das Universidades Federais do Rio de Janeiro e do Paraná, do Ministério Público do Trabalho do Paraná e da Associação Paranaense das Vítimas Expostas ao Amianto e aos Agrotóxicos (APREAA). O filme é dirigido por Beto Novaes, professor e pesquisador do Projeto Educação através das Imagens, da UFRJ.

    A produção mostra como uma área degradada pela produção extensiva de búfalos – a Fazenda São Miguel, em Antonina (PR) – na região da Mata Atlântica paranaense, foi transformada por meio de iniciativas de recuperação do meio ambiente pela produção agroflorestal, com produção de alimentos e preservação da biodiversidade.

    Os protagonistas dessa transformação foram as 24 famílias de agricultores do Acampamento José Lutzenberger – Movimento dos Sem Terra (MST), numa área conquistada em 2004 – a Fazenda São Miguel, na cidade de Antonina, a quatro quilômetros do Pico Paraná, o ponto mais alto do estado.  Em outubro de 2017, o Acampamento recebeu o Prêmio de Conservação e Ampliação da Agrobiodiversidade, pelo Instituto Sociambiental (ISA) justamente por essa iniciativa.

    Apesar das ameaças e das dificuldades, a decisão do grupo de agricultores pela agroecologia veio a partir do momento em que se deram conta de que precisavam “sobreviver e produzir”, numa Área de Proteção Ambiental – APA, e que requeria cuidados e um novo aprendizado em como lidar com a terra.  Além disso, “Agrofloresta é mais” mostra, também, o orgulho dos trabalhadores pelo aprendizado que tiveram e pelo que estão desenvolvendo – uma agricultura saudável, que leva em consideração a saúde e o meio ambiente, afinal “a gente é o que a gente come”, como afirmou de forma simples e direta, a agricultora Valdineia Claudino, que trocou a cidade grande pelo campo.

    Sinopse

    No dicionário, agroecologia significa agricultura sustentável que agrega conhecimento científico e conhecimento tradicional. Sem fertilizantes industriais e agrotóxicos. Já a agrofloresta é classificada como cultura agrícola com emprego de espécies para restaurar florestas e áreas degradadas.

    No acampamento José Lutzenberger, Mata Atlântica, Estado do Paraná, os termos do dicionário ganham vida por meio de histórias pessoais e de famílias inteiras. E também por evidências de que um outro modelo de produção de alimentos e preservação da biodiversidade é possível. Célia cultiva hortaliças, diz que seu psicólogo é a mata e relembra os dias num bairro marcado pelas drogas. Valdineia conta como ela e os filhos nunca mais tomaram remédios. Luzinete recorda as lutas contra jagunços e fazendeiros. Hoelington fez curso técnico e compartilha o que aprendeu com a comunidade. Jonas, memória viva da comunidade, fala da satisfação de recuperar um olho d´água e a mata ciliar de um rio.

  • Fé Cidadã e Eleições

    Cristãos e cristãs precisam desenvolver uma fé cidadã, que a partir do Evangelho, vá além do mundo privado e assuma uma presença pública, como sal da terra e luz do mundo.

    (Foto: Nadia Munhoz/RRJ)

    No último sábado, 15 de setembro, participei do IV Encontro do Movimento Fé e Política do ABC Paulista como palestrante. O MF&P é um movimento que reúne pessoas cristãs, desde 1989, engajadas em causas sociais “com o objetivo de alimentar a dimensão ética e espiritual que deve animar a atividade política”.            O movimento “não propõe diretrizes para ação política dos cristãos, nem se comporta como se fosse uma tendência político-partidária”, definindo-se como “um serviço de formação e estímulo a grupos de reflexão”.

    Há os Encontros Nacionais de Fé e Política e encontros regionais, como o do ABC Paulista, de sábado passado, com o tema “As eleições a partir da nossa fé”, sobre o qual fui convidada a expor a reflexão que aqui compartilho.

    Este processo eleitoral se configura com grande importância desde 1989. Se esse ocorria ao fim da ditadura militar, o de 2018 acontece dois anos depois de um forte golpe na democracia brasileira. O processo democrático foi abalado pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff, reeleita nas urnas em 2014, resultante de uma articulação de setores do parlamento, do poder judiciário e das grandes mídias.

    Com isso foi incrementada um judicialização da política (iniciada já em 2004, com o chamado “processo do mensalão” e catapultada pelos desdobramentos da Operação Lava Jato, iniciada em 2014) e uma reativação do poder político dos militares.

    Isto promoveu um revigoramento do conservadorismo político com agudas expressões reacionárias: uma reação de grupos de poder econômico, sociocultural e religioso às transformações socioculturais e econômicas que o Brasil experimentou a partir dos anos 2000. Nelas destacam-se a abertura e a potencialização de políticas públicas voltadas para o acesso maior a bens e serviços e ao ensino superior da parte da população historicamente empobrecida, e a direitos de gênero e à autonomia dos corpos.

    Uma intensa polarização esquerda x direita se estabelece neste quadro, sendo destacado o lugar das mídias digitais e das novas formas de ativismo que elas proporcionam. Isto tem efeitos positivos, como a geração de interesse por participação nos processos políticos, mas também negativos, com o acirramento das intolerâncias e a exposição pública do ódio.

    Identifica-se uma forte aversão ao sistema político, acompanhada de ira contra partidos e políticos, em especial contra os adversários daqueles que são apresentados como “puros”, pretensamente não contaminados pelo sistema condenado. O farto uso de mentiras por meio de textos, montagens de fotos e de vídeos, e a invasão (hackeamento) de páginas nas redes, somados à incitação ao ódio presente no discurso de candidatos, têm revelado marcas de um processo eleitoral violento.

    Este clima facilita o crescimento do ultraconservadorismo, da extrema direita. Este setor alcança grande número de eleitores ao trazer propostas simplistas mas que tocam em demandas agudas da sociedade alicerçadas no medo: o combate à criminalidade e o poder sobre o corpo e a sexualidade.

    Com isso, a discussão das políticas públicas fundamentais (saúde, educação, emprego e trabalho, segurança, entre tantas) fica abandonada em nome de uma guerra moral (questões de gênero e de orientação sexual, muito especialmente, mas também a eliminação de criminosos) entre conservadores e progressistas, direita e esquerda.

    A falta de atenção às eleições para o Congresso Nacional é marcante neste cenário. A previsão de renovação é pequena e o crescimento conservador deve acirrar a tensão, na próxima legislatura, sobre temas como a redução da maioridade penal, a revisão do estatuto do desarmamento e a imposição de barreiras a discussões envolvendo os direitos de gênero.

    Como, então, participar do processo eleitoral, levando em conta este cenário, com base na fé cristã? No Encontro Fé & Política vimos a importância de cristãos e cristãs terem a liberdade de escolha de voto e basearem-na nos valores do Evangelho de Jesus, dos quais são discípulos e discípulas: amor, misericórdia, justiça, humildade, cuidado, partilha, mansidão, tolerância, inclusão. Eles devem orientar todas as dimensões da vida de alguém que afirme a fé cristã e devem ter, como parâmetro, na solidariedade ativa com as minorias (“famintos”, “sedentos”, “sem roupa”, “imigrantes”, “doentes”, “presos”) é fazer para o Mestre (Mateus 25).

    Por isso, para cristãos e cristãs é imprescindível o desenvolvimento de uma fé cidadã, ou seja, a fé para além do privado, que se reveste de uma presença pública, como sal da terra e luz do mundo (Mateus 5), com as escolhas e as ações políticas tendo como bases estes valores do Evangelho.

    Isto significa participar das eleições em coerência com a fé abraçada e ter responsabilidade com o voto:

    • Relacionar candidatos (nomes) com partidos e programas/propostas para o país (não com promessas vãs ou voltadas ao próprio grupo) e que revelem compromisso amoroso com as minorias (Mateus 25);
    • Estudar históricos e projeções futuras/consequências da eleição (“pelos frutos os conhecereis” Mateus 7);
    • Avaliar campanhas e estratégias: alianças, apoios, discursos (palavras expostas, imagem construída) a partir de critérios de justiça e de paz;
    • Rechaçar o voto de cabresto (compra de votos com favores) ou de cajado (imposto por líderes religiosos) e o voto útil (determinado por números de pesquisas ou por chantagens de candidatos);
    • Desenvolver olhar crítico sobre o noticiário e o que é divulgado nas redes, checa informações e busca diferentes fontes em compromisso com a verdade e com a ética (“Conhecereis a verdade e ela vos libertará”, João 8).

    Magali do Nascimento Cunha – Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Autora do livro A Explosão Gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico.

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