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Alberto Acosta – O BEM VIVER

O BEM VIVER - uma oportunidade para imaginar outros mundos

Compartilhamos em nosso site este valioso trabalho, fundamental para nos ajudar a construir um novo paradigma de desenvolvimento.

Clique aqui para baixar o livro: O Bem Viver de Alberto Acosta

O Iser Assessoria vem aprofundando o Bem-Viver desde 2010, quando organizamos o Dossiê Bem-Viver. Temos trabalhado essa proposta especialmente com o Movimento Fé e Política que em seus encontros nacionais tem assumido esse tema. Começou com o 8º Encontro Nacional, em Embu das Artes-SP, outubro de 2011, que reuniu 3.800 lideranças de todo Brasil para aprofundar o tema “Em Busca da Sociedade do Bem-Viver: Sabedoria, Protagonismo e Política”. Agora, de 12 a 14 de julho de 2019 o Movimento realiza o 11° Encontro, em Natal, RN, com o tema: “Democracia, Políticas Públicas e Alternativas Sociais: Sinais dos Tempos na Construção do Bem Viver”.

Na introdução do Bem-Viver como tema dos encontros nacionais, em 2011, discutimos a dificuldade de traduzir esse conceito para o povo e definimos que a expressão seria grafada com hífen, criando uma palavra composta (como bem-estar), formando um sentido único. Mas há dificuldade de adotar o hífen.

Prefácio à edição brasileira
Célio Turino

O Bem ViverApresentar Alberto Acosta e seu livro sobre o Bem Viver ao público brasileiro, mais que tudo, é uma honra. Mas é também uma necessidade, um gesto de compromisso e irmandade latino-americana originados em nossa Pátria Grande, e um gesto de cidadania planetária.

Alberto Acosta é um dos principais ideólogos do início da Revolução Cidadã no Equador, tendo sido um dos responsáveis pelo plano de governo da Alianza País, partido encabeçado por Rafael Correa, cuja ascensão à Presidência da República, em 2007, deu início a uma série de transformações nesta hermosa nação localizada no centro do mundo.

O Equador tornou-se, assim, referência para utopistas e lutadores sociais. Acosta também foi ministro de Energia e Minas, além de ter dirigido os trabalhos da primeira Assembleia Constituinte do planeta a reconhecer direitos à Natureza, nossa Pacha Mama, a Mãe Terra.

Durante as discussões constitucionais, porém, Acosta distanciou-se do governo, posicionando-se como um dos mais contundentes críticos dos desvios no processo que ajudara a instalar. Como economista e pensador, entre tantas obras, Acosta nos brinda com esta, conceituando e lançando instigações sobre o Bem Viver.

Algum leitor apressado poderia pensar tratar-se de um princípio restrito ao ambiente andino e amazônico, mas não: o Bem Viver é uma filosofia em construção, e universal, que parte da cosmologia e do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas culturas. Está entre nós, no Brasil, com o teko porã dos guaranis. Também está na ética e na filosofia africana do ubuntu – “eu sou porque nós somos”. Está no ecossocialismo, em sua busca por ressignificar o socialismo centralista e produtivista do século 20. Está no fazer solidário do povo, nos mutirões em vilas, favelas ou comunidades rurais e na minga ou mika andina. Está presente na roda de samba, na roda de capoeira, no jongo, nas cirandas e no candomblé. Está na Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum.

Seu significado é viver em aprendizado e convivência com a natureza, fazendo-nos reconhecer que somos “parte” dela e que não podemos continuar vivendo “à parte” dos demais seres do planeta. A natureza não está aqui para nos servir, até porque nós, humanos, também somos natureza e, sendo natureza, quando nos desligamos dela e lhe fazemos mal, estamos fazendo mal a nós mesmos.

O Bem Viver recupera esta sabedoria ancestral, rompendo com o alienante processo de acumulação capitalista que transforma tudo e todos em coisa. Para nossos irmãos indígenas do Xingu, o mundo é povoado por muitas espécies de seres, não somente dos reinos animal e vegetal, mas também os minerais, a água, o ar e a própria Terra, que contam com espírito e inteligência próprios – ou ajayu, em aymara, no Altiplano boliviano. Todos esses seres são dotados de consciência, e cada espécie vê a si mesma, e às outras espécies, a partir de sua perspectiva.

Com esta sabedoria somos levados a compreender que a relação entre todos os seres do planeta deve ser encarada como uma relação social, entre sujeitos, em que cultura e natureza se fundem em Cultura Viva.

O Bem Viver se afirma no equilíbrio, na harmonia e na convivência entre os seres. Na harmonia entre o indivíduo com ele mesmo, entre o indivíduo e a sociedade, e entre a sociedade e o planeta com todos os seus seres, por mais insignificantes ou repugnantes que nos possam aparentar. Somente a partir destas três harmonias é que conseguiremos estabelecer uma profunda conexão e interdependência com a natureza de que somos parte.

O Bem Viver, tal qual no conceito em construção apresentado por Alberto Acosta, refere-se, portanto, à vida em pequena escala, sustentável e equilibrada, como meio necessário para garantir uma vida digna para todos e a própria sobrevivência da espécie humana e do planeta. O fundamento são as relações de produção autônomas, renováveis e autossuficientes. O Bem Viver também se expressa na articulação política da vida, no fortalecimento de relações comunitárias e solidárias, assembleias circulares, espaços comuns de sociabilização, parques, jardins e hortas urbanas, cooperativas de produção e consumo consciente, comércio justo, trabalho colaborativo e nas mais diversas formas do viver coletivo, com diversidade e respeito ao próximo.

Conforme Acosta nos demonstra, somente podemos entender o Bem Viver em oposição ao “viver melhor” ocidental (ou à dolce vita de alguns), que explora o máximo dos recursos disponíveis até exaurir as fontes básicas da vida. Assim, o Bem Viver tem um forte sentido presente, contrapondo-se à iniquidade própria do capitalismo, em que poucos vivem bem em detrimento da grande maioria.

Este livro faz uma crítica ao produtivismo e ao consumismo, desenfreados e fúteis, que inevitavelmente levarão a humanidade ao colapso civilizatório. Por isso ele é tão atual e tão necessário aos brasileiros, pois, de certa forma, todo este pântano ético, econômico, social, político e cultural em que nosso país está se atolando é reflexo de más escolhas que tão somente repetem modelos já fracassados, como o neodesenvolvimentismo, o neoextrativismo, a financeirização e a reprimarização da economia, bem como o equívoco em reduzir a ideia de inclusão social ao acesso a bens de consumo individual.

Para além da crítica, o livro aponta caminhos, demonstrando que estes caminhos estão mais próximos do que jamais poderíamos imaginar. Estão ao nosso alcance, em nossa alma. Portanto, boa leitura e Bem Viver a todas e a todos. Não temos mais tempo a perder. Vamos caminhar juntos com o planeta.

Nota do Tradutor
“Bom Viver” é a tradução que mais respeita o termo utilizado pelo autor (Buen Vivir ) e também o termo em kíchwa (sumak kawsay), língua da qual nasceu o conceito em sua versão equatoriana. De acordo com o Shimiyukkamu Dicionario Kichwa-Español, publicado pela Casa de Cultura de Ecuador em 2007, sumak se traduz como hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente; kawsay, como vida. Ou seja, buen e sumak são originalmente adjetivos, assim como “bom” – seu melhor sinônimo em português, no caso. Vivir e sumak, por sua vez, são sujeitos.

Contudo, em atenção ao termo utilizado há alguns anos por movimentos sociais brasileiros, decidimos traduzir o título do livro como O Bem Viver, considerando “bem” como advérbio e “viver” como verbo. Como tal escolha – que é política, não linguística – traria alguns prejuízos à tradução e ao sentido da expressão equatoriana (Buen Vivir ), desrespeitando inclusive os significados do conceito indígena em que se inspira, preferimos manter os termos em espanhol quando o autor se refere especificamente ao Bem Viver no Equador. Fizemos o mesmo quando há citações à expressão boliviana, Vivir Bien. Obviamente, também preservamos as palavras em kíchwa, aymara, guarani e outros idiomas tradicionais.

No livro, portanto, o termo Bem Viver aparece quando o autor se refere de maneira geral ao conceito que se propõe a discutir nestas páginas – e que considera “uma oportunidade para imaginar outros mundos”. Afinal, assim como Buen Vivir é usado no Equador e Vivir Bien, na Bolívia, Bem Viver é a expressão em uso no Brasil. Desta forma, a tradução tenta manter-se coerente com os princípios do Bem Viver ao respeitar a pluralidade de expressões utilizadas pelos diferentes povos e culturas para se referir à filosofia política ora em debate.

Tadeu Breda é jornalista e autor do livro-reportagem O Equador é Verde: Rafael Correa e os paradigmas do desenvolvimento (Editora Elefante, 2011).

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