Por Michael Löwy, Giorgos Kallis, Sabrina Fernandes e Bengi Akbulut, em texto publicado no Viento Sur, 30-04-2022. A tradução é do Cepat para IHU, 04.05.2022.
Segue o artigo.
O decrescimento e o ecossocialismo são dois dos movimentos – e propostas – mais importantes do lado radical do espectro ecológico. Evidentemente, nem todos os membros da comunidade do decrescimento se identificam como socialistas, e nem todos os ecossocialistas estão convencidos da conveniência do decrescimento. Mas há uma tendência crescente de respeito mútuo e de convergência. Vamos tentar mapear as grandes áreas de acordo entre nós e listar alguns dos principais argumentos a favor de um decrescimento ecossocialista:
- O capitalismo não pode existir sem crescimento. Necessita de uma expansão permanente da produção e do consumo, da acumulação de capital e da maximização do lucro. Esse processo de crescimento ilimitado, baseado na exploração dos combustíveis fósseis desde o século XVIII, está levando à catástrofe ecológica, às mudanças climáticas e ameaça a extinção da vida no planeta. As vinte e seis Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas dos últimos trinta anos manifestam a total falta de vontade das elites dominantes para interromper o curso em direção ao abismo.
- Qualquer alternativa real a essa dinâmica perversa e destrutiva deve ser radical, ou seja, deve enfrentar as raízes do problema: o sistema capitalista, sua dinâmica exploradora e extrativista e sua busca cega e obsessiva pelo crescimento. O decrescimento ecossocialista é uma dessas alternativas, em confronto direto com o capitalismo e o crescimento. O decrescimento ecossocialista exige a apropriação social dos principais meios de (re)produção e um planejamento democrático, participativo e ecológico. As principais decisões sobre as prioridades de produção e de consumo serão decididas pelas próprias pessoas, a fim de atender às reais necessidades sociais, respeitando os limites ecológicos do planeta. Isso significa que as pessoas, em diferentes escalas, exercem um poder direto de determinar democraticamente o que deve ser produzido, como e quanto; como remunerar os diferentes tipos de atividades produtivas e reprodutivas que sustentam a nós e o planeta. Garantir o bem-estar equitativo para todos não requer um crescimento econômico, mas mudar radicalmente a forma como organizamos a economia e distribuímos a riqueza social.
- Um decrescimento significativo na produção e no consumo é ecologicamente essencial. A primeira e urgente medida é a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, bem como o consumo conspícuo e esbanjador da elite rica do 1%. Desde uma perspectiva ecossocialista, o decrescimento deve ser entendido em termos dialéticos: muitas formas de produção (como as instalações de carvão) e serviços (como a publicidade) devem não apenas ser reduzidas, mas eliminadas; algumas, como os carros particulares ou a pecuária, devem ser substancialmente reduzidas; mas outras precisariam ser desenvolvidas, como a agricultura agroecológica, as energias renováveis, os serviços de saúde e educação, etc. Em setores como saúde e a educação, esse desenvolvimento deveria ser, acima de tudo, qualitativo. Mesmo as atividades mais úteis devem respeitar os limites do planeta; não pode haver uma produção “ilimitada” de qualquer bem.
- O “socialismo” produtivista praticado pela URSS é um beco sem saída. O mesmo vale para o capitalismo “verde”, defendido pelas corporações ou pelos principais “partidos verdes”. O decrescimento ecossocialista é uma tentativa de superar as limitações dos experimentos socialistas e “verdes” do passado.
- É do conhecimento de todos que o Norte Global é historicamente responsável pela maior parte das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Portanto, os países ricos devem assumir a maior parte do processo de decrescimento. Ao mesmo tempo, não acreditamos que o Sul Global deva tentar copiar o modelo produtivista e destrutivo de “desenvolvimento” do Norte, mas deve buscar uma perspectiva diferente, enfatizando as necessidades reais das populações em termos de alimentação, moradia e serviços básicos, em vez de extrair cada vez mais matérias-primas (e combustíveis fósseis) para o mercado capitalista mundial, ou produzir cada vez mais carros para minorias privilegiadas.
- O decrescimento ecossocialista também implica a transformação, mediante um processo de deliberação democrática, dos modelos de consumo existentes – por exemplo, o fim da obsolescência programada e dos bens não reparáveis –; dos modelos de transporte, por exemplo, reduzindo significativamente o transporte de mercadorias por navios e caminhões (graças à realocação da produção), bem como o tráfego aéreo. Em suma, é muito mais do que uma mudança nas formas de propriedade; é uma transformação civilizacional, uma nova “forma de vida” baseada nos valores da solidariedade, democracia, igualdade-liberdade e respeito pela Terra. O decrescimento ecossocialista sinaliza uma nova civilização que rompe com o produtivismo e o consumismo, em prol da redução do tempo de trabalho e, portanto, de mais tempo livre dedicado às atividades sociais, políticas, recreativas, artísticas, lúdicas e eróticas.
- O decrescimento ecossocialista só pode vencer através de um confronto com a oligarquia fóssil e as classes dominantes que controlam o poder político e econômico. Quem é o sujeito desta luta? Não podemos superar o sistema sem a participação ativa da classe trabalhadora urbana e rural, que compõe a maioria da população e já está sofrendo o peso das mazelas sociais e ecológicas do capitalismo. Mas também temos que ampliar a definição da classe trabalhadora para incluir aquelas parcelas da população responsáveis pela reprodução social e ecológica, as forças que estão agora na vanguarda das mobilizações ecossociais: as jovens, as mulheres, os povos indígenas e as mulheres camponesas. Uma nova consciência social e ecológica emergirá através do processo de auto-organização e resistência ativa das exploradas e oprimidas.
- O decrescimento ecossocialista faz parte da família mais ampla de outros movimentos ambientais radicais e antissistêmicos: o ecofeminismo, a ecologia social, o Sumak Kawsay (o “Bem Viver” indígena), o ecologismo dos pobres, a Blockadia, o Green New Deal (em suas versões mais críticas), entre muitos outros. Não buscamos nenhuma primazia, apenas pensamos que o ecossocialismo e o decrescimento têm um marco diagnóstico e prognóstico compartilhado e poderoso para oferecer a esses movimentos. O diálogo e a ação comum são tarefas urgentes na dramática conjuntura atual.