A Reforma da Previdência que foi aprovada pela maioria da Câmara dos Deputados representa o rebaixamento das condições de vida e de aposentadoria para a grande maioria dos brasileiros, sobretudo daqueles que ganham menos e dos mais pobres. Segundo o professor Eduardo Fagnani, é uma “tragédia humanitária”.
Quem perde mais são os trabalhadores de baixa renda
A economia de 1 trilhão de reais em dez anos que o governo pretende obter com esta reforma será feita principalmente pela redução do valor das aposentadorias, pensões e benefícios para aqueles que ganham até cerca de R$ 1.300,00 (um pouco mais do que o salário mínimo). 74% da economia estimada virá da extinção de direitos no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), nos Benefícios de Prestação Continuada (BPC) e no Abono Salarial.
Não haverá redução de desigualdades, nem serão atingidos os privilegiados: os militares, por exemplo, estão fora desta Reforma. Os ricos continuarão ricos, os que têm privilégios continuarão com eles. São os pobres que vão passar a receber menos.
Na verdade, o que está sendo aprovado não é uma Reforma da Previdência, mas é o fim da Previdência Pública. Essa reforma acaba com a Seguridade Social (Saúde + Previdência + Assistência), atinge o SUS (Sistema Único de Saúde), atinge a assistência social e o seguro desemprego e vai enterrar o artigo 195 da Constituição (onde se trata do orçamento da Seguridade).
Como?
A Previdência será financiada apenas pelo empregado e pelo empregador. O financiamento que vinha do Estado vai desaparecer: isto é, as contribuições sociais previstas na Constituição (COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social); CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido); PIS (Programa de Integração Social); e outras). Nos últimos 30 anos, os recursos garantidos por este tripé (empregado, empregador, contribuições sociais) foram mais que suficientes para cobrir toda a despesa da Seguridade Social, por isso não havia déficit.
Com a eliminação das contribuições sociais, não haverá mais recursos para a Seguridade Social, os direitos hoje presentes na Constituição se tornarão palavras vazias: ficarão inviáveis o SUS, o BPC, o Bolsa-Família, o seguro-desemprego, o abono salarial, o INSS urbano e o INSS rural.
Trata-se da destruição da Seguridade e, consequentemente, da Constituição Cidadã de 1988.
Além disso, a reforma poderá tirar da Constituição (desconstitucionalizar) as leis relativas à Previdência: praticamente tudo poderia, então, mudar através de leis complementares (que exigem um quórum bem menor). Isto tornaria a reforma da Previdência um processo permanente, cortando direitos com votações de maioria simples.
Vejamos algumas das mudanças mais prejudiciais na Previdência
Não se poderá acumular pensão e aposentadoria
A viúva terá de escolher entre a sua aposentadoria e a pensão do falecido. No caso de ser uma família de baixa renda com filhos, levará a família à miséria.
Para quem tenha “renda formal”, a pensão por morte poderá ser menor que o salário mínimo.
Para muitos, a morte chegará antes da aposentadoria ou virão a fazer parte de uma legião de “inaposentáveis”
Para quem se filiar à Previdência após a aprovação da Reforma, serão necessários 20 anos de contribuição. Esse aumento do tempo trará dificuldades para a aposentadoria. Hoje, os trabalhadores que se aposentam por idade só conseguem contribuir, em média, com 5,1 parcelas por ano (em função do desemprego, da informalidade e da rotatividade). Sendo assim, para que o homem tenha 20 anos de contribuição, serão necessários 48 anos de trabalho.
A aposentadoria integral será inalcançável
O homem precisará contribuir 40 anos, o que exigirá, na prática, mais de 90 anos de trabalho.
Contribuir mais e receber menos
O contribuinte vai pagar mais e o benefício que vai receber será menor. Quem ganha hoje de aposentadoria R$ 2.000,00, com a nova previdência vai receber cerca de R$ 1.200,00.
BPC (Benefício de Prestação Continuada) com restrições
Para o caso do BPC, só pode receber o BPC uma família que ganha per capita até ¼ do salário mínimo. Assim, se houver dois idosos numa mesma família pobre, só um poderá receber.
Maldade para as pessoas com deficiência ou com invalidez
As regras de acesso das pessoas com deficiência ou com invalidez que não estão em “condições de miserabilidade” foram endurecidas.
Abono salarial: exclusão de quem ganha mais que R$1.364,43
Hoje, o abono salarial é acessível para quem ganhe até dois salários-mínimos. O texto aprovado reduz o acesso para quem ganhe até R$1.364,43 – o que exclui cerca de 20 milhões de brasileiros.
Capitalização
O desastre social poderá ser ainda maior: o governo pretende substituir o atual regime de repartição (baseado na solidariedade, financiado por empregados, empregadores e Estado) por um regime de capitalização (financiado apenas por empregados e empregadores e gerido por administradoras financeiras privadas). De 30 países que adotaram o regime de capitalização depois de 1981, a maioria (18 países) voltaram atrás, porque as aposentadorias e pensões tiveram uma forte queda e a Previdência se tornou inviável (segundo estudo da OIT, Organização Internacional do Trabalho). Quem ganhou dinheiro com este regime foram as administradoras privadas.
Em suma: somos o país mais desigual do mundo e o único mecanismo para reduzir essas desigualdades – a Seguridade Social – está sendo liquidado.
Nota 1: Este texto se apóia nas análises do economista professor Eduardo Fagnani. Naturalmente,como se trata de uma síntese, a responsabilidade por eventuais falhas é minha.
Nota 2: sobre a proposta de Reforma da Previdência do governo Bolsonaro, ver o artigo de Eduardo Fagnani, http://www.ihu.unisinos.br/591165-previdencia-o-jogo-nao-acabou; o vídeo https://www.facebook.com/watch/?v=775282379554260 e a entrevista https://www.youtube.com/watch?v=e7j_izWR6fY.