A riqueza biológica da Amazônia, associada a outras riquezas, todas ainda mal conhecidas, pode ser o nosso passaporte para o século XXI. O Brasil demonstrou grande capacidade de aprender as técnicas da Segunda Revolução Industrial, mas não de criar técnicas novas, o que impõe limites ao nosso desenvolvimento. As biotecnologias são uma das mais promissoras fronteiras científicas atuais.
Publicamos a Introdução do artigo “AMAZÔNIA – Cuidado, frágil” de Cesar Benjamin, em Boletim Conjuntura Brasil | Fundação João Mangabeira | Nº 8 | ABRIL DE 2019.
César de Queiroz Benjamin é um cientista político, jornalista, editor e político brasileiro. Publicou em 1997 o livro “Opção brasileira”, uma obra que ajudou a pensar um projeto para o Brasil.
Segue o artigo:
A destruição da Amazônia e a perda da soberania brasileira sobre a região, ou parte dela, serão os acontecimentos menos perdoados pelos nossos descendentes. A primeira, um processo em curso, e a segunda, uma possibilidade, se reforçam. Desenvolvimento sustentável e consolidação da soberania são indissociáveis. Somente há cerca de cem anos, graças à obstinação e ao talento do Barão do Rio Branco, concluímos a delimitação das fronteiras internacionais e obtivemos direitos sobre o conjunto da Amazônia brasileira atual. Mas a região permaneceu frouxamente ligada ao restante do país. Nunca desenvolvemos um modo de ocupação adaptado às condições e às potencialidades da floresta tropical úmida que predomina ali. Nas últimas décadas, ela vem sendo cercada e espremida por atividades que falam em nome do progresso, mas são apenas desdobramentos de técnicas do Período Neolítico, de 10 mil anos atrás: extrair madeira e criar gado. O uso indiscriminado do fogo torna tudo mais rápido.
Isso é a morte da Amazônia. Florestas, chuvas, solos e seres vivos, incluindo microrganismos, formam um sistema integrado. A cobertura vegetal comanda a reciclagem da água para a atmosfera e os rios, e alimenta de nutrientes os solos pobres. Retirá-la para plantar monoculturas ou pastagens é condenar essas áreas a degradação e pobreza, que geram mais degradação e pobreza conforme o processo avança, em inexorável fuga para frente. O deslocamento descontrolado das fronteiras de expansão é a marcha da insensatez.
A riqueza biológica da Amazônia, associada a outras riquezas, todas ainda mal conhecidas, pode ser o nosso passaporte para o século XXI. O Brasil demonstrou grande capacidade de aprender as técnicas da Segunda Revolução Industrial, mas não de criar técnicas novas, o que impõe limites ao nosso desenvolvimento. As biotecnologias são uma das mais promissoras fronteiras científicas atuais. A floresta em pé nos oferece os estoques genéticos necessários para desenvolvê-las. Preferimos, porém, reduzi-los a cinzas, antes mesmo de conhecê-los, para abrir espaços a bois. No outro extremo, há os que recusam qualquer atividade econômica. Paradoxalmente, as duas posições – a intocabilidade da floresta ou a sua devastação – preparam o mesmo resultado: a perda da soberania. Equivocam-se os que descartam essa hipótese. A história do Oriente Médio, no século XX, mostra como é explosiva a combinação de recursos estratégicos e sociedades fracas. A mesma combinação está se formando na Amazônia, no século XXI. Além de petróleo, estão em jogo biodiversidade, água doce, minerais raros, potencial energético.
A exuberância vegetal depende da reciclagem dos nutrientes em um sistema fechado que se degrada rapidamente quando ocorre o desmatamento. A maior parte dos mais de duzentos tipos de solo é de baixa fertilidade. Menos de 10% da região se prestam à atividade agropecuária, tal como praticada fora dali. Por exaurir as condições do ambiente onde se instalam, as frentes de povoamento estão sempre se deslocando. Atraem e expulsam pessoas, que acabam nas cidades. Multiplicam-se centros urbanos com baixa qualidade de vida, onde estão quase 80% dos habitantes locais. Barracos e palafitas abrigam uma população flutuante, ao mesmo tempo urbana e rural, que ora tenta se fixar, ora migra, buscando outras cidades, áreas de garimpo ou canteiros de obras.
A situação atual é caótica
Dezenas de órgãos federais desaparelhados e que não se comunicam entre si, nove governos estaduais, centenas de prefeituras, empresas nacionais e estrangeiras, grileiros, organizações não governamentais, igrejas, movimentos sociais, entidades indígenas e outros agentes defendem interesses conflitantes, sem que haja uma política coerente de desenvolvimento para a região. Neste vácuo, crescem o narcotráfico e outras atividades ilícitas. O Estado nacional é o único agente capaz de articular um projeto regional abrangente, em suas múltiplas dimensões. As populações locais precisam ser integradas nele, com ampla participação, pois delas dependerá o futuro. A Amazônia não será preservada, apenas, com medidas repressivas. Se a ação do Estado for basicamente negativa, reafirmando o que não pode ser feito, sem que saibamos propor aquilo que deve ser feito, as boas intenções serão derrotadas. De uma forma ou de outra, as pessoas precisam sobreviver.
O que está em jogo não é pouco. Em pleno século XXI, a Amazônia destruída será a confirmação do nosso fracasso como Nação. Preservada e integrada em um novo modelo de desenvolvimento, que estamos desafiados a inventar, será o ponto de partida para retomarmos o sonho de uma civilização brasileira.
Foto: Veja a história da foto de Araquém Alcântara do Tamanduá-mirim cego e indefeso fugindo de uma queimada na Amazônia:
https://www.facebook.com/araquemoficial/videos/367540050606729/