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Os opositores de Francisco também estão no Brasil?

Por Jorge Alexandre Alves

São dias difíceis para a Igreja Católica. Além de graves problemas internos, como os escândalos relacionados aos abusos sexuais e a pedofilia, envolvendo até padres e bispos, temos hoje poderosas forças contrárias à sua missão fundamental – O seguimento de Jesus de Nazaré, a fidelidade ao Evangelho e o anúncio do Reino de Deus. Estes grupos estão cada vez mais ousados, explícitos, acessando recursos financeiros abundantes. Os que desejam ver o catolicismo distante das grandes questões de nossa época e omisso em relação as mazelas de nosso mundo estão cada vez mais inquietas, dentro e fora das sacristias e dos salões paroquiais.

Em escala internacional voltam-se contra aquele que, liderando a “Barca de Pedro”, aponta seu leme para outra direção. Hoje são muitas vozes dissonantes e descontentes que se voltam contra Francisco. Vozes estas que não se conformam com o protagonismo do Papa em escala global numa época de apequenamento das lideranças mundiais.Atualmente, temos um mundo em crise multifacetada, e parte dela é provocada pelos que gostariam de ver Bergoglio morto ou recluso em um convento na Patagônia, bem no fim do mundo.

Nestes tempos de gravíssimos problemas humanitários em todo mundo, crise migratória sem precedentes (busquem informações sobre o campo de Moria, na ilha de Lesbos – Grécia, por exemplo), severos danos ambientais e problemas econômicos globais, o Bispo de Roma, o Papa das periferias desponta como um gigante em meio a presidentes e ministros de baixíssima estatura moral, que politicamente se comportam como ratos. Em condições normais, Bergoglio já seria grande. Na atual conjuntura, parece ser a único a se portar comoum verdadeiro estadista.

Por causa da ênfase que coloca na misericórdia, por servir aos pobres, por se colocar em posição de diálogo e escuta, Francisco incomoda segmentos no interior da Igreja. Cheios de si, consideram-se arautos da moralidade cristã, cruzados da contemporaneidade, inquisidores da fé alheia. Publicamente se comportam como ressentidos cheios de recalque. Destilando seu veneno que nada tem a ver com o Evangelho, parecem queestão acertando as contas contra todos os que não adotam seu estilo de vida hipócrita e nem a sua moral de sepulcros caiados. Vociferam contra os que rejeitam suas liturgias pesadas e escravas de uma hipertrofia de formalismos rituais,de adereços, de panos e tecidos.

Dentro da Igreja também resistem ao magistério do Papa aqueles que entendem a fé como catarse emocional. Preocupam-se apenas com melosas melodias, com louvores intimistas, parecendo muitas vezes negar o sentido mais profundo da cruz. Preferem esperar do céu um poder mágico de cura imediata para os males do corpo e as carências da alma.

Em ambos os casos, são saudosos de tempos passados nos quais se entendia o Cristianismo como cristandade. Onde autoridades religiosas determinavam a vida civil. Ou radicalizam elementos do pentecostalismo ou se agarram a uma visão tridentina de Igreja, quando não sincretizam contraditoriamente essas coisas. São integristas, tridentinos ou pentecostais-tridentinos. Flertam com a intolerância religiosa e com o fanatismo cego. São fundamentalistas católicos (infelizmente eles existem…), catholichaters, ou catolibãs. Foi desse meio que saiu um manifesto com 1500 signatários pedindo aos bispos que declarem o Papa Francisco como herege e que ele seja destituído de suas funções. Usam a cruz como arma e desejam poder reinstaurar o tribunal da Santa Inquisição.

Com efeito, aqueles que preferem uma Igreja pentecostal-tridentina não parecem muito preocupados com o fundamento central da mensagem dos Evangelhos, a Boa-Nova do Reino de Deus. Mais importante para estes são os formalismos, as normas, os artigos do Direito Canônico, as rubricas na liturgia ou o apelo ao êxtase e à catarse emocional. Escolhem o conforto das sacristias e das casas paroquiais ao calor das periferias e do contato humano. Estão mais preocupados em condenar e em caçar hereges do que com a acolhida, o diálogo, a escuta e a misericórdia. Preferem se parecer com cruzados medievais do que ser como os “Franciscos”: o de Assis, no passado; e o de Roma, hoje em dia. Desprezam o conhecimento da Fé e idolatram a ignorância vazia dos fundamentalistas.

Na esfera política, a oposição a Francisco é cada vez mais explícita e articulada. Os que se opõem eclesialmente ao Bispo de Roma ou financiam ou estão cada vez mais próximos dos inimigos políticos do Pontífice e da Igreja. Um largo espectro político que vai de ultraliberais a neofascistas, passando por conservadores de todas as colorações, se antepõe ao magistério do Sucessor de Pedro.

Nesse ambiente, movimentando-se por detrás desse conservadorismo, articulando vozes, ideias e financiamento contra a liderança do Sucessor de Pedro, está a nefasta figura de Steve Bannon. O mesmo operador que, por detrás da manipulação de ideias via aplicativo de mensagens, e usando mentiras escandalosas (as “fake news”), provocou a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e elegeu Donald Trump presidente dos Estados Unidos.Importando para a política sofisticados mecanismos capazes de analisar grande quantidade de dados no mercado financeiro, Bannon percebeu que essa tecnologia poderia traçar perfis psicológicos das pessoas. Com tais informações, seria possível construir um determinado tipo de mensagem, capaz de provocar uma certa forma de histeria coletiva e de hipnose política, induzindo a população a apoiar determinado perfil político. Esse tipo de mecanismo perverso também foi usado nas eleições brasileiras de 2018 (lembram-se do kit gay?), beneficiando o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro.

Recentemente, a imprensa italiana noticiou que Bannon consideravaFrancisco um inimigo, e que orientou autoridades do governo da Itália a criticarem o Papa. Não por acaso, Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro italiano, apareceu em público dizendo que as posições papais sobre os imigrantes eramequivocadas, e vestiu uma camisa na qual estava escrito “Meu Papa é Bento”. Cardeais (como o “esvoaçante” Raymond Burke) e membros da Cúria Romana também hoje cerram fileiras nas ideias e no dinheiro de Steve Bannon. Considerando as relações muito próximas dessa figura sombria com o grupo que hoje governa o Brasil, nada impede de acreditarmos que a “primeira família” esteja inscrita nesse esforço anti-Bergoglio.

Se considerarmos que muitos católicos apoiaram Bolsonaro, estes avalizaram uma figura que adota posturas extremamente opostas as posições de Francisco. Além disso, é aliado de indivíduos e setores que fazem oposição ao Papa. Dentro e fora da Igreja. Isso nos coloca diante de uma enorme contradição: Aquelas pessoas e grupos que se consideram mais católicos do que a média, mais fiéis aos ensinamentos da Igreja, mais devotos ajudaram a eleger alguém que é aliado a quem mais se opõe ao Bispo de Roma. Exatamente porque ele age com fidelidade ao Evangelho. E também porque Francisco tenta retomar o caminho de São João XXIII e Paulo VI, que se perdeu após um longo inverno de 35 anos…

Hoje nos encontramos em uma conjuntura politicamente complicada e muito desfavorável para o povo de Deus em geral, sobretudo para os mais pobres e esquecidos. Neste contexto, tais bloqueios ao magistério papal constituem um gravíssimo empecilho para que a Igreja se lance em direção às periferias existenciais. Mais que isso, aqueles que “torcem o nariz” para o Pontífice impedem, neste momento grave da vida nacional, o exercício da missão profética da Igreja, a de denunciar as injustiças e anunciar o Reino de Deus.

No contexto brasileiro, silenciar os ensinamentos de Francisco representa contribuir (ainda que indiretamente) para o ódio como arma política, para a violência como prática social e para aumentar a dor daqueles que mais sofrem neste momento. Em outras palavras, trata-se de negar a essência fundamental do seguimento de Jesus: O Amor que se traduz na construção da Paz enquanto fruto da Justiça, a partir do clamor dos pobres.

É nesse momento dramático para o mundo, para o Brasil e para a Igreja que acontece as eleições para a CNBB, dentro da sua assembleia anual. Aqueles que dirigirão a mais antiga e pioneira conferência episcopal terão a responsabilidade de conduzir o rebanho católico em meio a turbulências e crises pelos próximos 4 anos. Até agora os bispos ainda não se manifestaram sobre a gravíssima acusação feita ao Papa. Como a reunião do episcopado ainda não acabou, ainda podemos contar que alguma manifestação de apoio há de ser feita. Contudo, não podemos deixar de nos perguntar se, caso estivéssemos na época de Wojtyla ou Ratzinger, esse silêncio estaria acontecendo? Será que as vozes dissidentes em relação ao Bispo de Roma resolveram “sair do armário”?

A oposição à Francisco na Igreja do Brasil até há pouco se movimentou silenciosamente. Se olhássemos superficialmente, “por alto”, nãoseria possível perceber a sutileza de seus passos. Mas ela já estava presente, embora atuasse se esgueirando pelas sombras. Ela agia lentamente, mas com força o suficiente para represar a correnteza das mudanças propostas pelo bispo de Roma em terras brasileiras.

Não nos cabe apontar nomes, mas podemos indicar onde se fazem presentes e como estão embarreirando o magistério de Francisco no Brasil.  Aqui podemos levantar alguns eventos recentes que, para quem entende um pouco dos sutis jogos de poder eclesiásticos, soa constrangedor para a Igreja do Brasil. Segmentos conservadores da Igreja foram responsáveis por trazer um dos maiores opositores do Papa ao Brasil nesses dias. Gerhard Müller, cardeal alemão, veio ao Brasil a pretexto de participar de debates acadêmicos e de lançar coletâneas das obras do Bispo Emérito de Roma.Com apoio de alguns dos prelados das maiores dioceses brasileiras, o Cardeal Müller esteve em eventos supostamente acadêmicos em 4 cidades brasileiras, sem contar missas e encontros com padres e bispos.

O ex-prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé havia publicado em janeiro um “manifesto de fé”, no qual ataca frontalmente o magistério de Francisco, sobremaneira a exortação papal AmorisLaetitia. Ora, aqueles que trazem esse cardeal ao Brasil, custeando suas despesas, recebendo-o em cúrias e centros pastorais universitários, resolveram expor publicamente seu desagrado com o Bispo de Roma? Será que essa articulação de oposição ao Sucessor de Pedro já não está em curso, interferindo até em algumas nomeações episcopais recentes? Vale ressaltar que a divulgação de obras teológicas não é crime e nem pecado. Mas diante da atual conjuntura eclesial e de uma assembleia episcopal tão importante, esse momento é o mais adequado?

Houve cardeal brasileiro escrevendo a todos os padres de sua diocese, “convidando-os” a assistirem as preleções de dom Müller. Isso às vésperas da assembleia da CNBB!!!! Aliás, o bispo alemão esteve no Santuário Nacional de Aparecida na noite anterior ao começo da reunião anual dos bispos. Embora o prelado alemão não tenha se pronunciado em público sobre a cúpula da Igreja, o que pode ter sido dito em conversas de bastidores? Qual o simbolismo de se fazer um evento sobre a teologia do Bispo Emérito de Roma as vésperas de um encontro importante, que definirá os rumos do catolicismo brasileiro para os próximos quatros anos? Seria infundado suspeitar que todo esse jogo de cena com o cardeal Müller não quis indicar outro caminho à CNBB, na contramão do Bispo de Roma? Será que já não começaram as articulações para o conclave que elegerá o sucessor de Francisco? Estarão os inimigos do Papa articulando um futuro Pio XIII, Bento XVII ou João Paulo III? Se isso estiver de fato ocorrendo, quem estará garantindo os recursos desse lobby?

Mesmo nos piores momentos das relações entre a Santa Sé e a CNBB nos anos 1980, bispos como Paulo Evaristo Arns, Aloísio Lorscheider, Waldir Calheiros, Luciano Mendes de Almeida, verdadeiros homens de Igreja, tiverem esse tipo de comportamento. Outros tempos… Por isso, soa ostensivo demais dar voz ao magistério de um Papa Emérito – ainda que tenha sido eminente teólogo – mas que prometeu se retirar para uma vida monástica e silenciar sobre os assuntos da Igreja. Aliás, Ratzinger quebrou seu juramento e publicou um artigo em uma revista clerical alemã culpando a teologia moral do Concílio Vaticano II pelos escândalos sexuais na Igreja. Acusa injustamente os religiosos homossexuais e as mudanças de costumes do final da década de 60 do século XX pela pedofilia na Igreja. O Bispo Emérito de Roma comete grave erro histórico, uma vez que crimes sexuais infelizmente já eram cometidos na Igreja no século muito tempo antes do Concílio.

Existem questões muito sérias que envolvem essas eleições para a direção da CNBB. Bispos pouco afeitos ao magistério de Francisco podem desautorizar a ação pastoral de entidades importantes na defesa dos direitos humanos. Sabemos que isso agradaria bastante ao governo federal. Portanto, sabendo do histórico de Steve Bannon de sua influência em eleições e de suas articulações político-eclesiais, resta-nos confiar que, as vésperas da mais importante eleição para a direção da CNBB na história recente, mensagens subliminares, conteúdos falsos e inverdades enviadas por aplicativos de mensagens não influenciem equivocadamente nosso episcopado. Da mesma forma, apesar do grande receio que preenche muitos corações, que as fake news dos catolibãs não interfiram no próximo conclave.

Que Francisco continue a frente da Igreja por muito tempo. Que seja tempo suficiente para terminar sua missão e reformar a Igreja. Vida longa ao Papa!

* Jorge Alexandre Alves é sociólogo, professor do IFRJ e participante do Movimento Fé e Política.

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5 Comentários

  1. Excelente o artigo do prof. Jorge A. Alves. O catolicismo conservador cada vez mais se afigura compactadores frontais e crônicos da mensagem de Cristo nos evangelhos. É por isso que, em lugares onde as pessoas têm boa formação escolar, como no continente europeu, o catolicismo vai caminhando para extinção. Que bom ! Ou a Igreja tem compromisso visceral com a mensagem dos evangelhos, ou não tem razão alguma para existir.

  2. Muito bom este artigo, bastante fundamentado, venho observando está prática no meio dos fiéis. Sou professor de História e membro da RCC, percebo que as pessoas tem usado a religião para justificar e sedimentar sua alienação, perderam o foco do evangelho preferencial aos pobres, estão pregando um catolicismo centrado mais no capitalismo e num conservadorismo que não cabe mais em nosso mundo atual, parece que estão na era da inquisição.

  3. Mas com certeza algumas pessoas cultivaram a semente da Boa Nova de Jesus e a frutificou neste vasto continente. Ele disse que as palavras dele não passariam.

  4. Muito bom o artigo. Parabéns! Com as devidas cautelas ao omitir nomes, aponta por onde anda a conspiração eclesiástica contra o Papa da Igreja em saída.

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