A Reforma da Previdência era para diminuir as desigualdades e acabar com os privilégios?
Por Ivo Lesbaupin, 16/12/2019
Vamos lembrar o que nos foi dito sobre a Reforma da Previdência: ela era fundamental para acabar com o “rombo”, reduzir os gastos e tornar o sistema sustentável.
Disseram-nos que um dos problemas da Previdência Social era que os brasileiros se aposentavam mais cedo que nos demais países. Pois bem, na nova Previdência aprovada esta semana, os militares não terão idade mínima obrigatória para se aposentar.
Também nos disseram que o percentual do salário de contribuição recebido como benefício após a aposentadoria era considerado alto, para os padrões internacionais. Pois bem, segundo a Reforma recém aprovada, os militares da reserva e pensionistas continuam com direito à integralidade (último salário da carreira) e paridade (mesmo reajuste salarial dos ativos). Para o servidor federal, a integralidade e a paridade acabaram com a Reforma do Previdência do setor público de 2003 (governo Lula). E o teto do INSS já está valendo para estes servidores desde 2013.
A alíquota de contribuição dos militares subirá de 7,5% para 9,5% a partir de março de 2020 e, em janeiro de 2021, a alíquota passará para 10,5%. Já no caso dos servidores federais, estes contribuirão com alíquotas entre 7,5% e 22%, dependendo da faixa de salário. Um salário de R$ 2.001,00 pagará 12% para a previdência, mais que qualquer militar.
Outro objetivo da Reforma da Previdência era reduzir a desigualdade na distribuição dos recursos, minimizando privilégios concedidos a determinados grupos sociais. Pois bem, os militares vão manter privilégios.
E vão ter novas vantagens, graças à reestruturação da carreira nas Forças Armadas: aumento nas gratificações (incidentes sobre os soldos); habilitação militar (por cursos realizados); disponibilidade militar (nova gratificação, com percentuais que variam entre 5% e 32%, de acordo com a patente); representação (adicional de 10% pago a militares em função de comando, direção e chefia).
E reajuste no soldo: soldados: 3,77%; alunos em escola de formação: 13,44%; ajuda de custo na transferência para a reserva: o valor que correspondia a quatro vezes o soldo dobrará para oito vezes.
É bem diferente o caso da Reforma da Previdência promulgada em novembro (para o setor privado e servidores civis): com os novos parâmetros, os segmentos populacionais concernidos, em menor ou maior grau, passarão a se aposentar mais tarde e a contribuir por mais tempo; a recolher contribuições maiores; e a receber benefícios menores e sem garantia de correção automática pela inflação anual.
Na avaliação do governo federal, a reforma do sistema de proteção social dos militares é autossustentável. O Ministério da Economia estima que a União terá uma economia de R$ 10,45 bilhões em dez anos.
Comparando com a economia que será feita com a Reforma da Previdência do setor privado e servidores federais, de cerca de R$ 800 bilhões, a Reforma dos militares corresponde a 1,3%, praticamente nada. A explicação do governo é que as mudanças na aposentadoria economizarão R$ 97,3 bilhões, mas a reestruturação custará R$ 86,85 bilhões.
Concluindo: a Reforma da Previdência dos militares não foi feita para reduzir gastos nem tampouco para acabar com privilégios. Ao contrário, ela institui novos privilégios para esta categoria. É o único setor social que vai melhorar os salários através da Reforma da Previdência. Nenhum outro setor – público ou privado – teve direito a esta benesse.
A pergunta que não quer calar é: “por que”? Porque é um setor que tem um trabalho insalubre, arriscado? Alguns poderiam dizer que sim, que os militares se arriscam porque podem ser feridos ou mortos, numa eventual guerra. Mas nós não temos guerra há mais de cem anos e não costumamos intervir em outros países, como fazem os EUA, por exemplo.
Então, o que justifica este privilégio, este tratamento diferenciado? Enquanto os trabalhadores do setor privado e os servidores civis tiveram perdas em seus direitos e cortes em suas aposentadorias, aumento da idade mínima, redução de pensões, etc., os militares serão poupados destes dissabores. Não nos foi dito que todos tinham de contribuir com a sua cota de sacrifício?
Segue-se a conclusão: se podemos não limitar os benefícios para um setor social, o déficit não era tão grande como nos disseram. A Reforma recém aprovada transmite a ideia de que a situação não era grave, pois há recursos.
Ou, talvez, uma conclusão diferente: os benefícios ganhos pelos militares serão pagos pelos demais setores da sociedade (trabalhadores do setor privado e servidores civis). Somente assim se poderá dizer que a Reforma da Previdência (considerados todos os setores) gerará economia e deterá o famoso “rombo”.
A ideia de que os militares são melhores que os civis não resiste a uma análise mais detida. Diante da possibilidade de manter (ou aumentar) privilégios, não hesitam em batalhar para conseguir o melhor para sua corporação, pouco importando o prejuízo para os demais.