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A ESCALADA DO EXTREMISMO CATÓLICO: O ÚLTIMO SUSPIRO?
Por Jorge Alexandre Alves*
Muito já foi dito e escrito sobre a oposição ao Papa Francisco e as tentativas de sabotagem de seu pontificado. Na Europa, nos Estados Unidos e mesmo aqui no Brasil temos variadas análises. O antagonismo ao pontífice e a seu magistério talvez ocorra em níveis inéditos na história contemporânea da Igreja.
O estilo, as opções e as críticas daquele que veio “fim do mundo” causaram grande impacto internacional desde que o cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito para a sé petrina. Simplicidade no vestir-se, contundente crítica ao clericalismo, coragem ao enfrentar os problemas da Igreja. O próprio nome adotado – Francisco – traduz um projeto eclesial, que dentre muitas novidades, se conecta direta com o magistério de João XXIII e com o Concílio Vaticano II.
O Bispo de Roma recolocou de forma positiva o catolicismo na cena pública por causa dos seus posicionamentos sobre o meio-ambiente, a questão da imigração e os efeitos perversos do capital em escala global. Isso não apagou os pecados católicos – sobretudo na questão dos abusos sexuais. Contudo, ressignificou a presença do catolicismo que, através da voz do sucessor de Pedro, voltou a ser considerado um interlocutor relevante.
Dessa forma, a postura corajosa de Francisco causou muito mais do que incômodos. Uma oposição agressiva e desonesta se formou, dentro e fora dos muros eclesiais. Aqueles atingidos pelas críticas de Bergoglio, que inicialmentefaziam uma oposição velada, partiram para o confronto explícito, atacando publicamente o Papa.
Na medida em que Francisco foi implementando a sua agenda de reformas para a Igreja, tais setores foram se tornando cada vez mais ostensivos. Ameaçados em seu status, presos a formalismos canônicos e muito preocupados com rigorismos litúrgicos, estes segmentos entendem a Igreja como um castelo com altas muralhas, isolado de tudo o que o cerca. No caso, as grandes questões humanas atuais.
Ao mesmo tempo, cinicamente fazem questão de ignorar as mazelas socioambientais causadas pelo grande capital. Candidamente ignoram de forma consciente os efeitos desastrosos do avanço ultraliberal nos dias atuais que desumaniza milhões pelo mundo afora. Ao contrário, se unem aos grandes donos do poder financeiro mundial no esforço de desestabilização do pontificado de Francisco.
Dessa forma, o que temos é o descompasso entre um Papa que está no século XXI atento às dores e sofrimentos do mundo atual; e frações católicas cada vez mais presas a um passado triunfalista e distante da pregação evangélica de Jesus de Nazaré sobre o Reino de Deus. É desse nicho eclesial que saem as hordas que compõem o fundamentalismo católico.
Trata-se de um contingente quese porta como se a Barca de Pedro ainda fosse conduzida por Ratzinger ou Wojtyla. Alguns extremistas mais exaltados misturam o uso ágil das redes sociais com uma mentalidade reacionária e desconectada da realidade. Nutrem uma visão de mundo equivalente a uma época anterior ao Concílio Vaticano II, situada quem sabe no século XIX ou talvezaté no período do Concílio de Trento.
Para eles, a necessidade de um aggiornamento proposta mais de 50 anos atrás por São João XXIII seria herética ou “coisa de comunista”. A Igreja, para estes, não é Povo Deus, mas sim uma entidade autorreferencial preocupada em manter seu prestígio social. Assim, vivem fechados em si mesmos e em seu mundanismo espiritual.
Por isso, lutam com a ferocidade de um cruzado medieval contra mudanças fundamentais e necessárias para a vida da Igreja. Agem contra o Papa em nome de um triunfalismo estéril imerso no extremismo que alimenta a doença do clericalismo. E se aproxima dos poderosos, ignorando os pequenos.
Isso explica porque o extremismo católico hoje se une carnalmente à extrema-direita em toda a parte. O magistério de Francisco representa um enorme perigo a essa gente, temerosa em perder seus privilégios. Dentro e fora da Igreja, aqueles que desejam manter seu status quo sabem que o Papa que veio do fim do mundo ameaça seus interesses.
Portanto, não medem esforços em desacreditar o Pontífice Romano diante da opinião pública internacional. E, desencadeando uma campanha odiosa para silenciar o único estadista de nossa época, pretendem bloquear a agenda de reformas do Papa. Pretendem inviabilizar este pontificado, e conforme muitos vaticanistas e religiosos vêm denunciando, desejam pautar a eleição do sucessor de Francisco
Aqui no Brasil, não é diferente. Basta acompanhar o estilo violento e inquisitorial que norteia a conduta desses fundamentalistas nas redes digitais e no submundo da blogosfera. Recentemente, alguns eventos retratam a escalada do extremismo desses grupos, seja na comunicação, na devoção ou na liturgia. Vejamos três cenas:
Cena 1:Numa grande diocese brasileira, em um bairro de periferia, um sacerdote católico (que usa barrete, batina e sotaina), durante a oração eucarística, na oração pela Igreja, pede pelo bispo titular, pelo clero, mas ao se referir ao Papa, menciona… Bento XVI!. Ao ser inquirido por um fiel, responda que não acolhe Francisco. Imaginem o escândalo que seria se um padre ligado a Teologia da Libertação fizesse isso com João Paulo II 25 anos atrás?
Cena 2: Uma senhora acompanha a reza do terço por uma emissora católica na televisão. Na jaculatória em que se pede proteção ao pontífice, o padre responsável pelo programa reza por… Bento! Francisco não foi citado, gerando revolta do filho da senhora em questão, que questiona por que não se reza pelo atual pontífice.
Cena 3: Na catedral da maior arquidiocese brasileira, um evento inter-religioso de oração pelo Sínodo da Amazônia é virulentamente atacado por um bando de extremista. Ignorando ser um ato civil, espalharam mentiras pelas redes e atacaram o próprio arcebispo que sempre dialogou com tais segmentos. Uma boa nota explicativa foi escrita denunciando as mentiras e reestabelecendo a verdade dos fatos.
A última cena carrega um elemento até então inédito. Os catolibãsestariam agora se voltando até para os seus protetores… Entretanto, esse gesto extremado produziu algo inusitado em tratando de quem foi atacado: uma não manifestação pública de oposição ao sínodo e ao Papa, muito pelo contrário. O que pode estar por trás disso?
Por outro lado, essa radicalização contrária ao Sínodo dos extremistas é preocupante. Como já foi escrito em outras oportunidades, trata-se de um último esperneio, um “bater o pezinho” qual criança mimada em relação a possibilidade real de mudanças na vida da Igreja. Mudanças que, esperamos todos os que estão “cum et sub Pedro”, sejam inexoráveis.
Essa radicalização também pode significar que os opositores mais Ratzingerianos ou Wojtylianos de Francisco estão começando a perder o controle sobre as hordas fundamentalistas. Ou estão secretamente apoiando isso tudo, colocando “bois de piranha” na linha de frente? De qualquer forma, ainda mantém um silêncio condescendente determinado prelados responsáveis por alguns clérigos que, tal como os fariseus, fazem questão de ostentar sua pseudodevoção em nome de uma pretensa defesa da fé.
Por muito menos, apenas por um apoio político pontual, outros sacerdotes foram chamados as falas para dar explicações em uma cúria diocesana. E religiosos foram transferidos sumariamente por suas posições proféticas. Ou seja, temos em certas realidades aquela ambiguidade que se revela na postura e usar de dois pesos e duas medidas.
Ao que parece, posições conservadoras (mas não extremistas) começa a se distanciar do fundamentalismo católico. Porém, isso não indica uma conversão de posicionamento em relação aos grandes temas da Igreja. Devemos estar atentos aos próximos movimentos.
Portanto, todo esse frenesi em torno do Sínodo para a Amazônia é revelador. Sua realização entrou na agenda local e na pauta internacional de debates. Aqueles comprometidos com o “Ancient Regime” Católico contra-conciliar estão exaltados e preocupados. Eles sabem que as mudanças propostas pelos padres sinodais poderão colocar a Igreja em outro patamar, rompendo de vez com o mofo tridentino que ainda insiste em sobreviver na s sacristias.
Por isso apelam para a necropolítica e promovem uma necrorreligião. Que tais movimentos extremistas sejam um último ato de desespero diante da aurora da primavera que se aproxima. A noite escura dá seus últimos suspiros. O raiar do dia se aproxima para o catolicismo e nós já escutamos seus sinais.
A serenidade de Francisco diante disso tudo impressiona. Ele segue seu rumo obstinadamente, como bom Jesuíta que é. Não teme seus detratores. O Papa do “fim do mundo” carrega em seu magistério a semente da novidade. A Igreja, sob sua liderança, conseguirá trilhar no florescer de inesperada primavera da mesma forma que João XXIII fez com o Concílio?
Dessa forma, fica cada vez mais evidente que este Sínodo para a Amazônia é o grande momento deste pontificado. Seremos testemunhas do maior acontecimento católico do começo deste século. Francisco sabe que este será o grande legado de seu ministério. Estamos na iminência de um momento crucial para os seguidores de Jesus de Nazaré, que definirá o futuro da Igreja.
A história estará se fazendo diante de nossos olhos nos próximos dias. Olhemos os sinais dos tempos.Sob a proteção do Irmão de Assis, rezemos pelo ministério do Irmão de Roma, o Papa Francisco. Que a Igreja seja sinal de esperança em mundo marcado pelo ódio e pela mentira.
*Jorge Alexandre Alves é Sociólogo e Professor do IFRJ. Possui mestrado em Educação pela UFRJ. Foi catequista do Crisma e da Pastoral da Juventude e hoje atua no Movimento Fé e Política.