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Dom Sergio Castriani: Democracia apesar de tudo

 

Está virando moda, em certos grupos, pedir a volta da ditadura militar e a reedição do AI 5, para resolver os problemas nacionais. Eu me pergunto se isto é para se levar a sério ou é uma brincadeira de mau gosto, ou se há outros interesses escusos por trás. A democracia possibilita estas manifestações contra a ordem estabelecida, mas preocupa ver pessoas que são o que são por causa dos processos democráticos de chegada ao poder agindo contra a ordem democrática. O povo brasileiro tomou a taça amarga da ditadura durante vinte anos, no século passado. Vivemos o drama dos desaparecidos, da tortura por parte do Estado, toda uma geração perdida em termos de formação de lideranças. Isto tudo aconteceu e foi a duras penas que voltamos a ordem democrática.

Continuamos, no entanto, sendo um país de corruptos que se apossam da política, fazendo dela um balcão de negócios. Somos uma nação injusta. Uma parte da população está excluída da economia, quando o país tem potencial para integrar a todos. Enquanto uma elite tem acesso à tecnologia de ponta, boa parte dos cidadãos está excluída. A crise do coronavírus expôs ao mundo como é perverso o nosso sistema de saúde, apesar do SUS ser admirado no mundo como exemplo de organização. Estes problemas são históricos e são eles efeito e causa do mal estar da sociedade brasileira.

Uma ditadura militar ou civil só agravaria o quadro das injustiças, mesmo porque o tipo de gente que quer esta solução é o mesmo que é contra as terras indígenas, contra a ecologia, contra o sistema de quotas nas universidades, contra a maioridade penal aos dezoito anos, a favor do porte de armas. Apesar dos problemas, a democracia ainda tem os melhores caminhos para a superação dos nossos problemas, que serão resolvidos quando gente diferente chegar ao poder. Na democracia há duas formas de alguém chegar ao poder: por eleição ou por concurso público. As regras têm que ser claras e valer para todos. Quem ganha a eleição não ganha um poder absoluto, mas tem que obedecer a ordem constitucional que é o conjunto das leis. Quem passa num concurso ou é nomeado por quem de direito, segundo regras, precisas tem que agir dentro da lei.

O jogo democrático tem suas regras que devem ser observadas por todos. A democracia supõem um Estado que está a serviço de todos e que tem o dever de proteger aqueles que são mais fracos. Todo poder é temporário, e deve ser exercido com transparência e dentro dos limites do mandato recebido. Os diferentes grupos se organizam em partidos políticos que tentam convencer a população que suas propostas são as melhores e o voto da maioria decide os rumos da nação. O caminho democrático é organizar partidos que se empenhem a buscar, junto ao povo, o melhor e depois representar os interesses da nação no exercício do poder.

Por isso, para os males da democracia precisamos de mais democracia, mais participação popular. Quanto mais participação direta nos negócios do Estado, mais controle social e aí se tem garantia contra a corrupção. A tentação de entregar o poder absoluto a alguém ou a um grupo de iluminados sempre existiu e sempre vai existir, mas nunca será uma boa solução.

DOM SERGIO EDUARDO CASTRIANI – ARCEBISPO EMÉRITO DE MANAUS
JORNAL: EM TEMPO, Data de Publicação: 25 e 26.4.2020

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