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Discurso da Presidenta do Consea, Maria Emília Lisboa Pacheco, na Abertura Oficial na 5ª Conferencia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Excelentíssima Senhora Presidenta da República – Dilma Rousseff – é uma honra recebê-la na 5ª Conferencia  Nacional  de SAN.

Meus cumprimentos aos Srs. Ministros, Governador do Distrito Federal, demais representantes do Executivo, e Parlamentares.

Meus cumprimentos aos  delegados e delegadas da sociedade civil.

Saúdo com satisfação nossos convidados e convidadas nacionais e  internacionais.

Neste momento, lembro mais uma vez a figura de nosso patrono – Josué de Castro – brasileiro, cidadão do mundo, que nos deixou enorme legado de suas reflexões e seu exemplo de engajamento na luta contra a fome.

Presto a minha homenagem póstuma ao Betinho- da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida neste dia de significado simbólico do seu nascimento (3 de novembro de 1935). Completaria, hoje, 80 anos. Continua nos emocionando e mobilizando com as lembranças de sua “Esperança Equilibrista”, como mostra o documentário que assistimos.

Sras., Srs.,
A realização da Conferência Nacional de SAN representa um momento histórico, que reafirma, em primeiro lugar, a importância da participação social na construção da cidadania e da democracia, contra as manifestações de racismo e de todas as formas de preconceitos.

O processo que nos traz aqui contou com o engajamento de aproximadamente  2.000 municípios, e 30.000 pessoas – de todas as regiões do país, em todos os estados.

Envolveu cerca de 10.000 pessoas da sociedade e de governos como participantes nas conferências estaduais, no Distrito Federal  e nos encontros temáticos sobre Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Amazônia; a atuação das Mulheres na construção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional; a Água, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e a  Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional para a população negra e povos e comunidades tradicionais.

Somos, hoje, 1.600 delegados e delegadas  com a representação de 54% de mulheres, e cerca de 300 convidados nacionais e internacionais de 29 países.

Esses números representam uma inequívoca mostra da força e do alcance de nossa articulação e mobilização social.  Sua composição expressa a formação social brasileira, uma sociedade pluriétnica, a nossa sociobiodiversidade.

Povos indígenas de várias etnias, população negra, povos tradicionais de matriz africana e povos de terreiro, povos ciganos, comunidades quilombolas e cerca de 30 identidades coletivas das comunidades tradicionais estão aqui representados.

Esses números indicam também os vigorosos passos que temos dado na construção histórica do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

É hora de reafirmar compromissos, rever a trajetória recente pautada por conquistas, aflorar diferentes percepções e debates de forma democrática sobre os alertas dos riscos de retrocessos. É hora também de aperfeiçoar programas e ousar apresentar novas proposições para a Política e um novo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

A saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU) é uma grande conquista.

Nos últimos anos, tivemos a melhoria dos indicadores sociais, com a redução da extrema pobreza; a diminuição significativa da insegurança alimentar moderada e grave, da mortalidade infantil e da desnutrição.
Este quadro é resultado das estratégias intersetoriais concretizadas em iniciativas políticas de valorização do salário mínimo, da garantia de emprego, de programas de transferência de renda.

Por isso, Senhora Presidenta, valorizamos o compromisso de seu governo em garantir a continuidade de Programas Sociais, sem cortes, como o Bolsa Família, Programas de convivência com o semiárido, como P1MC (um milhão de cisternas) e P1+2 ( uma terra e duas águas para produção).

Temos um cenário de maior reconhecimento sobre a atuação das mulheres na promoção da segurança alimentar e nutricional; maior visibilidade sobre as condições alimentares da população negra, dos povos indígenas, comunidades quilombolas, povos tradicionais de matriz africana/povos de terreiro, e demais povos e comunidades tradicionais.

Mas ainda permanecem os piores índices de  insegurança alimentar e nutricional para esses segmentos sociais, que  estão a requerer a continuidade e ampliação das políticas de superação das desigualdades de gênero, raça e etnia para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada, em conformidade com a nossa Constituição.

Reconhecemos a importância dos programas voltados para o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa. Por exemplo, a expansão das compras públicas de alimentos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), com seus mecanismos de controle social, Compra Institucional e o Programa de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGMBio).

Mas é fundamental que não se afastem de suas formulações originais, suas características próprias, seu caráter inovador, e que haja progressiva adequação de normas de operação que respondam às especificidades dos segmentos sociais nos vários biomas, sem cortes de recursos e sem retrocessos.

Esses programas representam passo importante, juntamente com equipamentos públicos de Segurança Alimentar e Nutricional como, por exemplo, os restaurantes populares, as cozinhas comunitárias e as feiras agroecológicas, para a construção de uma Política Nacional de Abastecimento Alimentar.

Destacamos também a conquista da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, necessária para a garantia da alimentação diversificada, adequada e saudável, que deverá ser aperfeiçoada e ampliada em diálogo com a nossa proposta de uma Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana.

Saudamos também o fortalecimento da cooperação Sul-Sul, que se destaca entre as estratégias do governo brasileiro na área de Segurança Alimentar e Nutricional, que deve ter continuidade e avançar para uma Política Nacional de Cooperação que incorpore os princípios da soberania alimentar e da participação social.
Temos debatido também as dificuldades dos problemas políticos econômicos que impactam a soberania e segurança alimentar e nutricional. Não há caminho único para enfrentá-los. É preciso assegurar direitos e avançar com políticas redistributivas. Os trabalhadores e os pobres não podem arcar com o ônus da crise econômica.

Resolvemos apresentar a nossa visão de futuro através do lema: comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar.

Queremos fazer um chamamento, uma convocação à sociedade e aos governantes sobre as potencialidades e as ameaças de nosso sistema alimentar.

Defendemos a comida como patrimônio e não como mercadoria. É urgente valorizar as diferentes tradições culinárias e ter em conta o valor cultural da comida, pois corremos o risco de perder a memória alimentar do país. Assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada significa garantir o direito ao gosto, contra a padronização da alimentação; reconhecer os diferentes significados do alimento como expressão dos modos de vida, do sagrado, dos laços de solidariedade e reciprocidade, de sistemas alimentares com rica biodiversidade.

Por isso falamos da função social da terra e dos sujeitos de direitos. Um Plano como o Matopiba, sobretudo no cenário de crise ambiental, hídrica e das mudanças climáticas, está na contramão de nosso lema.

Precisamos avançar na garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas e comunidades tradicionais, na defesa do limite do tamanho da propriedade, na democratização da terra, na criação de Unidades de Conservação de uso sustentável e a realização da Reforma Agrária.

Os povos indígenas nos trazem um grande legado. Com certeza muitos alimentos que constam da lista na importante e recente publicação do Ministério da Saúde sobre os Alimentos Regionais são fruto do processo de domesticação de plantas, de sistemas agrícolas tradicionais e do manejo sustentável desses povos, bem como são parte das tradições alimentares vindas da África.

Não podemos aceitar que continue ocorrendo um verdadeiro etnocídio na sociedade brasileira. Fazemos um clamor ao Congresso Nacional para que arquive a PEC 215. Que se mantenha o princípio constitucional da atribuição ao executivo da demarcação e homologação dos territórios indígenas.

Com a mesma firmeza recomendamos ao Supremo Tribunal Federal que julgue improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.239, dirigida contra o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Nosso lema chama atenção para a qualidade da alimentação. Queremos uma alimentação adequada e saudável sem os riscos da contaminação  por agrotóxicos nos alimentos e na água, livre de transgênicos e sem os impactos na saúde dos produtos alimentícios  ultraprocessados.

A crescente pressão dos conglomerados econômicos de produção de agroquímicos para atender as demandas do mercado de agrotóxicos, fertilizantes, micronutrientes, sementes e de commodities agrícolas, coloca em risco nossa soberania alimentar.

Temos uma proposta de Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos (Pronara), estabelecida como meta no Plano Nacional de Agroecologia e Agricultura Orgânica (Planapo), elaborado na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). Ela é fruto do debate com o Consea e vários setores da sociedade: o movimento agroecológico, as organizações de pesquisa e saúde, como a Fiocruz, Instituto Nacional do Câncer e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); os movimentos sociais reunidos na Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela Vida, e a Campanha do Ministério Público de combate aos impactos causados pelos agrotóxicos. Mais do que expectativa, há urgência de lançamento deste Programa.

Precisamos também manter a mobilização pela manutenção da rotulagem dos produtos transgênicos, em risco também no Congresso Nacional.

Apenas três corporações – Monsanto,  DuPont e  Syngenta – controlam 55% das sementes comerciais do mundo. Seus interesses ecoam, hoje no Congresso Brasileiro através de um projeto de lei que visa anular no país a proibição da tecnologia Terminator – sementes geneticamente modificados para processar sementes estéreis.

A tecnologia foi criada para proteger os lucros das empresas e eliminar o direito histórico dos agricultores para armazenar e replantar as sementes colhidas como as sementes da paixão, semente da fartura, sementes dos avós, sementes nativas, como são conhecidas as sementes crioulas pelo país.

Se aprovado, pelo Congresso Brasileiro, o PL 1117/2015, irá violar uma moratória internacional – sobre os testes de campo e comercialização de sementes Terminator – unanimemente aprovada em 2000, e reafirmada em 2006 por 192 governos na Convenção das Nações Unidas na reunião da Convenção da Biodiversidade, em Curitiba, no Brasil.

Temos também uma população com crescente índice de sobrepeso e obesidade. Aumentou o consumo de produtos alimentícios ultraprocessados com excesso de sódio, gordura, conservantes e produtos químicos.
Por isso saudamos a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade e o lançamento do Guia Alimentar da População Brasileira, que nos estimula ao consumo de alimentos saudáveis, variados, à valorização das culturas locais e de sistemas alimentares socialmente e ambientalmente sustentáveis.
Mas é necessário que o Estado regule a rotulagem, a publicidade de alimentos, visando a proteção da infância, e também, que assegure a readequação da legislação sanitária de alimentos de origem animal e bebidas à produção artesanal e tradicional.

Estes são os passos necessários no caminho que continuaremos a trilhar para um futuro com comida de verdade, no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar.

Obrigada.

Brasília, 3 de novembro de 2015.

NOTA
: O Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, citado no discurso, foi criado pelo Decreto nº 8.847, de 6 de maio de 2015. A sigla refere-se à área de abrangência do Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia – totalizando 73 milhões de hectares, ou seja, 51% da área dos 4 estados, distribuídos em 3 biomas – Amazônia, Cerrado e Caatinga. Destinado ao agronegócio, prevê polos de carcinocultura, celulose e grãos, com a substituição dos remanescentes da vegetação natural, sobretudo do Cerrado, com impactos ambientais e, sobretudo  impactos sociais na região de ocupação antiga com povos indígenas, comunidades quilombolas, camponeses, com fortes riscos e ameaças ao aumento do índice de insegurança alimentar dessas populações.

Fonte: Site do Planalto – Presidência da República

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