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LEÃO OU ESFINGE?
Por Jorge Alexandre Alves
No momento presente, classificar pessoas ou grupos rapidamente têm sido quase uma obsessão das pessoas. Ainda mais nas redes digitais. É o que está acontecendo com Leão XIV, desde quando apareceu pela primeira vez na sacada da Basílica de São Pedro. Não é por acaso, considerando o papel geopolítico da Igreja Católica.
Neste começo de pontificado, a direita católica está dividida. Aliás, engana-se quem pensa que o catolicismo é algo uniforme. Consequentemente, o campo conservador também.
Nele estão extremistas pentecostais-católicos, defensores de suposto purismo ritual de séculos passados, “viúvas” da cristandade medieval ou do Concílio de Trento, fundamentalistas bíblicos, (ultra)tradicionalistas, intolerantes religiosos e grupos que entendem que o papel da religião no mundo é exclusivamente espiritual. E, não tão raro, tudo isso junto e misturado.
Hoje, o que une quase todos esses grupos é a política. Tais laços ideológicos também os vinculam, por hora, com segmentos do campo evangélico os quais detestavam poucas décadas atrás. É o fenômeno da necrorreligião, um dos pilares de sustentação da necropolítica vigente em nosso tempo.
Independente da fragmentação do conservadorismo católico, há certa divisão entre os também chamados ultracatólicos quanto ao Papa Leão XIV. Segmentos norteamericanos já chamaram Prevost de “woke” e de “marxista”. E estão escandalizados por ele já ter criticado ou corrigido publicamente Trump e seu vice, Vance.
No Brasil, há “influencers” e grupos ultraconservadores que adotaram postura distinta. Essa fração do conservadorismo tenta convencer a opinião pública católica, pedindo um “voto de confiança” a Leão porque ele, em tese, não seria tão progressista quanto Bergoglio. Em outras palavras, “querem ganhar a narrativa” sobre os fatos.
O atual pontificado está ainda no começo. Quem se arriscar em vaticinar algo em definitivo sobre Leão e seu ministério papal neste momento, corre sério risco de precipitação e perder credibilidade.
A Igreja Católica é um enorme transatlântico. Alguns, mais ácidos, diriam que ela mais se parece com um gigantesco paquiderme. Seja lá qual for a analogia, trata-se de uma instituição que não costuma dar “cavalos-de-pau” ou guinadas bruscas em sua história milenar.
Até agora, temos o passado de Prevost como religioso e bispo, que indica uma simplicidade no cotidiano e uma presença junto do Povo de Deus. Após sua eleição como Bispo de Roma, surgem aqui e ali alguns sinais sobre como será este pontificado.
Certos analistas estão apontando contradições nestes simbolismos. Mas é preciso esperar as primeiras ações deste Papa no governo do rebanho católico para avaliar com mais propriedade e consistência. De concreto neste momento, temos o reiterado chamamento de Leão XIV à construção da paz no mundo e suas preocupações com o mundo do trabalho na era digital.
Além disso, vale ressaltar que o nome escolhido por um pontífice revela suas intenções de governo. Desse modo, se Prevost desejasse dar uma guinada de 180 ⁰C na condução da “Barca de Pedro”, teria adotado outro nome, como Gregório XVII, Pio XIII, João Paulo III ou Bento XVII.
É necessário pontuar que existem uma série de elementos “ad intra” que não são perceptíveis para o grande público não católico. Questões como a configuração dos ritos litúrgicos católicos, a formação dos padres, a vida das ordens religiosas e a escolha dos bispos são temáticas que podem indicar qual caminho o novo Pontífice tomará. Entretanto, somente quem vive o cotidiano do catolicismo, os pesquisadores e conhecedores dos meandros da Igreja perceberá tais movimentos. A imprensa em geral costuma falar “groselha” (como diriam estudantes do Ensino Médio) sobre esses aspectos.
Se Leão XIV estivesse substituindo Ratzinger ou Wojtyla, ninguém teria dúvidas em dizer que ele é progressista. Acontece que Francisco aumentou muito o “sarrafo”. Devolveu credibilidade a um catolicismo combalido e desacreditado no mundo globalizado por causa de uma sucessão de escândalos. A Igreja havia deixado de ser uma voz relevante no cenário internacional. Bergoglio não apenas devolveu à Igreja sua credibilidade, como foi considerado por muitos a única liderança global de fato nesta primeira quadra do século XXI. Um estadista.
Francisco, dentro e fora do catolicismo, elevou demais as expectativas sobre a figura do Papa. O papado mudou de patamar e o “sarrafo” está em lugar bem mais alto. Leão XIV terá que lidar com a ingrata situação de estar sob o escrutínio público tendo Francisco como régua.
Não apenas o Bispo de Roma será avaliado pelos parâmetros estabelecidos pelo antecessor argentino. Católicos e quem tem algum interesse no tema também estarão observando o novo pontificado tendo Bergoglio como parâmetro.
Por outro lado, entender para onde vai o catolicismo é fundamental neste momento histórico. É uma época de ressurgimento do ultranacionalismo, de profundos antagonismos que produzem divisão política. Esse contexto permite que a religião cada vez mais ocupe espaço na esfera pública, muitas vezes atacando a laicidade do Estado.
Em razão de todas essas particularidades, Leão XIV ainda é uma esfinge. Na era digital, marcada pela velocidade da informação, pela primazia da imagem e pela superficialidade, é preciso ter cautela.
O tempo é o senhor da razão. Juízos precipitados e superficiais podem até ganhar visibilidade nas redes. Todavia, quem se propor a isso está sob o risco de, na pressa em decifrar Leão, ser devorado pela esfinge…
* Jorge Alexandre Alves é Sociólogo, Professor do IFRJ e integra o Movimento Fé e Política no RJ.