“É triste testemunhar no Brasil a “ideologização” do debate ambiental”, escreve André Trigueiro, uma voz sempre firme na defesa da sustentabilidade.
“Se o presidente Jair Bolsonaro cumprir as promessas feitas em 2018, como candidato, estará em curso no Brasil a maior operação desmonte das políticas ambiental e indigenista da História do País. A montagem do novo governo prioriza os interesses do agronegócio”, além de mineradoras e do capital colonialista em busca de lucro fácil.
Segue o artigo de André Trigueiro para G1 em 31.12.2018.
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Se o presidente Jair Bolsonaro cumprir em 2019 as promessas feitas em 2018 como candidato, estará em curso no Brasil a maior operação desmonte das políticas ambiental e indigenista da História do País. A montagem do novo governo priorizou os interesses do agronegócio (ou de uma parcela desse segmento) e, em função disso, serão postas em prática políticas que privilegiarão a flexibilização da legislação ambiental, o enfraquecimento do Ibama e dos sistemas de licenciamento e fiscalização, e a maior tolerância em relação ao desmatamento com possível alteração dos parâmetros técnicos do INPE que regem as rotinas de monitoramento por satélite da Amazônia.
Depois de anunciar que não promoverá novas demarcações de terras indígenas, e relegar à Funai um papel de avalista das novas políticas do governo federal, Bolsonaro fará o que estiver ao seu alcance para autorizar atividades econômicas como mineração e agricultura nas áreas já demarcadas. O movimento indigenista brasileiro (construído a partir do trabalho incansável do Marechal Rondon, dos irmãos Villas-Bôas, de Darcy Ribeiro e tantos outros) se prepara para o pior. Quanto às novas diretrizes ambientais – capitaneadas por um ministro condenado pela Justiça por improbidade administrativa quando era Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo – é de se esperar que haja forte reação dentro e fora do país, com eventual risco para as exportações brasileiras.
Em 2019 deverá se consolidar mundo afora o banimento dos plásticos descartáveis. Num planeta em que, segundo dados da ONU, os oceanos deverão abrigar mais fragmentos plásticos do que espécies marinhas até 2050, a substituição do plástico por outros materiais tem inspirado novas leis no Brasil e no mundo. No próximo mês de abril o arquipélago de Fernando de Noronha implantará o banimento definitivo de todos os plásticos descartáveis (copos, garrafas, canudos, pratos, talheres etc.). Também em 2019, a cidade do Rio de Janeiro – primeira capital do país a banir canudos plásticos descartáveis – deverá estender a proibição para os copos feitos do mesmo material. Até o fim do ano que vem, a companhia aérea Hi Fly consolidará a substituição de todos os utensílios plásticos usados em seus voos por outros materiais. O primeiro voo “plastic free” veio de Lisboa e aterrissou em Natal (RN) no último dia 26 de dezembro substituindo com sucesso 150 Kg de materiais plásticos por produtos compostáveis.
O debate climático ganhará contornos dramáticos em 2019, especialmente em novembro durante a COP-25 no Chile. Ainda que o Governo Bolsonaro permaneça no Acordo de Paris (a alegação de que o Tratado ameaça a soberania brasileira não faz o menor sentido), o fato é que isso está longe de ser uma prioridade do novo governo. Enquanto isso, os cientistas do clima aguardam providências urgentes da comunidade internacional diante dos cenários sombrios de elevação da temperatura média do planeta. Com base nas conclusões da COP-24 na Polônia, se os países não elevarem suas metas de redução das emissões de gases estufa, eventos climáticos extremos deverão se multiplicar com mais intensidade mundo afora. A COP-25 deverá checar o que cada país se dispõe a fazer a partir de 2020, quando começam as medições dos esforços de cada nação signatária do Acordo de Paris. O Brasil é o sexto maior emissor de gases estufa do planeta e 70% da nossa “contribuição” para o aquecimento global tem origem na agropecuária.
Em 2019 a expansão da frota de veículos elétricos no planeta seguirá firme, exceto no Brasil. Se no mundo os carros elétricos já somam mais de 2 milhões de unidades (fora os veículos híbridos) com previsão de alcançar 140 milhões de veículos em 2030 (10% da frota total de carros), no Brasil a política de subsídios para o setor automotivo aprovada pelo Governo Temer não privilegia a abertura de mercado para os elétricos. Embora o Rota 2030 tenha estabelecido aproximadamente 6 bilhões de reais de subsídios por ano para a indústria automobilística nacional, a prioridade é tornar os veículos automotores mais eficientes e competitivos. Tudo indica que em 2030 o Brasil será a vanguarda do atraso: enquanto boa parte do mundo terá uma exuberante frota de veículos elétricos (Reino Unido, França e Índia são alguns dos países que já aprovaram leis dando prazo para que não se fabrique nem se comercialize veículos automotores), por aqui ainda teremos a prevalência dos motores a combustão.
A crise da água deverá se agravar em boa parte do mundo – inclusive no Brasil – por conta das mudanças preocupantes observadas no ciclo hidrológico, provavelmente associadas às mudanças climáticas. As alterações no regime de chuvas – fora da série histórica – ameaçam a economia e a estabilidade social de muitos países. A situação é ainda mais preocupante no Brasil onde a água da chuva assegura a um só tempo o abastecimento humano, a produção de energia elétrica e a produção agrícola. Sem a adoção de políticas que promovam a maior eficiência e o consumo consciente de água, uma regulação forte sobre a indústria e o agronegócio (a agricultura consome mais da metade da água no Brasil) e a promoção urgente da água de reuso (aproveitamento do esgoto tratado em diversos setores da economia) poderemos ter problemas.
Por fim, é triste testemunhar no Brasil a “ideologização” do debate ambiental. A proteção do meio ambiente não pertence a nenhuma corrente política ou ideológica. Sustentabilidade é sinônimo de sobrevivência. Quem ideologiza o debate ambiental age por ignorância ou má fé. Que venha 2019!