Assim são a Fé e a Política
As duas contêm o mesmo “oxigênio”: o Espírito de Deus que tudo anima na direção do Reino. E assim como as duas visam a libertar, também podem servir para dominar, como a fé dos fariseus ou a política dos opressores. Fé e política não são a mesma coisa. A fé é o oxigênio que o Senhor nos dá. Como diz o apóstolo Paulo, por ela captamos a presença de Deus no qual “somos, existimos e nos movemos”. Assim como o ar nos dá vida, a fé nos faz participantes da vida de Deus. Por ela somos integrados à comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
A política é uma ferramenta de construção do Reino, diferente da fé. Ela tem algo que não é próprio da fé: o “hidrogênio” das análises da realidade e das estratégias de luta.
Este é o 1º mandamento: A fé e a política se destinam ao mesmo objetivo de realizar o projeto de Deus na história. Mas não são a mesma coisa, são diferentes.
Para reflexão em grupo:
- Qual o projeto de Deus na história?
- Como a fé e a política podem ajudar a construir um mundo melhor?
2º – Não há água sem oxigênio. Se alguém tirar o oxigênio da água ela deixa de ser matéria líquida, vira gás de oxigênio e gás de hidrogênio. Assim, não há fé sem política.
A fé é um dom encarnado. No céu não teremos fé, pois veremos o Pai face a face. Toda vivência de fé é vivência de uma comunidade politicamente situada. Quando a comunidade cristã afirma que só faz religião, e que não se mistura fé com política, é porque não sabe o que diz, ou mente para encobrir com a fé os seus reais interesses políticos. Toda comunidade cristã aparentemente apolítica só favorece a política dominante. Passa cheque em branco aos políticos que se encontram no poder.
Jesus, em razão da sua fé, morreu assassinado como prisioneiro político. Como Jesus, o cristão deve viver sua fé no compromisso libertador com os oprimidos. Seja qual for o modo de o cristão viver este compromisso evangélico, ele sempre terá consequências políticas.
Este é o 2º mandamento: A vivência da fé é necessariamente política. Ela pode sacralizar a opressão ou iluminar a libertação.
Para reflexão em grupo:
- Você conhece algum fato que sirva de exemplo para as duas realidades?
3º – O ar que respiramos não custa nada. É de graça. Assim é a fé: dom de Deus. Para respirar, basta ter as narinas abertas. Para acolher a fé, basta ter ouvidos e coração abertos a Deus, ao próximo, ao amor. Pela fé participamos do projeto de Deus na história humana.
A água não é de graça. Custa dinheiro, exigem-se técnicos e ciência para obtê-la. Assim é a política: não é dom de Deus, é um aprendizado. Exige conhecimento de suas regras, de sua história, de seu programa, de seus objetivos. Pela política, participamos do projeto humano de construção de uma sociedade melhor.
Este é o 3º mandamento: A fé é um dom que nos vem de Deus através da Igreja, da comunidade dos que creem. A política é uma ferramenta que exige aprendizado. É arriscado improvisar na política.
Para reflexão em grupo:
- Como aprender a atuar na política?
4º – O ar que respiramos e a água que bebemos podem ficar poluídos. Perdem a pureza se contaminados por micróbios e bactérias quando não são bem tratados.
Uma política voltada contra o povo pode poluir a fé. E uma fé desencarnada, legalista, contrária aos direitos dos empobrecidos, contamina a política.
Assim acontece com a fé e a política.
Este é o 4º mandamento: Uma política contrária aos direitos do povo faz da fé expressão de uma religião “ópio do povo”. Esta religião só ajuda os interesses dos opressores.
Para reflexão em grupo:
- Como a religião tem ajudado os opressores?
- Como tem ajudado os oprimidos, excluídos?
5º – A água não pode existir sem união do oxigênio com o hidrogênio. Mas o ar que respiramos não necessita e não contém quase nenhum hidrogênio. Porém, o que seria da nossa vida se não houvesse o sol?
O sol é um imenso balão de hidrogênio em combustão, isto é, uma bola de fogo, mais de um milhão de vezes maior do que a Terra.
Assim a política pode ser bem feita por quem não tem fé. E nem sempre os que têm fé fazem política bem feita. O Concílio Vaticano II reconheceu a autonomia da política. Autônomo é o que tem movimento próprio. Um ateu pode fazer uma política justa, favorável aos oprimidos.
Porém, a fé é o sol que desponta no horizonte da política. Isso não significa que deve haver “política cristã”. Deve haver uma política justa, democrática, voltada para a maioria. Uma política assim inevitavelmente deverá se encontrar com as verdades da fé. Aliás, isso já acontece cada vez que a política realiza na sociedade os valores evangélicos: libertação dos pobres e construção da sociedade fraterna, sem desigualdades.
Este é o 5º mandamento: A política é autônoma, não depende da fé. Mas uma política popular caminha necessariamente na direção do horizonte apontado pela fé.
Para reflexão em grupo:
- Você participa de algum movimento que não seja da Igreja? Qual?
- Como a fé ajuda nesta participação?
6º – O ar enche os pulmões e envia oxigênio para alimentar o nosso organismo. Mas o ar não serve para lavar as mãos.
A água limpa o corpo mas não serve para se respirar. Sem balão de oxigênio, o mergulhador morre afogado no fundo do mar.
Assim, a fé não tem receitas para resolver administrativamente problemas como a dívida externa, a reforma agrária, a moradia ou a saúde pública. Isso é tarefa da política. A fé mostra o sentido da política: dar vida a todos. Mas o jeito de dar vida depende da linha da política. Se for uma política injusta, poucos terão vida à custa da morte de muitos, como ocorre no capitalismo.
A política é a estrada e a fé, o mapa da estrada. Sem mapa fica difícil construir uma estrada que conduza ao Reino. Sem estrada, o mapa fica no papel.
Este é o 6º mandamento: Fé e política são instâncias diferentes que se completam na prática da vida.
Para reflexão em grupo:
- Contar fatos que ilustrem este mandamento.
7º – Para ser puros e saudáveis, o ar e a água precisam ser tratados. Por isso, os hospitais oferecem oxigênio puro aos pacientes. E nas casas a água deve ser fervida ou filtrada antes de ser tomada. Do mesmo jeito, a fé exige participação na comunidade para ser evangélica. E a política exige participação nas lutas populares e o estudo dos problemas sociais para ser consequente.
Este é o 7º mandamento: A fé é “tratada” na Igreja, onde é celebrada, anunciada e refletida. A política é melhor “tratada” nos movimentos populares, sindicais e nos partidos que assumem os direitos dos oprimidos e excluídos.
Para refletir em grupo:
- Qual a importância da participação na Igreja e na política?
- Porque há conflitos quando uma pessoa quer participar de ambos?
8º – Todo mundo respira o ar, mas nem todos tomam banho diariamente e do mesmo jeito. Assim, na Igreja os cristãos têm na fé o ar comum que todos respiram. Mas na hora de levar para a prática os valores da fé, nem todos agem do mesmo jeito e na mesma direção.
A água é sempre a mesma, o jeito de usá-la é que varia. Assim, é preciso não exigir na política o mesmo consenso que há na Igreja em torno da fé. Quando o cristão ingressa na esfera da política, não deve esperar que todos estejam mais ou menos de acordo, como parece acontecer na comunidade eclesial. Assim como a água pode conter bactérias, sal ou cloro, a política tem ideologias, tendências, grupos de pressão e ambições pessoais ou de grupos.
Na política, cada uma de suas esferas – a dos movimentos populares, a sindical ou a partidária – tem seu jeito próprio, sua especificidade, seus critérios, sua linguagem própria.
Quem passa de uma esfera a outra sem estar atento a essas diferenças, acaba quebrando a cara.
Este é o 8º mandamento: Não devemos confundir a esfera da explicitação religiosa da fé, a Igreja, com as esferas políticas. Mas embora diferentes, são complementares.
Para reflexão em grupo:
- Como, na sua participação, fé e política se complementam?
9º – Se o rio fica sujo, poluído, o oxigênio da água diminui e os peixes morrem asfixiados. A água do rio necessita da pureza do oxigênio para preservar a vida.
Assim acontece com a política: ela precisa dos valores evangélicos para não ficar poluída.
Valores como direitos dos necessitados, vida para todos, partilha de bens, poder como serviço e outros. Sem esses valores a política vira politicagem, e a corrupção mata o projeto da vida. Isso não significa que a política deva ser feita em nome da fé. Ela deve ser feita em nome do amor, da verdade e da justiça aos oprimidos e excluídos.
Este é o 9º mandamento: A fé cristã contém valores que criticam e norteiam a atividade política.
Para reflexão em grupo:
Quais são esses valores?
- Eles conseguem, de fato, atingir e nortear a atividade política?
10º – Para ser pura, a água exige cuidados ou tratamento. Assim, para ser popular a política exige mediações (meios): vinculação com a luta popular, reflexão e análise dos problemas, teoria política, conhecimento da história das forças políticas etc.
O ar é à vontade. Mas se a pessoa não faz exercícios, não anda, o pulmão começa a diminuir e fica atrofiado. A pessoa fica sem resistência. O mesmo acontece com a vida de fé: se não participamos da comunidade, dos sacramentos, da leitura da Bíblia, das celebrações e orações, a nossa fé vai ficando fraca, atrofiada.
Este é o 10º mandamento: A política é tanto mais popular quanto mais a gente se encontra ligado à luta do povo. A fé é tanto mais evangélica quanto mais a gente se liga ao Deus da vida através da comunidade cristã.
Para reflexão em grupo:
Vamos participar no grupo e dizer como cada um se sente ligado à luta do povo e à construção do projeto do Deus da vida.
Sem essas amarras ao grande navio da libertação, o nosso bote fica à deriva, solto entre as ondas do imprevisto e acaba perdendo o rumo.
Em resumo:
1º – A fé e a política se destinam ao mesmo objetivo de realizar o projeto de Deus na história. Mas não são a mesma coisa.
2º – A vivência da fé é necessariamente política.
3º – A fé é um dom que nos vem de Deus através da Igreja, da comunidade dos que creem. A política é uma ferramenta que exige aprendizado.
4º – Uma política contrária aos direitos do povo faz da fé expressão de uma religião “ópio do povo”.
5º – A política é autônoma, não depende da fé.
6º – A fé e a política são instâncias diferentes que se completam na prática da vida.
7º – A fé é “tratada” na Igreja, onde é celebrada, anunciada e refletida. A política é melhor “tratada” nos movimentos populares, sindicais e nos partidos que assumem os direitos dos oprimidos.
8º – Não devemos confundir a esfera da explicitação religiosa da fé, a Igreja, com as esferas da política. Mas embora diferentes, são complementares.
9º – A fé cristã contém valores que criticam e norteiam a atividade política.
10º – A política é tanto mais popular quanto mais a gente se encontra ligado à luta do povo. A fé é tanto mais evangélica quanto mais a gente se liga ao Deus da vida através da comunidade cristã.