A economia é uma ciência social aplicada, pouco humana para alguns, mas que tem um potencial gigante em mexer com a vida das pessoas. Antes de entrar na faculdade uma das minhas maiores inspirações para fazer o curso de economia era o cenário de uma bolsa de valores. Aqueles números, ações e um certo glamour de filmes sobre o mercado financeiro somavam-se no sonho de uma renda melhor do que aquela que minha família tinha morando na Baixada Fluminense. Em paralelo, minhas raízes cristãs e minha inquietação frente a realidade de São João de Meriti mexiam comigo, não deixando subir à cabeça o desejo da ascensão social sem o compromisso com quem está ao meu redor.
Na universidade, ao contrário do que muitos pensam, é possível ver diferentes realidades, perspectivas e teorias. Se aproximar de algumas delas às vezes é difícil, mas no mínimo identificar a complexidade do sistema econômico e de algumas alternativas a ele é ponto crucial para não reproduzir da boca para fora verdades mal formuladas ou mentiras bem produzidas. Cheguei na UFRRJ com 17 anos, minha mãe, secretária paroquial, e meu pai, caminhoneiro, não cursaram faculdade. Durante o curso e as experiências que eu tive através dele (monitoria, grupo de pesquisa, programa de educação tutorial, centro acadêmico, estágio na mesa de operações de um fundo de pensão) percebi que minha vocação não era o mercado financeiro, mas em buscar alternativas para a redução de desigualdades seja através da pesquisa e ensino, na militância, na elaboração de políticas públicas ou na tomada de decisões.
Inspirado por essa vocação atuei por mais de 10 anos na Pastoral da Juventude, participei ativamente do Fórum Grita Baixada e de movimentos em prol de melhorias para o bairro onde eu nasci, Coelho da Rocha. Depois de fazer mestrado e começar o doutorado, o que era militância também virou minha atuação profissional, atualmente sou coordenador de mobilização da Casa Fluminense, uma ONG que atua como polo de uma rede de pessoas, organizações, coletivos e movimentos que buscam reduzir desigualdades, ampliar oportunidades e defender a democracia na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Por essa atuação, no ano passado me inscrevi para o evento Economia de Francisco convocado pelo Papa Francisco que ocorrerá na cidade de Assis, na Itália, em março de 2020. Neste evento, jovens de todo o mundo são chamados a pensar uma economia diferente que “faz viver e não matar” e também a fazerem “um pacto para mudar a economia atual e dar uma alma à economia de amanhã”. Uma grande responsabilidade em ser aceito para participar dessa missão, diante de uma realidade onde há concentração de renda no mundo, ampliando as desigualdades em nível global, onde há concentração de renda no Brasil, ampliando as desigualdades em nível nacional, e também há concentração de renda e oportunidades no Rio de Janeiro, deixando a população das favelas e periferias em situação precária. Do local ao global é necessário repensar a economia, para além do dinheiro, do poder e da degradação ambiental.
Uma primeira pista para pensar essa nova economia vem da Campanha da Fraternidade de 2020. Com o tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso” e lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, somos chamados a refletir para além da esmola, mas a partir da caridade, do amar ao próximo como a si mesmo. Se eu tenho um teto, por que meu próximo não tem? Se eu tenho acesso a bens e serviços, por que meu próximo não tem? Ajudar é importante, pode fazer uma diferença enorme na vida no momento que a pessoa precisa, mas é decisivo que a busca por alternativas para a redução dessas desigualdades seja bandeira de quem pratica a caridade.
Mais uma pista. Atualmente o desemprego afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. O grande desafio é buscar respostas para a situação econômica atual sem rotulações que impõem às funções exercidas com muito suor e esperança por milhões de trabalhadoras e trabalhadores. A linha entre o que é ou não empreendedorismo é ténue, então me parece mais generoso, não com o sistema, mas com as pessoas que dele sobrevivem, não generalizar “sucessos” ou muito menos rotular “fracassos”. Quando isso é feito, mesmo que o fracasso seja do sistema, há uma absorção da crítica por parte das pessoas que acabam levando para o pessoal algo que é sistêmico. A falta de cuidado e a generalização expandem a atuação inoportuna de pessoas, movimentos e partidos que não estão preocupadas com a realidade dos mais pobres, mas usam palavras motivacionais para chamar exploração de empreendedorismo, essas mesmas pessoas que anos atrás chamavam de desocupados quem empreendia com a economia solidária, com artesanato e com outras formas de sustento.
Por fim, fica uma reflexão. A economia que hoje conhecemos tem origem eurocêntrica e em março vamos na Europa discutir alternativas para essa economia. Isso pode parecer um pouco contraditório, mais uma vez a Europa como centro intelectual do mundo. Mas, tem dois elementos que para mim podem ser diferenciais. Esse evento foi convocado pelo primeiro papa latino-americano para pensar a economia a partir de Francisco de Assis que abdicou da sua riqueza material. Além disso, a delegação brasileira é a segunda maior do evento, levamos a realidade brasileira e a reflexão que a economia deve ser de Clara, Francisco, das mulheres, homens, lgbts, negras, amarelos, indígenas, brancos, de todas e todos. Como diz a Encíclica Laudato Sí, “precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana”.
Douglas Almeida é de São João de Meriti, católico e foi membro da Pastoral da Juventude. É coordenador de mobilização da Casa Fluminense. Possui graduação em economia, mestrado em desenvolvimento territorial e políticas públicas e faz doutorado em sociologia.
Fonte da foto: https://www.capuchinhos.org.br/procasp/artigos/detalhes/jpic/a-economia-de-sao-francisco