Processos de transformação na Amazônia a partir de práticas agroecológicas
Grupo Bem-Viver, Cacoal/RO, Brasil – publicado em cptrondonia.blogspot.com/ em – 5 de novembro de 2019
As práticas ecológicas constituem a cultura e o modo de vida de muitas comunidades tradicionais, e estiveram na base da resistência de alguns povos migrantes, que adotaram o cuidado com a terra.
Senhor Jesus Ferreira Martins, chegou em Rondônia na década de 70, se estabeleceu no setor prosperidade. Para as famílias a conquista da terra não foi simples, muitos passaram pelo sistema de meia, trabalhando em terras de terceiros pela metade da produção, até conquistarem seu pedaço de chão.
A sustentabilidade não foi um processo fácil, mesmo na terra, muitos vendiam sua mão de obra para as fazendas vizinhas. Quando a Família de Dona Maria de Fatima de Oliveira e Sr. Antônio Custódio de Oliveira, chegam na região, conhecer os vizinhos foi a primeira preocupação.
Daí as iniciativas de produção, os mutirões e o nascedouro do Grupo de Famílias Agroecológicas Bem Viver.
A família que ali chegava vinha carregada de experiências de organização a partir do Movimento de Pequenos Agricultores e Movimento dos Trabalhadores rurais sem-terra, que juntos vivenciaram a experiência de práticas agroecológicas do Projeto Terra Sem Males desenvolvido pela CPT nos anos 2000.
A fala de Odinira Pires reflete a opção política pela construção coletiva “Se eles (Fátima e Antônio) quisessem nós seriámos empregados deles até hoje, recebendo salário mínimo e estaríamos felizes, porém hoje somos produtores agroecológicos[1]”.
O grupo cresceu, criou redes, estabeleceu espaços junto ao município, participando ativamente de Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Associações rurais, Cooperativa, Escola, Comunidades eclesiais de base, e mesmo na CPT. Nesse período, jovens do grupo acessaram a universidade e hoje são Educadores do Campo. A condição de vida mudou e a natureza foi sendo recuperada “árvores e pessoas cresceram[2]”.
Encontraram o caminho das feiras, e toda a quinta-feira trazem seus produtos para a Feira do Produtor Rural de Cacoal, no início voltavam com os produtos para casa, hoje tem a confiança dos consumidores pela certeza da qualidade dos produtos e de serem livres de agrotóxicos. A feira e a entrega para a merenda escolar são bases da subsistência hoje.
Olhar para a história e para o que o grupo é hoje “uma verdadeira escola[3]” é refletir sobre o trabalho de muitas mãos, de redes de parceiros estabelecidos pela comunidade, e do serviço pastoral da CPT na construção da agroecologia como alternativa de vivência e convivência com o Bioma.
O cuidado com a terra permitiu ao grupo um ambiente equilibrado, sem que tenham necessidade de utilização de insumos químicos, e mesmo naturais para o controle de pragas e doenças.
As famílias são guardiãs de sementes crioulas, e conscientes do processo de transformação desse bem em commodites patenteadas, conservar e partilhar esse bem faz parte da prática, num levantamento rápido são em média, 48 espécies guardadas por família, cultivadas hoje. A experiência se multiplica e atraí outras famílias, já são 15 na região da zona da mata que motivadas por eles iniciam seus processos de transformação.
[1] Odinira, agricultora agroecológica do Grupo Bem Viver. [2] Liliana W. A. Dos Santos – CPT/RO. [3] Sandra Lobo, assessoria do CAIS.
Entre os dias 17 e 20 de outubro de 2019 foi realizado na cidade de Duque de Caxias – RJ o seminário Desafios da Articulação das CEBs no Brasil. Esta atividade, promovida pelo Iser Assessoria, está em continuidade com uma série de encontros realizados desde 2011, em parceria com o Setor CEBs da CNBB, com o objetivo de contribuir para o fortalecimento de uma rede nacional de pessoas que dão apoio à caminhada das Comunidades Eclesiais de Base no Brasil.
Estes encontros e a nossa observação em diversas atividades relacionadas às CEBs em diversas localidades têm evidenciado a crescente dificuldade na articulação das CEBs em nosso país, não obstante o empenho e compromisso de suas lideranças e assessores/as. Trata-se de um desafio urgente. Por esta razão, o Iser Assessoria idealizou este seminário, para compreender as causas desta fragilidade e buscar coletivamente caminhos para superá-la.
As 41 pessoas que participaram deste seminário foram convidadas pela equipe de Iser Assessoria. Tivemos o cuidado em garantir a diversidade regional, além da presença de mulheres e de homens, de leigos/as, religiosos/as e de clérigos. Estiveram presentes pessoas de todas as grandes regiões do país e de 15 dos 18 regionais da CNBB. Pessoas que conhecem bem as CEBs, que acreditam neste jeito de ser igreja a serviço do Reino de Deus, no compromisso com os pobres e com nossa casa comum. Gente com a responsabilidade de acompanhar as CEBs em seus processos de formação, e também de ajudar as CEBs a se organizar em rede para o desenvolvimento de sua missão na Igreja e na Sociedade.
A proposta metodológica adotada foi trabalhar a maior parte do tempo em oficinas, estabelecendo um processo de produção coletiva do conhecimento, baseado no intercâmbio de experiências e troca de saberes. Algumas seções foram realizadas com breves provocações iniciais de membros do grupo, seguidas de reflexão em grupo. Depois de compartilhadas as conclusões do grupo, outros/as participantes previamente designados/as faziam alguns destaques e aprofundavam a reflexão. A isso se seguia uma rodada de debates em plenária. Outras seções começaram diretamente pelo trabalho em grupos, seguindo-se o mesmo procedimento.
Elemento essencial da identidade das CEBs são as ações voltadas para a transformação da sociedade e em favor da justiça social. Por isso, durante o seminário foi feita a sensibilização para o levantamento de práticas alternativas indicativas de outro paradigma de desenvolvimento socioeconômico, realizadas ou apoiadas por membros das CEBs por todo o país. Os/As participantes foram convidados/as a descrever brevemente a iniciativa e deram contatos de pessoas que poderão dar mais detalhes sobre a iniciativa.
O seminário foi organizado em 4 blocos: (a) análise da conjuntura sociopolítico e eclesial; (b) diagnóstico sobre a situação das CEBs no Brasil; (c) levantamento dos desafios da articulação das CEBs; (d) indicativo de proposições para fortalecer sua articulação e reflexão sobre as perspectivas para as CEBs no atual contexto. Foi feito um esforço de sistematização da reflexão efetuada. O relatório do seminário está em elaboração e será compartilhado com os organismos representativos, grupos de assessoria, lideranças das CEBs e agentes de pastoral.
Os quatro dias do seminário aconteceram durante as três semanas em que foi realizado no Vaticano o Sínodo da Amazônia, que refletiu sobre Novos para a Igreja e para uma Ecologia Integral, com uma significativa delegação brasileira. Esta feliz coincidência proporcionou uma sintonia entre as reflexões, na busca de novos caminhos para as CEBs, iluminada por todo o processo sinodal. Sintonia expressa no relatório final do Sínodo, que afirma que as CEbs têm sido e são um dom de Deus para as Igrejas locais da Amazônia e, ousamos completar, para todo o Brasil.
No Espírito do Sínodo para Amazônia, padre Arlindo e a comunidade local se mobilizaram. Igreja em Saída, que pede o papa Francisco, é isso. Criar o espírito de comunidade que cuida das pessoas, da terra, das águas e forma comunhão.
Enquanto o governo biroliro, inerte e abobado, busca culpar a Venezuela ou o Greenpeace pelo imenso desastre ambiental causado por óleo no litoral do Nordeste, a população age.
Enquanto o Ministério Público Federal toma medidas burocráticas como entrar com uma ação contra a União por omissão e nenhuma autoridade se dispõe a sujar as barras das calças, o povo limpa as praias em mutirões voluntários.
Só na Bahia já foram retiradas mais de 155 toneladas de óleo das areias.
Em Pernambuco, o padre Arlindo Laurindo de Matos Júnior, da paróquia de São Pedro, tem sido um dos mais atuantes ao convocar populares e transmitir entusiasmo para o sucesso da empreitada.
Ele conversou com o DCM.
DCM: Como está a situação em Tamandaré? Qual foi a extensão do estrago?
Padre Arlindo: Tamandaré tem 16 km de praias. Na praia dos Carneiros e na Boca da Barra é que o óleo chegou em maior quantidade. O centro de Tamandaré, até agora, está limpo.
Tecnicamente não sei qual o impacto teve. Só sei que conseguimos evitar que chegasse no rio Ariquindá, mas no outro rio sujou um pouco.
Qual foi sua reação ao ver a poluição?
Chegou muito rápido. Quando começamos a nos comunicar pelos grupos de whatsapp sobre as notícias, no outro dia de manhã a praia já tinha sido atingida.
Calcei uma luva e comecei a limpar. O óleo misturado com areia tem uma consistência que facilita manusear. Daí pescadores e outras pessoas da comunidade foram se juntando.
Quando vimos a extensão daquilo parecia ser uma tarefa impossível. Mas conforme a comunidade foi chegando e trabalhando, em um dia já deu para ver que progredíamos.
Que avaliação o senhor faz da atuação das autoridades? Recebeu ajuda?
Depois de dois dias chegou a Marinha. Vi três marinheiros olhando, filmando. Perguntei se iriam ajudar, disseram que não estavam com equipamento de proteção correto, que teriam que esperar.
Então a sensação é de abandono por parte do governo federal.
Há ONGs presentes?
Não. A única coisa que teve foi uma afilhada minha da Universidade Rural que veio com 40 alunos da faculdade.
E para onde está sendo enviado o óleo recolhido?
Não sei dizer o que será feito com ele, nós acumulamos tudo num canto da praia em sacos plásticos.
O contato com o óleo traz perigo para a saúde…
Temos que colocar a mão na massa, não tem outro jeito. Talvez seja perigoso, mas estamos tomando o maior cuidado que podemos porque se não fizermos, ninguém vai fazer por nós.
Se não tem luva, a gente pega com saco plástico. Ficar esperando não dá.
Estou muito feliz com a ação da comunidade, mas muito triste com o que aconteceu e com a falta de informação. As pessoas estão preocupadas se vai chegar mais manchas de óleo. Há um sentimento de angústia, pessimismo e tristeza e isso é tão tóxico quanto o óleo.
O turismo já sente prejuízos?
Não sabemos ainda o impacto. O pessoal da hotelaria está muito preocupado, principalmente pela falta de informações sobre os riscos.
Qual o sentimento frente a esse descaso?
Se a comunidade não tivesse se mobilizado teria sido muito pior. O povo nordestino está demonstrando para o país o quanto pode fazer. Estamos tirando a sujeira no braço.
Queria ver as autoridades monitorando e coletando material para analisar, mas até agora nada. Só vimos promessas e nada acontecer.
Serviu para mostrar a solidariedade e força da comunidade. Então aqui está tudo bem, estou com fome e ainda vou celebrar mais missa hoje. E se sujar, a gente limpa de novo.
Na realidade a “Escola de Chicago” é uma ideologia e não uma teoria econômica, sua aceitação depende de fé. Tem a pretensão de ciência, sem ser. Artigo de André Motta Araújo, para o GGN.
Ascensão e queda da Escola de Chicago
Por André Motta Araújo
“Eles são as trevas do pensamento econômico”, Paul Krugman.
“Chicago economics” ou Escola de Economia da Universidade de Chicago é uma linha de pensamento econômico que acredita que os mercados são resultado da “competição perfeita” e, portanto, é o “mercado” deixado operar livremente o melhor modelo de gestão da economia em qualquer lugar. Acreditam também no rígido controle da moeda, quanto menos moeda em circulação melhor será para o funcionamento da economia. Mercados livres e moeda escassa são os mandamentos da Escola de Chicago, o resto se encaixa como consequência.
A História econômica se encarregou de derrubar essa ficção que é obra de fé, mas os adoradores desse modelo insistem em considerá-lo sagrado, não importa em que lugar, país, região, sob que condições ou estágio, como se o modelo fosse algo cientifico, da física.
Na realidade a “Escola de Chicago” é uma ideologia e não uma teoria econômica, sua aceitação depende de fé tal qual o marxismo, ambos apresentam a mesma pretensão de ciência, sem ser.
O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, da Universidade de Princeton, é um dos maiores críticos atuais do “Chicago economics”, a quem denominou de “Era das Trevas” do pensamento econômico.
Nos próprios Estados Unidos a Escola de Chicago nunca foi uma unanimidade, as escolas de economia da Costa Leste como Harvard, MIT, Columbia, Yale, Princeton tem visão e angulações bem diferenciadas de Chicago, sem falar na New School de Nova York, que é a antítese de Chicago. Hoje, o Institute of New Economic Thinking de Nova York, onde estão Paul Krugman e Joseph Stiglitz, contestam frontalmente toda a filosofia de Chicago.
Os “new keyneisians”, corrente moderna de seguidores da visão de Lord Keynes, em economia, abominam os pressupostos da Escola de Chicago. Na Universidade da Califórnia em Berkeley, Brad DeLong, diz que a escola de Chicago chegou a um colapso intelectual, significando que parou no tempo e nada mais tem a contribuir no pensamento econômico.
O que restou de crença na Escola de Chicago desabou por completo na crise financeira de 2008, quando o capitalismo americano do “mercado perfeito” ruiu e implodiu, sendo salvo nada mais, nada menos pelo execrado ESTADO. O Tesouro dos EUA despejou US$ 708 bilhões em dinheiro público para salvar o coração desse capitalismo, tanto financeiro, quanto industrial. Salvou o CITIGROUP, a seguradora AIG, maior do mundo, e a GENERAL MOTORS, maior empresa industrial dos EUA e mais outra 200 empresas e bancos.
Foi a segunda vez que o ESTADO salvou a economia americana. A primeira foi em 1933 quando a Reconstruction Finance Corporation, estatal criada por Roosevelt, emprestou dinheiro para resgatar 8.000 bancos e empresas na esteira da Grande Depressão, quando o “crash” da Bolsa de Nova York quase liquidou para sempre a economia americana e mundial.
Em 1929 e 2008 o ESTADO mostrou que é infinitamente maior como instrumento da economia do que o “mercado perfeito”, mas nem isso mudou as mentes dos fanáticos de Chicago.
Financiado desde seu início pelo magnata do petróleo John Rockefeller, em torno de 1890, a escola de economia da Universidade de Chicago tem longa história baseada em dois eixos: a competição perfeita que vem dos mercados livres do Estado e o rígido controle do fluxo de moeda, teoria que teve duas fases. A primeira, de Irving Fisher, desaparecida com a crise de 29, quando Fisher, um economista de reputação nacional disse em entrevista que a “economia americana nunca esteve tão sólida”, isso duas semanas antes da implosão da Bolsa em 24 de outubro de 1929. Com essa profecia furada foi-se embora também o monetarismo de Fisher que renasceu nos anos 60 com Milton Friedman, nova onda nascida nos cofres do CITIBANK, que financiou as palestras e a revista de Friedman, história que descrevo com detalhes em vários capítulos de meu livro de 2005, MOEDA E PROSPERIDADE, edição Top Books, 900 paginas, hoje esgotado, é um romance, como se constrói uma teoria econômica de interesses.
No livro de Lanny Eberstein, uma monografia sobre a Escola de Chicago, de 2015, ele destaca um fenômeno muito perceptível, a “apropriação” que economistas medíocres formados em Chicago fazem de seu credo que NÃO é exatamente o neoliberalismo político que se prega em alguns países. Friedman, por exemplo, inventou o conceito de “bolsa família”, ele achava que os muito pobres tinham sim que ser amparados pelo Estado, algo que os seguidores preferem esquecer. No livro, Eberstein fala das preocupações sociais de Friedman e Hayek, esquecidas pelos seus seguidores, que selecionam na teoria o que lhes interessa.
O fato é que a “escola de Chicago” criou uma visão de economia para o mundo anglo-americano, inaplicável para países de estrutura econômica onde o Estado historicamente tem um papel muito maior do que na Inglaterra e Estados Unidos. Países de raiz mercantilista, como França e Alemanha e mais ainda países com outras culturas econômicas como Rússia, Índia e China. A loucura é pretender, como alguns sectários, aplicar o “Chicagonomics” em países de outra tradição, sociedade e formação, como o Brasil, onde desde o nascimento do País, o Estado tem um papel central na economia, que nunca teve na Inglaterra ou nos EUA.
Mas mesmo no seu berço de origem, o modelo de Chicago já foi sepultado. No último enterro o coveiro foi o banco Lehman Brothers. O estranho é que, com todos esses resultados à vista de qualquer indivíduo de mediana inteligência, ainda há fanáticos da privatização e da moeda escassa, mesmo depois de tantos desmontes desse modelo fracassado. Como muito bem expõe o livro de Eberstein, o “quantitative easing” acabou com o monetarismo na Europa e nos EUA, ele sobrevive apenas no Banco Central do Brasil, tão atual como Templo Positivista de São Lourenço, em Minas Gerais, onde a filosofia Positivista desaparecida da França há cem anos ainda é cultivada com carinho. Os saudosos do monetarismo de Friedman são convidados a visitar o museu do Banco Central em Brasília, onde se lembrarão do mestre e reverenciarão o único lugar do mundo onde se pratica o culto à moeda escassa como religião.
Os visitantes aproveitarão a viagem para conhecer o país do mundo onde se pratica o “monetarismo” religioso de Friedman, sob a regência do Banco Central. É isso que garante aos bancos brasileiros o maior lucro do planeta sobre ativos, graças exatamente à escassez de moeda que, ao mesmo tempo, garante os lucros extraordinários do sistema financeiro e proporciona uma recessão que dura quatro anos e uma monumental taxa de desocupação de um terço da população economicamente ativa, maior índice desde a Grande Depressão de 1929 na Europa e os EUA. No Brasil, a Grande Depressão mundial provocou muito menos desemprego do que a recessão de 2014, sob a regência de Joaquim Levy.
Desocupação, desemprego e recessão não preocupam minimamente os seguidores de Chicago nos Estados Unidos e muito menos no Brasil. Esses fenômenos nem fazem parte de seus manuais. Milton Friedman teria mais sensibilidade do que seus alunos, era um monetarista com algumas preocupações sociais, de visão mais ampla que seus seguidores e com a capacidade da verdadeira inteligência, a de reconhecer erros e voltar atrás, fez isso no fim da vida em conversas com Alan Greenspan, seu amigo mas adversário intelectual.
Como é comum em tantas filosofias, ideologias, religiões, crenças e teorias, os seguidores fora de seu berço são mais fanáticos e radicais, enquanto no ninho original a crença morre ou se recicla, na sua projeção para fora a seita se estratifica, se mumifica no túmulo do fracasso.
Hoje nos EUA, até na própria Universidade de Chicago, os preceitos do “Chicagonomics” têm menor fidelidade. O legado de Friedman foi desmoralizado pela crise de 2008 e se mudou para a Universidade Carnegie Mellon de Pittsburgh, onde seu herdeiro intelectual Alan Meltzler, falecido no ano passado, lecionava. Agora o Brasil pode ser a nova rampa de re-relançamento do “Chicagonomics” embalsamado, o único dos grandes países emergentes outrora conhecidos como BRICS onde essa seita pode caminhar fora do merecido túmulo, enquanto Rússia, Índia e China crescem longe de teorias anglo-americanas e praticando o dia a dia da politica econômica de circunstância, sem metas de inflação, privatizações, preocupação com dívida em moeda nacional e com bancos centrais a serviço do crescimento e não da estagnação. O Brasil sai dos BRICS e vira área de serviço de Washington, é a História.
Depois de ter privatizado tudo, e extinto o direito a ter direitos, o Chile enfrenta uma rebelião popular. A gota d’água foi um aumento da passagem. Não obstante, em editorial de 22.10.2019 o Globo afirma, no título, que na origem da revolta está “a ineficiência estatal”.
Publicamos artigo de Flávio Aguiar – Rede Brasil Atual – 23/10/2019
Neoliberalismo é religião. E da pior espécie, a messiânica
O neoliberalismo faz água e pega fogo (milagre!) no mundo inteiro, mas nada disto demove seus sacerdotes em seus mantras e mandingas que só produzem desgraças.
Em matéria de movimentos religiosos há dois movimentos tectônicos, isto é, profundos, que de vez em quando afloram: o profético e o messiânico.
O movimento profético, em geral, é mais progressista: olha para o futuro. Os profetas bíblicos não praticavam as artes da adivinhação. Mais corretamente, praticavam a advertência e a previsão. Pode-se resumir muito de seus escritos (a eles atribuídos) a uma fórmula mais ou menos assim: “olhem para o mal que estão fazendo; e se assim continuarem, vejam no que vai dar”. São reformadores sociais, Isaías à frente, que condena aquele que não ouve o pranto e a queixa do órfão ou da viúva, símbolos do abandono.
Já o movimento messiânico olha para o futuro mirando um espelho retrovisor. Quer reinstalar um paraíso perdido e, ao não conseguir seu intento, atribui a falha à falta de fé suficiente por parte dos praticantes, vendo no fracasso o sinal de que novas tentativas são necessárias para trazer de volta o reino de Deus. Os poderes da restauração se concentram num enviado que, de fracasso em fracasso, vai se reencarnando em novas versões que protagonizam estas novas tentativas.
O neoliberalismo e seus crentes agem desta segunda forma. Só que neste mundo laico da política moderna, a tradicional figura do messias é substituída ou pelo menos acompanhada pelos sacerdotes – economistas – que repetem à exaustão as fórmulas fracassadas. E fazem seus crentes carentes acreditarem que estão no rumo certo, graças à fé que têm em suas fórmulas cabalísticas.
O neoliberalismo faz água e pega fogo (milagre!) no mundo inteiro. Afogou e incendiou o Chile, o Equador, o Haiti, está incendiando o Líbano, devastou grande parte da África, mergulhou o México e a Argentina em crise após crise e vai imbecilizando os Estados Unidos do Alaska ao Rio Grande (Bravo, para os mexicanos), além de ter fraturado a Europa, levado o Reino Unido ao impasse do Brexit e a este “buraco sem fundo” chamado Boris Johnson.
Mas nada disto demove os sacerdotes da fé neoliberal em seus mantras e suas mandingas que só produzem desgraças. Permanecem eles surdos – confirmando o anátema de Isaías – aos queixumes do povo que vão torturando com suas austeridades que não levam a lugar nenhum, somente ao arrocho das vidas dos cidadãos e cidadãs comuns, abrindo a ferro e fogo suas mentes para os algoritmos da enganação.
Há assim um traço profundo de união entre neoliberalismo e este neo-pentecostalismo que grassa no Brasil e nos Estados Unidos, além de alhures, estas religiões do sucesso barato e imediato das rezas repetidas à exaustão mental dos que nelas crêem. Ninguém reproduz melhor esta imagem do que a trindade que tomou conta do espaço federal brasileiro: Messias – Guedes – Moro, com sua corte de apóstolos que reúne desde o maçônico Mourão ao prestidigitador da destruição do meio ambiente, o ministro Salles, e a milagreira Damares, a menina da goiabeira ardente. E muitos e muitas outras.
Nunca um governo foi tão inepto, nunca um governo produziu tão pouco – ou tão nada – em matéria de medidas efetivas e eficazes para combater a crise que vivemos. Nem na República Velha, nem na Ditadura de 64, nem mesmo nas Capitanias Hereditárias.
Apontem-me algo de bom que este governo tenha produzido nestes dez meses de desastres e perversidade contínuas que eu fecharei este blogue para sempre.
Messianicamente o governo vive numa bolha passadista, requentando imagens da Guerra Fria para alimentar a fé de seus correligionários mais empedernidos; ou fica repetindo a reza da Reforma da Previdência, enquanto estende uma cortina de fumaça (o termo é adequado) sobre o que acontece no vizinho Chile e na vizinha Argentina.
Ao mesmo tempo, assopra as velas de réquiem, pensando que são brasas, da finada Operação Lava-Jato que, como um zumbi, vai continuar a nos aterrorizar com suas assombrações por muito tempo, mas já é letra-morta.
Atenção: como costuma acontecer com os movimentos messiânicos, eles só se consumam e se consomem pelo desastre catastrófico a que levam. Teremos, depois, de reerguer o país das cinzas. Literalmente.
Muito já foi dito e escrito sobre a oposição ao Papa Francisco e as tentativas de sabotagem de seu pontificado. Na Europa, nos Estados Unidos e mesmo aqui no Brasil temos variadas análises. O antagonismo ao pontífice e a seu magistério talvez ocorra em níveis inéditos na história contemporânea da Igreja.
O estilo, as opções e as críticas daquele que veio “fim do mundo” causaram grande impacto internacional desde que o cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito para a sé petrina. Simplicidade no vestir-se, contundente crítica ao clericalismo, coragem ao enfrentar os problemas da Igreja. O próprio nome adotado – Francisco – traduz um projeto eclesial, que dentre muitas novidades, se conecta direta com o magistério de João XXIII e com o Concílio Vaticano II.
O Bispo de Roma recolocou de forma positiva o catolicismo na cena pública por causa dos seus posicionamentos sobre o meio-ambiente, a questão da imigração e os efeitos perversos do capital em escala global. Isso não apagou os pecados católicos – sobretudo na questão dos abusos sexuais. Contudo, ressignificou a presença do catolicismo que, através da voz do sucessor de Pedro, voltou a ser considerado um interlocutor relevante.
Dessa forma, a postura corajosa de Francisco causou muito mais do que incômodos. Uma oposição agressiva e desonesta se formou, dentro e fora dos muros eclesiais. Aqueles atingidos pelas críticas de Bergoglio, que inicialmentefaziam uma oposição velada, partiram para o confronto explícito, atacando publicamente o Papa.
Na medida em que Francisco foi implementando a sua agenda de reformas para a Igreja, tais setores foram se tornando cada vez mais ostensivos. Ameaçados em seu status, presos a formalismos canônicos e muito preocupados com rigorismos litúrgicos, estes segmentos entendem a Igreja como um castelo com altas muralhas, isolado de tudo o que o cerca. No caso, as grandes questões humanas atuais.
Ao mesmo tempo, cinicamente fazem questão de ignorar as mazelas socioambientais causadas pelo grande capital. Candidamente ignoram de forma consciente os efeitos desastrosos do avanço ultraliberal nos dias atuais que desumaniza milhões pelo mundo afora. Ao contrário, se unem aos grandes donos do poder financeiro mundial no esforço de desestabilização do pontificado de Francisco.
Dessa forma, o que temos é o descompasso entre um Papa que está no século XXI atento às dores e sofrimentos do mundo atual; e frações católicas cada vez mais presas a um passado triunfalista e distante da pregação evangélica de Jesus de Nazaré sobre o Reino de Deus. É desse nicho eclesial que saem as hordas que compõem o fundamentalismo católico.
Trata-se de um contingente quese porta como se a Barca de Pedro ainda fosse conduzida por Ratzinger ou Wojtyla. Alguns extremistas mais exaltados misturam o uso ágil das redes sociais com uma mentalidade reacionária e desconectada da realidade. Nutrem uma visão de mundo equivalente a uma época anterior ao Concílio Vaticano II, situada quem sabe no século XIX ou talvezaté no período do Concílio de Trento.
Para eles, a necessidade de um aggiornamento proposta mais de 50 anos atrás por São João XXIII seria herética ou “coisa de comunista”. A Igreja, para estes, não é Povo Deus, mas sim uma entidade autorreferencial preocupada em manter seu prestígio social. Assim, vivem fechados em si mesmos e em seu mundanismo espiritual.
Por isso, lutam com a ferocidade de um cruzado medieval contra mudanças fundamentais e necessárias para a vida da Igreja. Agem contra o Papa em nome de um triunfalismo estéril imerso no extremismo que alimenta a doença do clericalismo. E se aproxima dos poderosos, ignorando os pequenos.
Isso explica porque o extremismo católico hoje se une carnalmente à extrema-direita em toda a parte. O magistério de Francisco representa um enorme perigo a essa gente, temerosa em perder seus privilégios. Dentro e fora da Igreja, aqueles que desejam manter seu status quo sabem que o Papa que veio do fim do mundo ameaça seus interesses.
Portanto, não medem esforços em desacreditar o Pontífice Romano diante da opinião pública internacional. E, desencadeando uma campanha odiosa para silenciar o único estadista de nossa época, pretendem bloquear a agenda de reformas do Papa. Pretendem inviabilizar este pontificado, e conforme muitos vaticanistas e religiosos vêm denunciando, desejam pautar a eleição do sucessor de Francisco
Aqui no Brasil, não é diferente. Basta acompanhar o estilo violento e inquisitorial que norteia a conduta desses fundamentalistas nas redes digitais e no submundo da blogosfera. Recentemente, alguns eventos retratam a escalada do extremismo desses grupos, seja na comunicação, na devoção ou na liturgia. Vejamos três cenas:
Cena 1:Numa grande diocese brasileira, em um bairro de periferia, um sacerdote católico (que usa barrete, batina e sotaina), durante a oração eucarística, na oração pela Igreja, pede pelo bispo titular, pelo clero, mas ao se referir ao Papa, menciona… Bento XVI!. Ao ser inquirido por um fiel, responda que não acolhe Francisco. Imaginem o escândalo que seria se um padre ligado a Teologia da Libertação fizesse isso com João Paulo II 25 anos atrás?
Cena 2: Uma senhora acompanha a reza do terço por uma emissora católica na televisão. Na jaculatória em que se pede proteção ao pontífice, o padre responsável pelo programa reza por… Bento! Francisco não foi citado, gerando revolta do filho da senhora em questão, que questiona por que não se reza pelo atual pontífice.
Cena 3: Na catedral da maior arquidiocese brasileira, um evento inter-religioso de oração pelo Sínodo da Amazônia é virulentamente atacado por um bando de extremista. Ignorando ser um ato civil, espalharam mentiras pelas redes e atacaram o próprio arcebispo que sempre dialogou com tais segmentos. Uma boa nota explicativa foi escrita denunciando as mentiras e reestabelecendo a verdade dos fatos.
A última cena carrega um elemento até então inédito. Os catolibãsestariam agora se voltando até para os seus protetores… Entretanto, esse gesto extremado produziu algo inusitado em tratando de quem foi atacado: uma não manifestação pública de oposição ao sínodo e ao Papa, muito pelo contrário. O que pode estar por trás disso?
Por outro lado, essa radicalização contrária ao Sínodo dos extremistas é preocupante. Como já foi escrito em outras oportunidades, trata-se de um último esperneio, um “bater o pezinho” qual criança mimada em relação a possibilidade real de mudanças na vida da Igreja. Mudanças que, esperamos todos os que estão “cum et sub Pedro”, sejam inexoráveis.
Essa radicalização também pode significar que os opositores mais Ratzingerianos ou Wojtylianos de Francisco estão começando a perder o controle sobre as hordas fundamentalistas. Ou estão secretamente apoiando isso tudo, colocando “bois de piranha” na linha de frente? De qualquer forma, ainda mantém um silêncio condescendente determinado prelados responsáveis por alguns clérigos que, tal como os fariseus, fazem questão de ostentar sua pseudodevoção em nome de uma pretensa defesa da fé.
Por muito menos, apenas por um apoio político pontual, outros sacerdotes foram chamados as falas para dar explicações em uma cúria diocesana. E religiosos foram transferidos sumariamente por suas posições proféticas. Ou seja, temos em certas realidades aquela ambiguidade que se revela na postura e usar de dois pesos e duas medidas.
Ao que parece, posições conservadoras (mas não extremistas) começa a se distanciar do fundamentalismo católico. Porém, isso não indica uma conversão de posicionamento em relação aos grandes temas da Igreja. Devemos estar atentos aos próximos movimentos.
Portanto, todo esse frenesi em torno do Sínodo para a Amazônia é revelador. Sua realização entrou na agenda local e na pauta internacional de debates. Aqueles comprometidos com o “Ancient Regime” Católico contra-conciliar estão exaltados e preocupados. Eles sabem que as mudanças propostas pelos padres sinodais poderão colocar a Igreja em outro patamar, rompendo de vez com o mofo tridentino que ainda insiste em sobreviver na s sacristias.
Por isso apelam para a necropolítica e promovem uma necrorreligião. Que tais movimentos extremistas sejam um último ato de desespero diante da aurora da primavera que se aproxima. A noite escura dá seus últimos suspiros. O raiar do dia se aproxima para o catolicismo e nós já escutamos seus sinais.
A serenidade de Francisco diante disso tudo impressiona. Ele segue seu rumo obstinadamente, como bom Jesuíta que é. Não teme seus detratores. O Papa do “fim do mundo” carrega em seu magistério a semente da novidade. A Igreja, sob sua liderança, conseguirá trilhar no florescer de inesperada primavera da mesma forma que João XXIII fez com o Concílio?
Dessa forma, fica cada vez mais evidente que este Sínodo para a Amazônia é o grande momento deste pontificado. Seremos testemunhas do maior acontecimento católico do começo deste século. Francisco sabe que este será o grande legado de seu ministério. Estamos na iminência de um momento crucial para os seguidores de Jesus de Nazaré, que definirá o futuro da Igreja.
A história estará se fazendo diante de nossos olhos nos próximos dias. Olhemos os sinais dos tempos.Sob a proteção do Irmão de Assis, rezemos pelo ministério do Irmão de Roma, o Papa Francisco. Que a Igreja seja sinal de esperança em mundo marcado pelo ódio e pela mentira.
*Jorge Alexandre Alves é Sociólogo e Professor do IFRJ. Possui mestrado em Educação pela UFRJ. Foi catequista do Crisma e da Pastoral da Juventude e hoje atua no Movimento Fé e Política.
Dom Evaristo Spengler, franciscano como dom Paulo Evaristo Arns, concedeu uma entrevista para a Revista Época, falando sobre o Sínodo, a partir dos referencias da dignidade da vida, da justiça social e da responsabilidade que cabe a todos na defesa da Casa Comum. A entrevista é uma boa conversa entre pessoas inteligentes, sobre os assuntos importantes da região amazônica que estarão em discussão no Sínodo. Vale conferir
Veja a matéria publicada POR RODRIGO CASTRO 03/10/19 – para Revista Época
‘Garimpo destrói floresta, polui água e causa doenças’, diz bispo confirmado em sínodo sobre a Amazônia
Dom Evaristo Spengler critica ‘desenvolvimento predatório’, em referência indireta à agenda ambiental do governo: ‘Temos de aprender com os povos indígenas’
POR RODRIGO CASTRO 03/10/19 – para Revista Época
Às vésperas do Sínodo para a Amazônia, o bispo dom Evaristo Spengler, da prelazia de Marajó, no Pará, afirmou que a Igreja não está preocupada com o governo. Para ele, ocorre o contrário: é o governo quem está apreensivo com o encontro que acontece no Vaticano, entre 6 e 27 de outubro, para debater formas de proteger o bioma e a evangelização. Spengler é um dos 58 bispos e padres brasileiros que estarão no evento, junto a outros 113 representantes da Região Pan-amazônica.
Leia a entrevista completa:
A comitiva brasileira chegou a um consenso do que vai passar ao papa?
O consenso até aqui foi o processo de escuta que aconteceu do início ao fim de 2018, nos nove países amazônicos. Foram ouvidas 82 mil pessoas pelas dioceses, pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam-Brasil). Esse processo desencadeou num instrumento de trabalho que agora está na base do início do sínodo. Ali está o consenso da escuta. A partir dali, o que vai desencadear a gente não pode prever neste momento.
Mas qual o posicionamento acerca da política ambiental do governo brasileiro?
O sínodo não trata da política ambiental de um governo. A Igreja se posiciona a partir de uma visão de fé. Uma visão que o mundo é criado por Deus, que colocou o ser humano aqui para preservar esse planeta, que o papa chama de Casa Comum e não pertence só a nossa geração. Temos de deixar um projeto de vida para as vidas futuras, não só vida humana, mas também da fauna e da flora. Conservar é um dever de fé, não é um posicionamento a favor ou contra esse ou aquele governo.
Em audiência pública, o senhor cobrou a suspensão de megaprojetos que agridem a Amazônia. Quais seriam?
O papa colocou muito claro quando veio a Porto Maldonado, no Peru, que a Amazônia, hoje, é um território de disputa. Existem dois modelos de desenvolvimento da Amazônia. Um é o predador. Há cinco áreas em que esse modelo atua: extração da madeira, pecuária extensiva, mineração, monocultura e a energia, que são as hidrelétricas. Esses megaprojetos afetam demais o bioma amazônico. Outra forma de desenvolvimento é o socioambiental. As populações que vivem na Amazônia — indígenas, quilombolas ou ribeirinhos — convivem com a natureza sem destruí-la. Não é que a Amazônia não seja economicamente viável. Ela é. Produz açaí, castanha-do-pará, cacau, muitos óleos. Um hectare de açaí está produzindo US$ 6.712 por ano, enquanto um de soja está produzindo US$ 819. A floresta de pé é muito rentável. E a gente pode usá-la preservando o meio ambiente sem derrubar a mata, sem destruir, sem queimadas. É essa nossa proposta.
O presidente, por exemplo, tem se mostrado em acordo com os garimpeiros…
É uma das formas que se coloca nesse desenvolvimento predatório. O garimpo é algo que está destruindo a floresta e poluindo a água. Quem bebe depois essa água poluída são as crianças, as pessoas que moram no entorno do rio. E as doenças estão aumentando lá também em função da poluição que vem da mineração. Um exemplo é o Amapá. Mineradoras exploraram o minério por muitos anos, deixaram grandes crateras e foram embora. Para onde foi essa riqueza? Para fora do Brasil. O povo de lá continuou como estava antes, com o lixo que eles deixaram, com as grandes crateras, com esse dano ambiental que ficou para trás.
Bolsonaro também disse que o interesse estrangeiro na Amazônia não é no índio nem na árvore, mas no minério. Faz sentido?
Falo pela Igreja, não pelos estrangeiros. Não me compete analisar, mas a Igreja busca a preservação do bioma, como um cuidado da criação que Deus nos deixou e também o cuidado dos povos nativos. O papa Francisco também tem dito que, se esse povo conseguiu conviver com a Amazônia tanto tempo preservando-a, temos que aprender com eles. Não é viver como os indígenas, mas viver nessa harmonia com o meio ambiente como eles conservaram até hoje. Pelas imagens de satélites, você vê que a floresta está muito mais preservada onde existe terra indígena demarcada. No mundo inteiro, populações indígenas preservam 82% do bioma que temos na Terra. Se eles dão esse exemplo, é ali o caminho. Quem produziu o problema das queimadas, a destruição da Amazônia, quem tem esse modelo não vai ter a solução. A gente tem que buscar uma alternativa. E os povos indígenas têm essa alternativa para nos ensinar.
O senhor mencionou que o governo vê a Igreja como inimiga da Pátria. A Igreja é a favor da internacionalização?
Igreja nunca foi a favor da internacionalização. A soberania compete a cada país. A Igreja está defendendo as populações locais para que possam preservar o meio ambiente. Quem está chamando estrangeiros para ocupar a base de Alcântara, para desenvolver a Amazônia não é a Igreja. Tem que perguntar a quem está fazendo isso se eles querem internacionalizar.
E como avalia essa aproximação do Brasil com os EUA?
Temos que preservar a soberania. Onde os EUA chegaram e implantaram uma base, não saíram mais. Há algum exemplo de algum lugar onde eles chegaram e saíram?
Mas para o presidente o sínodo que é uma “ameaça à soberania”…
O Sínodo não é um encontro de Estados, é um encontro interno da Igreja. Já é histórico. O papa tem nos bispos um colegiado para aprofundar, rezar, refletir e buscar caminhos para aspectos da evangelização, assim como houve para a juventude, para a família, para a África, Europa e tantos outros Sínodos. Hoje o papa está preocupado em evangelizar melhor, como a Igreja pode ter mais presença na Amazônia, onde tem poucos padres, missionários, religiosos. O povo fica sozinho nas comunidades do interior, muitas vezes, mais de um ano. O segundo enfoque é esse do meio ambiente, da Casa Comum. E o Sínodo tem que ser entendido como uma continuação, uma consequência da Encíclica do papa, de 2015, chamada Laudato Si.
A Igreja não está se posicionando a favor ou contra o governo, mas tem toda uma caminhada. A Igreja está presente na Amazônia há mais de quatro séculos. O papa vem falando do cuidado com os povos indígenas desde sempre. O papa Paulo III, na Bula Veritas Ipsa, já defendia os indígenas. O papa Pio X, no início desse século, também tinha essa preocupação. Os bispos da Amazônia vêm se reunindo desde 1952, antes mesmo de existir a CNBB. Essa preocupação da evangelização, da presença da Igreja na Amazônia não é uma coisa de agora. Tem toda uma história. E o sínodo é uma consequência dela.
Qual tem sido a percepção internacional sobre as ações do governo dentro da Igreja?
A Igreja não tem se preocupado com posições do governo, mas com o caminho que ela está tomando a partir das orientações do papa, da Encíclica. Não somos nós que estamos nos preocupando com o governo; é o governo que está se preocupando com o Sínodo.
Apesar de interno, o encontro terá repercussões externas. Quais podem ser?
O Sínodo quer ser uma luz em dois caminhos. Um seria o da evangelização. Como a Igreja ser mais presente, que esteja junto ao povo durante todo o ano… A maior talvez, para fora, seja essa rede que surge de cuidado da Amazônia. Isso deveria ser uma preocupação de todos os habitantes do planeta.
Parece que o mundo vinha crescendo nessa preocupação e, de repente, voltamos à estaca zero. As pessoas não veem mais o meio ambiente como algo sério a ser preservado. Já é sabido que a temperatura do mundo está subindo. Isso é comprovado cientificamente. Teme-se que nas próximas décadas a temperatura possa se alterar em mais três graus, e isso provocaria danos seríssimos, como o degelo das calotas polares, elevando o nível do mar. A Igreja tem essa responsabilidade com aquilo que é criação de Deus. Eu sou franciscano, essa é minha herança. São Francisco tinha a preocupação de cuidar do meio ambiente e ver em tudo a presença de Deus. É essa visão que vamos aprofundar mais no sínodo.
O senhor falou na audiência em proteger defensores de direitos humanos, que sofrem ameaças de morte constantes…
O Pará talvez seja hoje o estado onde mais se mata pessoas que lutam pelo direito à terra, à vida. Existe uma perseguição muito grande. De cada 10 mortes no campo no Brasil, nove acontecem na Amazônia. De 1995 até 2018, foram libertados 55 mil trabalhadores escravizados no Brasil. Metade estava na Amazônia. Quando os missionários se colocam tentando dar dignidade aos nativos da Amazônia, perseguições estão ocorrendo. Em vez dos missionários e lideranças leigas serem vistos como defensores da vida humana, estão sendo criminalizados. É uma inversão total de valores.
Já escutou relatos dessas ameaças?
Convivo com pessoas que sofrem ameaças. À minha volta, existem muitas pessoas que são ameaçadas de morte, sim.
Em sua fala, afirmou que os missionários chegam onde o Estado não chega. Como atuam?
Muitos lugares aqui de Marajó são exemplos bem concretos. Os municípios não têm condições de dar segurança às populações ribeirinhas. Se a Polícia Civil ou Militar é avisada de um crime que acontece no interior, para o deslocamento de uma lancha, ela cobra em torno de R$1.500. Se alguém foi roubado ou ferido, prefere não fazer denúncia porque sabe que ele gastaria mais dinheiro ainda. Muitas escolas do interior de Marajó não têm transporte. Posto de saúde, às vezes, não tem enfermeiro, não tem medicação, não tem médico. Os missionários tentam ajudar e sofrem com os locais, pois o Estado não está lá presente, não atende as necessidades do povo.
O senhor propôs políticas de financiamento público. Como imagina isso?
Para onde vão os financiamentos hoje? Para fazendeiros, para quem extrai madeira, vão para mineradoras, para quem está praticando a monocultura. Esses sempre são predadores e estão recebendo financiamento público. Já o pequeno agricultor, que coloca 70% da alimentação no prato do brasileiro, sofre com a escassez de financiamento. Queremos que haja financiamento público para esses projetos que possam deixar a floresta de pé. O cultivo da castanha, de peixe, do açaí. A floresta pode permanecer de pé, as pessoas vão ter uma fonte de renda, mas, sozinhas, sem uma política pública que as incentive e as auxilie, fica difícil. Sofremos um grande problema de deslocamento do produto. Poderíamos formar, talvez, cooperativas, associações que pudessem enfrentar junto esse drama de produzir, de transportar, vender. Hoje cada um está se virando sozinho sem nenhuma política pública para auxiliá-lo.
Em entrevista para a Rádio Brasil Atual, 25/09/2019, o bispo da Prelazia de Marajó, Dom Evaristo, repercute discurso de Bolsonaro na ONU, aonde defendeu exploração de terras preservadas.
Segue reportagem e o vídeo da entrevista.
Bolsonaro ataca índios porque tem compromisso com o sistema financeiro, defende bispo
São Paulo – O bispo da Prelazia de Marajó, no Pará, Dom Frei Evaristo Pascoal Spengler, repercutiu hoje (25), na Rádio Brasil Atual, os ataques do presidente, Jair Bolsonaro (PSL), aos povos indígenas. Em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU ontem (24), em Nova York, o presidente de extrema-direita defendeu a exploração econômica de áreas indígenas e criticou lideres reconhecidos, especialmente o cacique caiapó Raoni.
Bolsonaro disse que Raoni seria uma “peça de manobra”. O cacique é um forte nome para o Prêmio Nobel da Paz. “Bolsonaro tem um compromisso com o sistema financeiro internacional e não com os povos indígenas tradicionais da Amazônia. Não tem compromisso ambiental. Tudo que ele fala é para transmitir uma imagem de governo que ele não tem. Neste sentido, o governo é esquizofrênico. Ele afirma que quer preservar a Amazônia mas sua prática é de colocar as piores pessoas para cuidar dos ministérios, do Ibama”, resumiu dom Evaristo.
O bispo afirmou à rádio que a Amazônia está sob disputa. Ele defende que dois modelos estão em conflito. “Um, dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que usam a floresta em harmonia, usufruem do meio ambiente e a conservam. O outro é o predatório, que chega a partir do monocultivo, das madeireiras e mineradoras que destroem a Amazônia”. Bolsonaro apontou diretamente para esses setores. Disse, inclusive, que as grandes reservas indígenas Raposa Serra do Sol e Yanomami deveriam ser destinadas para a exploração.
“Bolsonaro tem um lado nessa disputa: o dos que vão destruindo a Amazônia”, completou o bispo.
Especialmente sobre Raoni, que esteve hoje na Câmara dos Deputados para prosseguir em sua defesa dos povos da floresta, Dom Evaristo afirmou que “ele tem uma prática histórica de defesa do meio ambiente. Ele sim tem uma história e uma legitimidade, uma defesa da floresta, como teve Chico Mendes. Pessoas que têm história e respeito internacional”. Bolsonaro vociferou que “acabou o monopólio do senhor Raoni”.
Roberto Malvezzi é agente de pastoral a serviços das Pastorais Sociais do Nordeste. Atualmente, integra Equipe CPP/CPT do São Francisco, e foi convidado para assessoDesprivatizar Deus e a Eucaristiarar o processo do Sínodo para a Amazônia.
Segue o artigo:
É cena comum um templo católico rodeado de carros aos domingos. Quem precisa tomar um transporte público, ou não tem condição de saúde, não estará naquela celebração dominical da Eucaristia. Eventualmente sim, frequentemente não.
Há alguns anos fui convidado pela articulação dos Pastores Batistas do Nordeste para conversarmos sobre a questão ecológica na Bíblia. Fiquei hospedado na casa de família do Pastor Wellington Santos, em Maceió. Ele tem ligação permanente com os Movimentos Sociais e as Pastorais Sociais da Igreja Católica, particularmente a CPT. Então ele me contou uma história bem ilustrativa.
Uma velha Senhora veio do interior de Alagoas e começou a frequentar a comunidade Batista em Maceió, da qual ele é pastor. Um dia ela precisou fazer uma mudança. A comunidade foi ajudá-la. Então, Wellington reparou que havia um quarto fechado e aquela Senhora não queria que ninguém entrasse no quarto. Cuidadosamente, ele pediu que ela abrisse o quarto, já que ela não teria como fazer a mudança sozinha. Meio constrangida, ela abriu a porta. O que havia ali era um oratório típico das casas do interior do Nordeste, com imagens de santos, um crucifixo, um rosário e outros adereços da piedade popular católica. Então ele disse a ela: “não se preocupe, vamos ajeitar tudo numa caixa e lá na nova casa a senhora arruma como quiser”.
Nunca esqueci essa história por dois motivos: primeiro, a sensibilidade do Pastor Wellington respeitando aquela Senhora. Segundo, como deve ser confuso o mundo de tanta gente que migra, troca de comunidade religiosa, tantas vezes porque essa é a comunidade mais próxima, aquela que está de portas abertas e é acessível a quem não tem recursos ou saúde para se deslocar a grandes distâncias.
Nesse mundo capitalista privatizaram as terras, as fábricas, a biodiversidade e até o sol e os ventos para geração de energia solar e eólica. Se tudo é propriedade privada, por que Deus não o seria?
Dessa forma, o acesso à Eucaristia há séculos é privilégio de alguns que tem alguma Igreja próxima ou tem recursos para se deslocar e frequentar o templo que quiser. Além do mais, muitas igrejas e seitas se julgam proprietárias de Deus. Não que Ele se deixe privatizar, mas a intenção de muitos é clara. Portanto, o acesso frequente a Eucaristia em países como o Brasil, particularmente nas grandes periferias e nas comunidades isoladas da Amazônia e do Nordeste, é um bem privado de alguns.
Em outras palavras, um dos objetivos do Sínodo para a Amazônia com a criação de novos ministérios como os padres comunitários, padres indígenas, diáconas, liturgia inculturada, equipe ministeriais etc., é a desprivatização de Deus e da Eucaristia.
O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, em artigo publicado no site brasil247, em 09.09.2019, nos alerta que as discussões a respeito da Amazônia são “uma nova batalha da guerra de 4ª geração entre as grandes corporações mundiais e a parcela do Humanidade que se define como responsável pela vida da Terra e se coloca em defesa dos seus Direitos”. Ele propõe uma saída para o falso dilema da “internacionalização versus soberania”. “Não internacionalizar a Amazônia: amazonizar o mundo”.
Segue o artigo:
Os incêndios florestais do mês de agosto representaram um sinal de alarme: a principal reserva ecológica da Terra sendo consumida pelas bordas, sem que o governo brasileiro tomasse providências. Declarações estapafúrdias do Presidente da República deixam transparecer que esse desastre não é fruto de descaso com a Amazônia e seus povos, mas um evento inserido no processo global de apropriação privada de bens-comuns: água, minérios, biodiversidade e terras para a agropecuária.
Na Análise de conjuntura publicada no site do Fé e Política em abril passado usei o conceito de guerra de 4ª geração ou guerra híbrida – aquela que emprega estrategicamente a informação como arma de combate a um poder definido como “hostil” – para explicar o impeachment de Dilma como fruto da aliança entre corporações petroleiras e financeiras dos EUA e os muito ricos brasileiros. A queda daquele governo definido como “hostil” abriu as portas ao capitalismo ultraliberal, com as privatizações na área do petróleo, e em seguida a radicalização anarcocapitalista de Bolsonaro-Paulo Guedes, que visa suprimir todo constrangimento imposto pelo Estado republicano e democrático ao mercado.
Devo reconhecer, porém, que me surpreende a improvisação na execução desse projeto, pois o governo de Dilma Rousseff já vinha buscando a integração da Amazônia ao sistema capitalista e bastaria implementá-lo sem truculência para em médio prazo fazer da Amazônia grande fonte de lucros para o capital, sem o risco de uma catástrofe ambiental. Vejamos então mais de perto o que está em curso hoje no Brasil, tendo presente que aqui está apenas uma parte do bioma amazônico.
O desmantelamento da FUNAI e a nomeação de Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente foram um recado de que seriam suspensos os entraves fiscais e administrativos à exploração das chamadas riquezas naturais. Para bom entendedor, meia-palavra basta: se não há fiscalização nem repressão, a apropriação privada de bens-comuns os transforma em mercadorias valiosas. Afrouxada a fiscalização, especuladores, madeireiros, garimpeiros, grileiros e outros transgressores sentem-se liberados para invadir territórios indígenas, reservas ambientais ou promoverem queimadas em suas terras e terras vizinhas.
Outro passo, em continuidade com iniciativas ensaiadas durante o governo Temer será a privatização – ao menos parcial – de reservas ambientais, especialmente aquelas que se mostrem ricas em reservas minerais ou com potencial para a biotecnologia. Paralelamente, abrir concessões para exploração mineral em territórios de povos originários, mesmo que ameace sua sobrevivência enquanto povos. Passo de grande crueldade, que esperamos não venha a ser dado, seria a extinção de Povos Isolados, seja por estrangulamento ambiental, seja por massacre, porque um território não habitado não teria motivo legal para ser preservado.
Enfim, o passo decisivo será o favorecimento à implantação de grandes empresas em toda a Amazônia, especialmente em territórios de Povos Originários, com o estímulo a seus chefes para se tornarem empresários. Combinando-se tal incentivo com a atração de grandes capitais do Exterior, em pouco tempo a Amazônia estaria loteada entre empresas capitalistas. Com sede no Brasil, é claro, mas com grande aporte de capitais externos.
Esse exercício de futurologia tem por base a doutrina do choque, formulada por Naomi Klein: desastres – naturais ou provocados – interessam ao mercado capitalista porque ele se apresenta como o remédio mais eficaz para sua recuperação social e econômica. O raciocínio é de tipo “já que a floresta está queimada, vamos aproveitar a terra para produzir de modo mais moderno”. Para legitimá-lo bastaria uma eficiente campanha de informações pela grande mídia e pelas redes virtuais em favor do “desenvolvimento sustentável” de Povos Originários que se transformem em gerentes da produção mineral ou agropecuária em seus territórios.
Seria esta uma guerra de 4ª geração entre o capitalismo globalizado e os defensores e defensoras da Amazônia. Nela não há invasão armada, como nas guerras do passado, nem agentes infiltrados entre Povos Originários para declarar sua independência e formar uma nação soberana, como parecem temer nossos militares. Ao contrário, as grandes empresas seriam formadas com todo apoio do governo brasileiro e de suas Forças Armadas, garantindo a propriedade privada. E o aumento da exportação de commodities seria a melhor prova do acerto dessa política de crescimento econômico anarcocapitalista.
Contra esse projeto alinham-se diferentes organizações de defesa dos Direitos Ambientais e Humanos, hoje contando com a decidida participação do Papa Francisco, cuja intuição de fazer da Amazônia tema do próximo sínodo da Igreja Católica revelou-se genial. À primeira vista, o capital financeiro em busca de aplicação segura é disparadamente mais forte do que essa parcela da Humanidade que não abre mão de sua humanidade e de sua solidariedade com a Terra e seus Povos; um olhar atento, porém, revela que a força dos fracos é bem maior do que parece.
Primeiramente, é preciso considerar que os segredos da guerra de 4ª geração começam a ser desvendados e seus instrumentos em breve poderão ser utilizados também pelos grupos que defendem a Ecologia Integral e os Povos da Amazônia. As redes informáticas da internet, que até pouco tempo estavam inteiramente a serviço das grandes corporações, começam a ser usadas também no sentido oposto: em lugar da propaganda baseada no manejo de emoções, elas podem ser veículo de informações que têm ao mesmo tempo fundamento real e apelo simbólico, como são as mensagens emitidas por pessoas de grande autoridade moral. Nesse embate, a probabilidade de vitória da verdade sobre a propaganda não é mero desejo piedoso.
Finalmente, é preciso considerar que a ameaça à Amazônia traz à tona duas forças sociais de forte poder mobilizador: Povos Originários e a juventude. A primeira já está na cena política há pelo menos quatro décadas, mas agora vem ganhando vulto a coordenação entre diferentes Povos, inclusive do Exterior. Novidade é a mobilização da juventude, agora puxada pela adolescente sueca Greta Thunberg. Seu apelo aos adultos é contundente: “assumam sua responsabilidade! Adolescentes somos nós, não vocês!”. É preciso levar em conta a força moral desses dois novos atores no cenário político, sobretudo num conflito de informações, quando a credibilidade de quem fala é crucial.
Se esta análise é correta, estamos diante de uma nova batalha da guerra de 4ª geração entre as grandes corporações mundiais e a parcela do Humanidade que se define como responsável pela vida da Terra e se coloca em defesa dos seus Direitos. Dessa batalha pode resultar uma novidade inesperada, muito bem formulada por uma pesquisadora nativa da Amazônia: Não internacionalizar a Amazônia: amazonizar o mundo.