Artigo

  • Solange Rodrigues descansou no Senhor

    Solange Rodrigues nos deixou, prematuramente, aos 63 anos. Ela fez uma cirurgia há quatro dias para a retirada de um pequeno tumor no pâncreas e, depois, não voltou à consciência. Faleceu na noite do dia 15 de agosto.

    Solange entrou na Equipe de Assessoria em 1985, seu primeiro trabalho importante foi na Grande Avaliação da Arquidiocese de Vitória (GRAVA, 1986) e, desde então, sempre se dedicou às CEBs. Foi tema de sua dissertação de mestrado, orientada pela antropóloga Regina Novaes, amiga de sempre. Escreveu inúmeros artigos, colaborou em vários livros – inclusive Textos-Base de encontros intereclesiais -, contribuiu em diferentes cartilhas. A mais recente foi “CEBs: caminhando com Jesus de Nazaré” (2021), produção do GT de Formação da Ampliada Nacional das CEBs. Alguns dias antes de se internar, publicou um artigo no Portal das CEBs, “A articulação de CEBs na atualidade”. Nos últimos anos, na parceria do Iser Assessoria com o Setor CEBs da CNBB, foi fundamental na organização de vários seminários de assessores e publicações. A outra dedicação de sua vida foi aos jovens, ela própria vinda da Pastoral de Juventude. Participou de uma grande pesquisa (Retratos da Juventude Brasileira, 2005) e de outras pesquisas, publicou diversos textos, assessorou em muitas ocasiões a Pastoral da Juventude. Era uma referência para esta temática.

    Solange era uma pessoa incansável na equipe do Iser Assessoria, é muito difícil imaginar nossa equipe sem a sua presença. Que descanse na Paz do Senhor.

    Iser Assessoria

  • Leonardo Boff – É preferível um ateu ético que um cristão indiferente diante dos sofredores das periferias

    “É possível ainda crer em Deus num mundo que manipula Deus para atender a interesses perversos do poder?”, pergunta Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, em artigo publicado em seu site, 30-07-2021.

    É preferível um ateu ético que um cristão indiferente diante dos sofredores das periferias“. Essa frase não é minha. É repetida várias vezes pelo Papa Francisco ao assistir como cristãos rejeitam refugiados famélicos e desesperados buscando na Europa salvar suas vidas. Quem tem Deus nos lábios e está longe da sensibilidade humana e da justiça mínima, está longe de Deus e seu Deus é antes um ídolo do que o Deus amante da vida e da ternura dos oprimidos.

    Quem vive os valores da justiça, da solidariedade, da compaixão e do cuidado de uns para com os outros incluindo a natureza está mais próximo de Deus do que aquele piedoso que frequenta a igreja, faz suas rezas e comunga mas que passa ao largo dos pobres que encontra na rua.

    O presidente norte-americano Bush Jr usava frequentemente Deus bem como Bin Laden. Em nome de seu Deus fizeram guerras e promoveram atentados aterradores. Era um Deus belicoso, inimigo da vida e impiedoso destruidor de inteiras cidades com inumeráveis vítimas, particularmente inocentes crianças.

    Entre nós o presidente Jair Bolsonaro coloca Deus acima de tudo, mas nega-o praticamente a todo momento com ódio aos negros, aos quilombolas aos indígenas, aos homoafetivos e a seus adversários políticos que os transforma não em adversários mas em inimigos a quem se deve perseguir e difamar. Acostumou-se à mentira direta, às fake news, a ponto de nunca sabermos quando diz a verdade ou simplesmente diz mais uma mentira.

    O mais grave, entretanto, que o Deus que continuamente tem em seus lábios não o moveu a um gesto de solidariedade às milhares de famílias que choram seus entes queridos, parentes e amigos. Nunca visitou um hospital para ver a dramática situação da falta de oxigênio e a morte por sufocamento de centenas de pessoas como ocorreu em Amazonas. Se pelo menos fizesse uma obra de misericórdia que é visitar os enfermos. Sua prática nega Deus e o torna um ateu prático, antiético e perverso.

    ódio que destila, a falta de qualquer respeito e veneração face à sacralidade da vida incorpora traços que as Escrituras atribuem ao anti-Cristo. É próprio do anti-Cristo usar o nome de Deus e de Jesus para enganar e seduzir as pessoas para o caminho da perversidade. Marca do anti-Cristo é seu desprezo pela vida e sua pulsão pela morte.

    Mas esse Deus é um ídolo porque não é possível que o Deus vivo e verdadeiro queira o que ele quer. O ateísmo ético tem razão ao negar esse tipo de religião com o seu Deus que justificou outrora as cruzadas, a caça às bruxas, a inquisição, o colonialismo, a Shoah judaica e atualmente o genocídio provocado pela Covid-19, particularmente entre os indígenas e os pobres sem proteção nas grandes periferias das cidades.

    É possível ainda crer em Deus num mundo que manipula Deus para atender a interesses perversos do poder? Sim, é possível, à condição de sermos ateus de muitas imagens de Deus que conflitam com o Deus da experiência dos praticantes religiosos sinceros e consequentes e dos puros de coração.

    Então a questão hoje é: Como falar de Deus, sem passar pela religião? Porque falar religiosamente como Jair Bolsonaro e antes Bin Laden e Bush falaram é blasfemar Deus.

    Mas podemos falar secularmente de Deus sem referir seu nome. Como bem dizia o grande profeta já falecido Dom Casaldáliga: se um opressor diz Deus eu lhe digo justiça, paz e amor, pois estes são os verdadeiros nomes de Deus que ele nega. Se o opressor disser justiça, paz e amor eu lhe digo Deus pois sua justiça, paz e amor são falsos.

    Podemos falar secularmente de Deus a partir de um fenômeno humano que, analisado, remete à experiência daquilo que chamamos Deus. Penso no entusiasmo. Em grego, de onde se deriva entusiasmo é enthusiasmós. Ela se compõe de três partes: en (em) thu (abreviação de theós=Deus), e mos (terminação de substantivos). Entusiasmo significa, pois, ter um Deus dentro, ser tomado por uma Energia singular que nos faz lutar pela vida, pelos direitos e pelos empobrecidos.

    É uma força misteriosa que está em nós mas que é também maior que nós. Nós não a possuímos, é ela que nos possui. Estamos à mercê dela. O entusiasmo é isso, o Deus interior. Vivendo o entusiasmo, neste sentido radical, estamos vivenciando a realidade daquilo que chamamos Deus.

    Essa representação é aceitável porque Deus se tornou íntimo e dentro de nós, embora também sempre para além de nós. Bem dizia Rumi, o maior místico do Islã: “Quem ama a Deus, não tem nenhuma religião, a não ser Deus mesmo”. Deus mesmo não tem religião.

    Nestes tempos de idolatria oficial há que se resgatar este sentido originário e existencial de Deus. Seu nome é amor, é justiça, é solidariedade, é gratuidade, é capacidade de renunciar para o bem do outro, é ter compaixão e infinita misericórdia. Quem vive nesta atmosfera de valores, está mergulhado em Deus. Somos habitados pelo Deus interior através do entusiasmo que confere sentido às nossas lutas.

    Sem pronunciar-lhe o nome, o acolhemos reverentemente com o entusiasmo que nos faz viver e que nos permite a alegre celebração da vida.

  • O Planeta também necessita de uma UTI

    O IHU traduziu e publicou importante artigo que indica que os sinais vitais do planeta se aproximam dos pontos de não retorno. É o que indica um novo estudo que alerta que a crise climática se acentua, sem que haja ações suficientes. Segue o artigo:

    Sinais vitais do planeta: A ciência pede “mudanças transformadoras do sistema”

    A reportagem é de Eduardo Robaina, publicada por La Marea-Climática, 29-07-2021. A tradução é do Cepat para o IHU de 30 Julho 2021.

    Ano 2019. A humanidade vive alheia às máscaras, distância física, toques de recolher e álcool em gel. Naquele momento, a COVID-19 ainda não havia desestabilizado o mundo e os olhos da comunidade científica estavam sobre uma grande crise que não era nova, mas que começava a receber uma atenção como nunca antes: a climática.

    A gravidade era tamanha (e ainda é) que uma coalizão de mais de 11.000 cientistas, de 153 países, assinou um artigo em que declaravam uma emergência climática (com o acréscimo de quase 3.000 a mais, posteriormente), ao mesmo tempo em que estabeleciam um conjunto de sinais vitais para a Terra com a finalidade de medir a ação climática efetiva. Desde então, passaram-se 20 meses, com uma pandemia no meio que ainda continua. Em que ponto está o planeta e, por conseguinte, os seres que o habitam?

    Um novo estudo revisado por pares e publicado nesta semana na revista científica BioScience conclui, para surpresa de (quase) ninguém, que tudo segue igual em relação à ação climática, enquanto a emergência climática é ainda mais evidente. O trabalho, liderado por uma equipe de pesquisa da Universidade do Estado do Oregan, constata que não foram tomadas as medidas necessárias para enfrentar a crise climática, sendo que esta, a cada dia, dá demonstrações de sua capacidade de destruição e de piorar a vida das pessoas, sobretudo a das mais vulneráveis.

    Dois anos após aquele artigo no qual se declarava a emergência climática, “houve um aumento sem precedentes dos desastres relacionados ao clima, incluindo inundações devastadoras na América do Sul e no sudeste da Ásia, ondas de calor e incêndios florestais que bateram recordes na Austrália e no oeste dos Estados Unidos, uma extraordinária temporada de furacões no Atlântico e ciclones devastadores na África, no sul da Ásia e no Pacífico ocidental”, destaca o estudo.

    Além disso, os autores alertam que “há cada vez mais provas de que estamos nos aproximando ou já cruzamos pontos de inflexão associados a partes críticas do sistema terrestre, como as camadas de gelo da Antártida Ocidental e Groenlândia, os recifes de coral de águas quentes e a mata amazônica”. Basta rever as imagens devastadoras do mês de julho para constatar esta realidade apontada pela comunidade científica.

    Uma situação insustentável

    “Os fenômenos e padrões climáticos extremos que presenciamos nos últimos anos – para não falar das últimas semanas – manifestam a necessária e grande urgência em abordar a crise climática”, afirma o doutor Philip Duffy, coautor do relatório e diretor executivo do Centro de Pesquisa Climática Woodwell. Em seu estudo, foram pesquisadas as mudanças recentes nos sinais vitais planetários desde a publicação do artigo anterior que declarava a emergência climática. Das 31 variáveis analisadas, os autores descobriram que 18 estão em novos mínimos ou máximos históricos.

    Em referência aos gases do efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento que impulsiona a mudança climática -, os três mais importantes – o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso – chegaram a novos recordes de concentrações atmosféricas até este momento do ano, tanto em 2020 como em 2021. Em abril deste ano, a concentração de CO2 atingiu 416 partes por milhão (ppm), a maior concentração média mensal mundial, jamais registrada. O nível seguro, segundo a ciência, gira em torno de 350 ppm.

    Essas altas concentrações fizeram com que 2020 fosse o ano mais quente na Espanha e na Europa desde que há registros, ao passo que o nível mundial empata com 2016. Além disso, os cinco anos mais quentes, já registrados, ocorreram a partir de 2015.

    Outro dos sinais vitais cruciais destacados pelos autores é o fato de que a superfície total queimada nos Estados Unidos aumentou em 2020, alcançando os 4,1 milhões de hectares, a segunda maior quantidade já registrada. Atualmente, o país norte-americano acumula ao menos 86 incêndios florestais em sua parte oeste.

    Também preocupam, e muito, as taxas de perda anual de matas na Amazônia brasileira, que aumentaram tanto em 2019 como em 2020, alcançando 1,11 milhão de hectares desmatados, a maior nos últimos 12 anos. Este aumento, segundo os pesquisadores, deve-se provavelmente ao enfraquecimento na aplicação da lei sobre o desmatamento, o que desencadeou um forte aumento na utilização ilegal de terras para a pecuária e a soja. “A degradação das matas devido a incêndios, seca, corte e fragmentação fez com que esta região atue como fonte de carbono em vez de sumidouro”, aponta o estudo.

    Mesma situação de alarme com as camadas de gelo da Groenlândia e a Antártida. Ambas continuam com sua precipitada perda de massa, enquanto a extensão do gelo marinho do Ártico segue diminuindo até atingir mínimos históricos a cada verão. As geleiras estão derretendo muito mais rápido do que se acreditava, perdendo 31% a mais de neve e gelo por ano do que há apenas 15 anos.

    Em relação aos oceanos, a acidificação de suas águas está próxima do recorde. Junto com o estresse térmico, ameaça os recifes de coral dos quais mais de 500 milhões de pessoas dependem para obter alimentos, além de ser um grande recurso para o turismo e de oferecer proteção contra tempestades.

    O artigo também menciona que, “pela primeira vez, o número de ruminantes (uma importante fonte de gases do efeito estufa) no mundo ultrapassou os 4 bilhões”, o que representa uma massa muito maior “que a de todos os humanos e mamíferos selvagens juntos”. Um dado que contrasta, segundo o documento, com o fato de que a produção recente de carne per capita diminuiu em aproximadamente 5,7% (2,9 quilos por pessoa), entre 2018 e 2020.

    “As futuras quedas no consumo e a produção de carne provavelmente não ocorrerão até que haja uma mudança generalizada para dietas baseadas em plantas ou que aumente o uso de análogos (substitutos) da carne, cujas popularidade está crescendo e se prevê que alcancem um valor de 3,5 bilhões de dólares em todo o mundo até 2026”, citam os autores.

    Apesar dos indicadores ruins, o estudo tenta lançar algo de esperança. Por exemplo, comemora que houve um forte aumento no desinvestimento em combustíveis fósseis: os subsídios foram reduzidos para um mínimo histórico de 181 bilhões de dólares em 2020, uma queda de 42% em relação aos níveis de 2019.

    O que fazer diante da emergência

    Em resposta a essas descobertas sem precedentes e à atual crise climática, o estudo pede que os combustíveis fósseis sejam progressivamente eliminados, que sejam criadas reservas climáticas estratégicas para o armazenamento de carbono e a proteção da biodiversidade e que se fixe um preço mundial do carbono suficientemente alto para induzir à “descarbonização” em todo o espectro industrial e de consumo.

    “Temos que mudar rapidamente a maneira como estamos fazendo as coisas, e as novas políticas climáticas deveriam fazer parte dos planos de recuperação da COVID-19, sempre que possível. É hora de nos unirmos como comunidades global, em um sentido compartilhado de cooperação, urgência e equidade”, pede William Ripple, principal autor do estudo e reconhecido professor de ecologia da Universidade do Estado do Oregan.

    O artigo insiste em que uma das principais lições surgidas do coronavírus é que nem sequer uma diminuição colossal do transporte e o consumo é o suficiente e que, ao contrário, “são necessárias mudanças transformadoras do sistema, que devem estar acima da política”. “Considerando os impactos que estão sendo observados no planeta, com um aquecimento de aproximadamente 1,25 grau, junto com os inúmeros processos de retroalimentação que se reforçam e os possíveis pontos de inflexão, é necessário urgentemente uma ação climática em grande escala”, lê-se no estudo, onde denunciam que, em 5 de março de 2021, “só 17% de tais fundos [pós-COVID-19] haviam sido destinados para uma recuperação ecológica”.

    E encerram lançando um apelo pela igualdade e a importância da educação: “Toda ação climática transformadora deve se centrar na justiça social para todos, dando prioridade às necessidades humanas básicas e reduzindo a desigualdade”. Nesse sentido, “como requisito prévio a esta ação, a educação sobre a mudança climática deveria ser incluída nos planos de estudo das escolas do mundo todo. Em geral, isto traria uma maior conscientização sobre a emergência climática, ao mesmo tempo em que capacitaria os alunos para passar à ação”.

     

  • Roberto Malvezzi (Gogó)
     Quando a paróquia vira um inferno!

    Padre Lino Allegri

    Um dos demônios alimentados pelos fundamentalistas religiosos é que nos países comunistas não há liberdade religiosa. Lá seriam proibidas missas, celebrações, procissões, assim por diante. Aqui, no Brasil, muito pelo contrário, a liberdade religiosa é total e completa.
    Talvez, se fôssemos perguntar aos terreiros de candomblé e outras expressões religiosas de origem africana, eles nos diriam que nem sempre têm liberdade religiosa. Antigamente a Igreja Católica se sentia no direito de perseguir os cultos afros no Brasil, até pichados como coisas do demônio. Na verdade, foi um comunista chamado Jorge Amado que introduziu na Constituição Brasileira de 1946 a liberdade religiosa para os cultos afros. Hoje, muitos pastores e igrejas evangélicas se sentem no direito de perseguir os cultos afros.
    O mesmo com os povos indígenas. Como me dizia um jovem indígena num dos preparativos do Sínodo para a Amazônia: “o pastor vai lá na tribo, a gente o acolhe bem, ele diz que nossa religião é coisa do demônio. A gente escuta, quando ele vai embora, a gente faz os nossos ritos”.
    Mas, alguma coisa de pior está acontecendo. A Paróquia da Paz, em Fortaleza, está sendo invadida por “católicos” durante as celebrações, que se sentem no direito de berrar, atacar o padre, criar confusão e divisão durante a própria celebração da Eucaristia. Não são os perseguidores dos cultos afros e nem dos índios, são católicos, os que se julgam verdadeiros intérpretes do Evangelho e da doutrina da Igreja Católica. Não são comunistas, muito ao contrário, são militares, defensores da pátria, da família, dos “Deus acima de todos”, inclusive da liberdade religiosa. Enfim, são os bolsonaristas, os fascistas de estilo brasileiro.
    Assim será se permitirmos que se instale no Brasil uma ditadura religiosa, uma teocracia, sempre a pior de todas as ditaduras, porque feitas em nome de Deus, ou o tal do “cristofascismo”. Sei lá o que quer dizer “terrivelmente evangélico”, ou “terrivelmente católico”, o certo é que que estas pessoas se sentem no direito de infernizar a vida dos outros, de ofender o Papa Francisco, ofender padres, bispos e leigos que tem um mínimo de fidelidade ao Evangelho. Enfim, querem impor suas ideias religiosas ao resto do país na estupidez e brutalidade.
    Ou esse país acorda, ou até nossas paróquias e comunidades vão se tornar um inferno.
    Toda solidariedade aos padres Lino, Ermanno e Luís Sartorel, italianos no Brasil, nossos amigos desde a década de 80, que saíram do conforto do primeiro mundo para estar a serviço dos setores mais descartados da sociedade brasileira.

    P.S. Apoiadores de Bolsonaro hostilizam padre que fez críticas ao presidente

    Após manifestar posição contrária ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante missa celebrada neste domingo, 4, o padre Lino Allegri, 82, da Paróquia da Paz, em Fortaleza, foi hostilizado por um grupo de fiéis apoiadores do atual presidente. Insatisfeitas com as declarações do sacerdote — que durante a homilia criticou as mais de 500 mil mortes por Covid-19 no Brasil —, cerca de oito pessoas entraram sem autorização na sacristia e o repreenderam pela sua fala. O fato ocorreu minutos após a celebração da missa, quando a maioria dos fiéis já havia deixado o local.

  • Roberto Malvezzi –
    O que o período Bolsonaro pode nos ensinar?

    Reprodução – Latuff para Brasil de Fato

    O que o período Bolsonaro pode nos ensinar?

    Roberto Malvezzi (Gogó)

    Em primeiro, um alerta aos ingênuos e mal-intencionados: quem muito fala de corrupção pode ser tão ou mais corrupto que aqueles que denuncia. Falamos de corrupção no sentido amplo, “cor ruptum”, coração rompido. Prestem atenção em Moro, Dallagnol e Bolsonaro.

    Segundo, a pior das democracias sempre é melhor que qualquer ditadura. Se a ilusão com as ditaduras for derrotada nesse momento, será um grande saldo positivo dessa tragédia.

    Terceiro, boa parte dos militares que foi ao poder logo mostrou toda sua ganância por propinas e corrupção. Que se acabe de uma vez por todas o mito que militar é sinônimo de incorruptibilidade. Bolsonaro é o ícone maior dessa ilusão.

    Quarto, todas as vezes que os militares saíram de sua tarefa constitucional e foram para a política, foi uma tragédia nacional. Dessa vez não foi diferente. No poder político, muitos se mostraram eticamente falhos, politicamente comprometidos com ditaduras, e tecnicamente uma lástima, como é o caso do especialista em logística. Quem sabe dessa vez os militares aprendam que não têm que se meter em política.

    Quinto, a elite só é contra a corrupção dos pobres, não contra a própria. Em outras palavras, a corrupção também é propriedade privada das elites. Aqueles que querem mudar esse país também devem aprender essa lição.

    Sexto, a destruição do Estado Brasileiro é, na verdade, um ataque aos bens comuns, é a destruição de uma legislação que garante direitos básicos à população e a proteção do ambiente. A elite nunca erra seu voto e sempre promove a luta de sua classe, sempre protege seus interesses, por mais mesquinhos e nefastos que sejam.

    Sétimo, dessa vez não conseguiram corromper e cooptar todas as instituições brasileiras de peso. A Lava-Jato mexeu nos brios do Supremo, alguns que pediram ditadura e tortura foram presos, espalhadores de fake News andam bem menos aguerridos. Como já se dizia antes, fascista só é corajoso enquanto está protegido. Depois, todos são covardes.

    Oitavo, a religião pode ser manipulada para qualquer lado. Esses pastores, padres, bispos, leigos, defensores da família, dos bons costumes, da pátria, são o exemplo da religião cooptada e servil aos interesses dos poderosos e de seus chefes. A crítica das religiões como ópio do povo deve ser retomada, aprofundada e popularizada. Louvemos todos os setores eclesiais que ajudaram a fazer essa resistência positiva contra o pior governo de nossa história.

    Nono, estamos sendo salvos pelas vacinas. Infelizmente, famílias como a minha, mais de 500 mil, perderam seus entes queridos para o Covid19, graças a uma campanha sistemática de descredibilização das vacinas, da ciência e a corrupção na compra das vacinas. Os fundamentalistas, tanto os religiosos como os do mercado, têm que ser combatidos permanentemente.

    Décimo, enfim, estamos do lado certo da história. Com todos aqueles que resistiram a essa tragédia, sairemos desse pesadelo mais pobres, mais machucados, mais mortos, porém, com a consciência limpa que não temos as mãos mergulhadas nesse mar de sangue.

    Publicado originalmente no site do autor: robertomalvezzi.com.br

  • Marcos Sassatelli – Presidente: “o tirano que mata nossa gente”

    Praça de Joinville recebe velas em homenagem aos 500 mil mortos pela Covid-19 no Brasil (NSC)

    “Senhor, tu que fugiste de jegue para o Egito, mostra-nos um meio de nos livrar desse fascista brasileiro. Tu que entraste em Jerusalém montado num jumento, dá-nos a coragem de enfrentar o tirano que mata nossa gente. Livra-nos, Senhor, do desgoverno da morte. Está pesado demais” (Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, 13/06/21).

    Com Leonardo Boff e fazendo minhas suas palavras, “uno-me nesta oração para que Deus e a Mãe Terra tenham piedade de sua gente e nos livrem de quem está produzindo um holocausto”.

    No dia 19 deste mês de junho, o Brasil – com uma população de 214 milhões – registrou 500 mil mortes pela Covid-19. “É a maior tragédia brasileira. Nunca houve um evento tão mortífero quanto a pandemia do novo coronavirus (mesmo com subnotificações). Foram 195 mil vidas perdidas em 2020 e já são mais de 300 mil em 2021… Das 500 mil mortes, 150 mil foram de pessoas abaixo de 60 anos e 350 mil de idosos (60 anos e mais), sendo 280 mil homens e 220 mil mulheres” (https://www.ecodebate.com.br/2021/06/21/). Um verdadeiro massacre!

    Segundo estudo do professor e epidemiologista Pedro Hallal, das 500 mil mortes, 375 mil (ou seja, 3 em cada 4) poderiam ter sido evitadas caso o Brasil tivesse adotado uma política de saúde – científica e tecnicamente planejada, com medidas de controle da pandemia (como vacinação eficiente, isolamento social e uso de máscaras) – que colocasse a vida em primeiro lugar. O principal responsável por essas mortes é Jair Bolsonaro, que – a toda hora – fala o nome de Deus em vão para, hipócrita e oportunisticamente, acobertar e legitimar seu comportamento político criminoso.

    Infelizmente, estamos diante do desgoverno de um presidente frio e insensível, cínico e assassino, para o qual a vida dos seres humanos – sobretudo dos pobres – e da Mãe Terra não vale nada. Além de tudo, com suas palavras e seus atos, debocha da gravidade da pandemia e demostra ser uma pessoa totalmente desiquilibrada.

    Comparemos as 500 mil mortes pela Covid-19 do Brasil com as de outros países que têm uma população similar. Conforme foi divulgado nas redes sociais, na Indonésia – com uma população de 276 milhões – as mortes foram 54 mil; no Paquistão – com uma população de 225 milhões – as mortes foram 22 mil; na Nigéria – com uma população de 211 milhões (quase igual à do Brasil: 214 milhões), as mortes (reparem!) foram 2 mil; no Bangladesh – com uma população de 166 milhões – as mortes foram 13 mil. Esse quadro não precisa de comentários, fala por si mesmo.

    Em 19 deste mês de junho – dia no qual o país atingiu 500 mil mortes – a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o lema “toda vida importa”, realizou um tempo de sensibilização em memória dos mortos pela Covid-19 – manifestando conforto, solidariedade e esperança – e fez a seguinte Oração (que é nossa também):

    Pai de bondade!
    Há mais de um ano, temos chorado por tantos irmãos e irmãs
    que a triste e violenta pandemia arrancou de junto de nós.

    Chegamos agora a quinhentos mil mortos.
    Não são apenas números! São pessoas!
    São nossos filhos e filhas, irmãos, irmãs, amigos, parentes, conterrâneos.

    Sabemos que uma única morte já é suficiente para entristecer nossos corações.
    Quanto mais todas essas mortes,
    muitas vezes sem o mínimo necessário
    para o tratamento digno como ser humano.

    Por isso, vos pedimos:
    acolhei cada um desses filhos e filhas e concedei-lhes a paz eterna!
    E a nós dai a graça de trabalhar por um mundo onde se respire

    solidariedade, acolhimento, partilha, compreensão e resiliência.
    Que nossas lágrimas nos lavem da indiferença, do egoísmo e da omissão!
    Que a saudade seja estímulo à fraternidade!
    E que a fé seja o sustento de nossa esperança!
    Pela intercessão da Virgem Mãe Aparecida,
    olhai pelo Brasil, olhai pelo povo brasileiro.
    Amém.

    Marcos Sassatelli, Frade dominicano
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
    Professor aposentado de Filosofia da UFG
    E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
    Goiânia, 28 de junho de 2021

     

  • Roberto Malvezzi (Gogó)
     Não é seca,
    é a devastação da Amazônia

    Imagem: publicado por FIA – no blog/desmatamento-da-amazonia

    Por que a velha mídia e os cientistas se mostram surpresos com o vazio de nossos reservatórios e com a maior seca dos últimos 91 anos?

    Quando cheguei pela primeira vez no município de SINOP, Mato Grosso, me perguntei o que isso significava. Então, me disseram que era uma sigla: Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná. O próprio site da prefeitura diz que a cidade se originou na década de 70 do século passado, pela política de ocupação da Amazônia Legal pelo Regime Militar.

    Quando estive lá, a cidade era uma serraria atrás da outra, mas também me disseram que já tinha diminuído o número, já que a madeira estava acabando. Então, viria a soja para ocupar os espaços desmatados. Depois viria o gado. Por fim, terras abandonadas, imprestáveis para qualquer uso. Números dizem que o agronegócio deixou para trás cerca de 80 milhões de hectares de terras imprestáveis no território brasileiro.

    Mas, o que o pessoal do Paraná foi fazer em SINOP? Foi levar o modelo de desenvolvimento que eles aplicaram no próprio estado décadas atrás. E o modelo, que sempre foi predador, continua predador. É o modelo que sulistas e sudestinos espalham também no Oeste Baiano.

    Agora, com o licenciamento ambiental pornograficamente liberado, a grilagem das terras públicas liberada, então o avanço sobre a Amazônia tende a se acelerar e devastar o bioma como nunca na história desse país. No último mês de abril o desmatamento foi de 810 km2, o maior da série dos últimos dez anos (Imazon).

    Então, acontece uma seca nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Aí vem a mídia, a Agência Nacional de Águas etc., para dizerem que passamos pela maior seca dos últimos “91 anos”. Se você destrói a floresta amazônica, fundamental no ciclo das águas que abastece o Brasil pelos Rios Voadores, como você vai querer que continue chovendo no Sul e no Sudeste? É como matar as árvores dos ovos de ouro. E matam.

    Os cientistas já alertaram que, nessa latitude, no Chile há o deserto do Atacama, na África o deserto da Namíbia e na Austrália o deserto Australiano. Mas, mistério, chove à cântaros no Centro-Oeste brasileiro, nas regiões Sul e Sudeste, chegando até Uruguai, Paraguai e Argentina. Hoje se fala que a Amazônia chega até à Patagônia.

    Então, matemática simples, como ligar lâmpada e interruptor, se o agronegócio continuar destruindo a Amazônia como está fazendo, a região Sul do Brasil, incluindo o norte da Argentina, viram deserto como o é em outras latitudes da Terra.

    É uma escolha. E esses homens que dominam o Brasil escolheram o pior cenário. Novas secas virão, sempre mais terríveis e o deserto aguarda a todos ali na frente.

    [Artigo publicado no site do autor]
  • Roberto Malvezzi (Gogó) – Paulo Guedes é o ícone da “economia que mata”

    http://www.nanihumor.com/2013/11/papa-critica-economia-que-mata.html

    Se existe alguma virtude no atual governo é que ele é absolutamente transparente nos seus propósitos, ainda que seja uma perversa transparência. Como diz Jesus sobre os mercenários em uma de suas falas: “O ladrão vem apenas para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham plenamente” (João 10,10).

    Bolsonaro avisou na campanha que viria para destruir (voltar 50 anos na história) e que gostaria de ver mortos ao menos os 30 mil que a “ditadura torturou, mas não matou”. Esse propósito se materializa com os fatos, como os 400 mil mortos pela Covid19, mas também a fala expressa do ministro Paulo Guedes: “De acordo com o ministro, não foi a pandemia que tirou a capacidade de atendimento do setor público, mas sim ‘o avanço na medicina’ e ‘o direito à vida’ (Globo Economia). O ministro não tem pudores de dizer que a vida de muitas pessoas é um problema para a concepção que ele tem economia.  

    Para o ministro as únicas vidas que valem é a dos mercadores. O resto das vidas têm que ser sacrificadas no altar dos deuses do mercado. Pensadores como Jung Mo Sung e Franz Hincklammert já devassaram a alma sanguinária e sacrificial desses deuses. Mas, esses deuses têm uma característica pavorosa, isto é, são insaciáveis.

    Mas, assim como Bolsonaro não fala sozinho, mas tem milhões de pessoas ainda sustentando suas práticas e seu discurso, Paulo Guedes também não fala sozinho. Ele é o ícone da “economia que mata” segundo o dizer do Papa Francisco: “Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiroDigamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra”. (FRANCISCO, Encontro Mundial dos Movimentos Populares, em Santa Cruz de la Sierra, no dia 09-07-2015).

    Além de Guedes, agora a Câmara dos Deputados deleta a licença ambiental e quer instalar a grilagem aberta nas terras públicas. Bolsonaro não está só, ele é o ícone dessa direita extrema e implacável.

    A mídia corporativa brasileira já nem fala em mercado, mas na Faria Lima. Além do personagem histórico, o que é a Faria Lima? Uma avenida em São Paulo, que junto com a Paulista, a Rebouças e a Nove de Julho fazem o quadrado dos Jardins na capital paulista. Isso quer dizer que Paulo Guedes representa uma avenida no Brasil, os mercadores da Faria Lima, onde estão estabelecidos os escritórios do mundo financeiro e as startups. É o Brasil pensado para uma avenida.

    Podemos acusar Bolsonaro, Guedes e Sales de tudo, menos de que são enganosos em seus propósitos e em suas práticas. Eles são convictos no processo de destruição que promovem. Dizem abertamente a quem servem e o que fazem. E fazem.

  • Dom Mol: Ditadura nunca mais

    “Defender ditadura, isso está fora de qualquer possibilidade de quem quer ser discípulo de Jesus”, afirma Dom Mol, em nome da CNBB.

    Nesta terça-feira, a coletiva de imprensa da 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que acontece de 12 a 16 de março, abordou a Análise de Conjuntura e a 6ª Semana Social Brasileira. Ao longo da semana, esses momentos são mediados por Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar de Belo Horizonte – MG e presidente da Comissão Episcopal para a comunicação da CNBB.

    Diante de uma pergunta em referência à democracia, num contexto social em que muitos cristãos pedem a volta da ditadura e pregam a violência como mudança para o país, Dom Joaquim Mol, afirmava que “de maneira completamente inesperada começaram aparecer pessoas no Brasil, inclusive governantes brasileiros, apoiando a ditadura em detrimento da democracia”. Segundo o presidente da Comissão Episcopal para a Comunicação da CNBB, “só consegue apoiar e pedir a volta da ditadura quem nunca passou por isso”. Ele dizia que “querer a ditadura de volta, qualquer tipo de ditadura em nosso país, significa apontar uma espécie de anomalia na cabeça da pessoa, ela não pensa adequadamente, como também não sente adequadamente”.

    O bispo auxiliar de Belo Horizonte definia a ditadura como “a intolerância total a tudo o que é diferente, a toda e qualquer diferença, de qualquer tipo. A ditadura e a imposição de um modo de governar, de envolver a cultura, a economia, de fazer política com um máximo de intolerância a quem faz, sente e pensa diferente”. O bispo insistia em que “é por isso que a ditadura mata. Por isso a ditadura não tem nenhum escrúpulo em matar quem quer que seja, se estiver pensando diferente”.

    “Pedir a ditadura de volta é uma insanidade mental, uma insanidade dos sentimentos, é um total embrutecimento do ser desejar a ditadura”, enfatizava o bispo. Frente a isso, definia a democracia como a alegria, a importância, a valorização da diversidade pacífica entre nós”. Junto com isso, Dom Mol definia a democracia como “a expansão de direitos individuais e coletivos a todos, não só a um pedacinho”. Ele fazia referência à profunda desigualdade social no Brasil, uma das maiores do mundo, o que ele vê como “falta de democracia, porque democracia significa escola de qualidade para todo mundo, alimentação para todo mundo, teto para todo mundo, trabalho para todo mundo, terra para todos os que precisam de terra”.

    Segundo Dom Mol, não há como entender “a busca, a propaganda, a defesa de toda e qualquer ditadura”. Ele diz que não podemos permitir que a ditadura que aconteceu no Brasil durante 20 anos “seja chamado com outro nome que não ditadura militar e civil”, quando “alguém sem voto, foi e tomou o poder a passou a exercer esse poder com mão de ferro, quem pensa diferente, morre, inclusive com tortura”. Ele dizia que “um cristão, jamais pode, nem pensar em defender ditadura, isso está fora de qualquer possibilidade de quem quer ser discípulo de Jesus”.

  • Os Quartéis e os Palácios: uma Simbiose Brasileira
    Por Jorge Alexandre Alves

    Imagem: de redebrasilatual Preocupação com sua má relação com o Congresso motivou Bolsonaro a se cercar de ministros militares

    A questão que envolve os militares e suas relações com o poder civil não é nova. Desde Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, temos a interferência militar em funções civis no Estado. Isso se intensificou na República, aliás resultante de uma conspiração liderada por um marechal que, até uma semana antes, era monarquista convicto.

    Antes de mais nada, precisamos ter clareza que Bolsonaro é um projeto militar. Esse apoio se deu fundamentado na DSN (doutrina de Segurança Nacional), fundamento pedagógico da formação dos candidatos a oficiais-generais na Escola Superior de Guerra e similares.

    A maior parte das cúpulas militares em 2018 acreditavam existir um esforço internacional em desestabilizar o Brasil e estavam convencidos que a esquerda brasileira participava desse esforço. Ficava fácil, neste caso, identificar o inimigo interno e combatê-lo. Ao mesmo tempo havia subliminarmente os projetos pessoais de poder e de recursos – para os líderes e seus pajens.

    Bolsonaro foi visto como o cavalo selado que tornava possível essa articulação entre visão de mundo e interesses privativos da cúpula militar. Acreditava-se também que a hierarquia faria o capitão ter algum respeito por generais, almirantes e brigadeiros. E que seria possível tutelá-lo.

    Militares são moralistas. Vale a máxima que prescreve que não basta ser honesto, precisa parecer honesto. Por isso o discurso legalista. Mourão, Heleno (antes dele Etchegoyen), Villas-Boas, Azevedo e outros fazem política há muito.

    Certamente, alguns de vocês devem se lembrar do Gen. Heleno – Comandante Militar da Amazônia – tecendo considerações sobre as demarcações indígenas na Amazônia. Ou sobre a questão (que foi ao STF) referentes às disputas entre arrozeiros e o povo Ianomâmi na Reserva Raposa Serra do Sol, mais de uma década atrás. Isso custou a Heleno a quarta estrela (posto de General-de-Exército, o mais alto da força).

    Da mesma forma, Villas-Boas, Pujol (O próprio Heleno) foram comandantes daquela desastrosa missão dos capacetes azuis da ONU no Haiti (MINUSTAH). Generais escalados para esses postos o são por razões políticas. Aqui cabe sinalizar, todos eles nomeados para essa missão nos tempos em que a esquerda mandava(sic!) no país.

    Fernando Azevedo tem inserções na vida civil há muito tempo. Ele foi ajudante-de-ordem de Fernando Collor nos anos 1990. E foi preposto do Comando do Exército no STF presidido por Dias Toffoli.

    Ou seja, há pelo menos uma década presenciamos essa promiscuidade de militares na política. São sinais péssimos transmitidos por quem está na cúpula dessas corporações militares. A questão do legalismo e de uma defesa estrita do papel profissional da caserna até existe, mas nenhum desses protagonistas militares na política podem ser considerados exemplos de tais princípios.

    Por isso, carecem de fundamentos as teses até agora ventiladas pela grande imprensa. O que temos é uma orquestração muito bem articulada de militares participando plenamente na política. Engana-se quem pensa que as FFAA estão divididas. O que ocorreu essa semana nada tem a ver com respeito à Constituição ou com legalismo militar.

    Azevedo e seus comandantes podem ter se dado conta de algum prejuízo institucional junto à “opinião pública” que o vínculo com Bolsonaro pode representar. Talvez tenha uma questão do orgulho pessoal, afinal deve ser duro a um general ter que ceder às ordens de um capitão.

    Mas isso não significa que a “tropa” não aceitará ser politizada. Aliás, a tropa já está politizada. Os generais estão muito bem articulados e não há nenhum movimento que indique que os quase 12 mil militares que hoje estão no Poder Executivo retornarão aos quartéis, ou se os que estão na reserva irão para suas casas botar o pijama.

    Por outro lado, existem duas questões que merecem nossa atenção. Primeiro, podemos até admitir que nem todos os generais e oficiais superiores (coronéis e tenentes-coronéis no Exército e seus correspondentes nas outras forças) sejam bolsonaristas ou que concordem com essa presença militar em segmentos civis do Estado Brasileiro. Mas não é o que acontece nas bases militares, sobretudo quem veste uniforme verde-oliva.

    Bolsonaro frequentou por mais de quinze anos formaturas de cadetes na AMAN e nas outras escolas militares. E com o beneplácito dos comandantes de força e das autoridades civis. Isso o tornou muito popular junto aos oficiais inferiores (tenentes) e oficiais intermediários (capitães e majores). Da mesma forma que é muito popular entre sargentos e praças.

    Quando Bolsonaro exige que oficiais-generais tornem as FFAA sua guarda pretoriana, ele acena para suas bases militares, emparedando o alto-comando militar. Por um lado, aparenta instaurar a quebra da hierarquia e da disciplina na corporação. Isso pode ter acendido algum sinal de alerta nestes generais exonerados – apenas por uma questão de formalidade militar.

    Por outro lado, há um jargão militar que afirma a palavra convence, o exemplo arrasta. Que exemplos os generais que, mesmo na ativa, acumulam funções civis dão aos jovens oficiais? Ou seja, o presidente aposta na desordem militar dentro de uma promiscuidade com funções civis inaugurada por uma geração inteira de oficiais.

    Disso deriva a segunda questão. Daqui a dez, quinze anos, sairão dos capitães e majores de hoje (a maioria bolsonarista) os oficiais-generais das três forças. Ou seja, temos uma bomba de efeito retardado plantada no Estado Brasileiro. Como esperar reverter a atual situação diante dessa possibilidade?

    Finalmente, é preciso reconhecer que muito pouco sabemos a respeito do ethos militar e do cotidiano nos quarteis. Essa geração que hoje lidera as FFAA não ascendeu ao generalato pelas mãos de Bolsonaro ou mesmo de Temer. A maior parte deles chegou ao topo da hierarquia militar quando tínhamos governos progressistas.

    Precisamos saber as razões destas escolhas. Se eram os melhores de sua geração, havia um grave problema que não foi detectado. Se não, é necessário reconhecer que, neste aspecto, a esquerda no poder não foi feliz em escolhas tão delicadas e estratégicas.

    Jorge Alexandre Alves é sociólogo e professor. Atua no Movimento Nacional Fé e Política.

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