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Realmar a economia pela comunhão dos povos – Eduardo Brasileiro e Gabriela Consolaro

Foto de Ismael dos Anjos, publicada em Diário do Aço, 23/10/2018, quando a tragédia de Mariana completou três anos.
Hoje, o Papa Francisco nos convida a realmar a Economia. Da mesma forma, como os apóstolos que olharam ao redor e questionaram com dúvidas como seria possível alimentar uma infinidade de pessoas no meio de um deserto, nós também nos deparamos com as incertezas. 

Realmar a economia pela comunhão dos povos

Por: Eduardo Brasileiro e Gabriela Consolaro, publicado em CNLB, 23/07/2020

“Ser humano é buscar a espiritualização
de todas as dimensões da existência.” (Frei Betto)

1. A PARTILHA

Ao fomentar a partilha e, assim, alimentar uma multidão cansada e incrédula, Jesus, por meio da multiplicação dos pães, mais que perpetuar um milagre, apresenta uma proposta. Quando caminha junto de milhares de pessoas que o seguem e acreditam nas palavras de paz e justiça que propõe, o Mestre indica o seguimento da humildade, solidariedade e fraternidade. Na vivência fiel aos ensinamentos que prega, olha o povo com compaixão, temendo que desfaleçam pelo caminho (Mt 15, 32).

A mesma realidade encontramos hoje. Uma multidão cansada de lutar para sobreviver em um sistema falido, que até aqui matou, excluiu e degradou, se encontra incrédula e com medo de deixar esvair pelas mãos a vida num futuro próximo. Mais uma vez, o Pastor olha com compaixão aos discípulos fatigados e chama a um momento novo: de partilha, comunhão e esperança. Convida a trilhar o caminho para a saciedade, a suficiência, a convivência entre irmãs e irmãos na busca da construção do Bem Comum.

Hoje, o Papa Francisco nos convida a realmar a Economia. Da mesma forma, como os apóstolos que olharam ao redor e questionaram com dúvidas como seria possível alimentar uma infinidade de pessoas no meio de um deserto, nós também nos deparamos com as incertezas. Deus nos mostra, de novo, que o milagre reside na partilha, na construção coletiva, na comunhão entre povos que escolhem acreditar na construção de novos paradigmas – por vezes tomados como radicais, mas que só assim são capazes de responder à radicalidade da normalização da morte, da exclusão e da desigualdade.

A partir da realidade posta, Jesus e seus discípulos organizam a multidão, reúnem as ofertas do povo, suscitam a partilha para todos comerem e saírem saciados. O chamado para a construção da Economia de Francisco e Clara busca dar uma nova perspectiva aos que hoje sofrem com a marginalização de um sistema voltado ao lucro. Com a certeza de uma origem comum, uma pertença recíproca e um futuro partilhado (LS 202), os pães são postos na mesa em uma comunhão entre os povos, para que, outra vez, todos comam e se sintam saciados.

2. O ENCONTRO

No caminhar conjunto, Deus não o faz de cima, mas de dentro, para podermos encontrá-lo no chão da realidade. O Papa Francisco, em 2015, no encontro com os movimentos populares em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia), aclamou aos povos se unirem em três grandes tarefas.

A primeira, uma economia a serviço dos povos, retoma o lugar da economia como cuidado da casa no desafiante contexto de encontrar na própria humanidade a possibilidade de recompor um sistema que gere vida e não exclua. Uma economia biocentrada, retoma o chamado da relação ampla com os seres e não fixada no lucro. A segunda, que é a união dos povos no caminho da paz e da justiça, provoca o lugar de poder na sociedade capturado pelos mercados, corporações e elites e o devolve ao povo, como “artífice do seu próprio destino”. A última tarefa apresentada pelo Papa Francisco nos convida a defender a nossa irmã, Mãe Terra. Substituindo a compreensão de dominação humana, nos coloca como elementos da Criação, subvertendo a lógica de apropriação e degradação das vidas.

O encontro é um lugar da genuína alegria. Nele, a espiritualidade humana se descobre misturada aos diversos tons que compõem a fraternidade universal. Na pluralidade que, com sede de justiça e fome de paz, se descobre artesã do novo tempo em encontros coletivos, em formulações políticas, em incidência territorial, em potencialização de vozes silenciadas, para assim construir uma aldeia de justiça que é totalmente contra a sociedade marcada pelo medo, ódio e indiferença.

3. O PACTO

A sociedade globalizada pela indiferença viu o projeto de poder estabelecido pelo neoliberalismo ruir o tecido que sustenta a humanidade. Fraturando o bem comum que estabelece a relação comunitária e de partilha privatizou todas as dimensões do nosso convívio. Estabelecendo a competição e o lucro como essência de governos, empresas e famílias, foram forjados homens e mulheres tomados pela mentalidade empresarial e afastados de suas relações com todas as outras formas de vida.

Portanto, mais que crises separadas, o que ocorre diante das crises atuais – com o trabalho, com a democracia, com a fome – faz parte do conjunto de iniciativas que destituíram do poder e exaurem diariamente a humanidade e a Terra. A Economia de Francisco e Clara nos convida a fiar o tecido de uma nova cultura e um/a novo/a homem e mulher. Esse contraponto exige a superação daquilo que o sociólogo coreano Byung Chul Han apontou ser uma sociedade produtora de uma vida feliz que nega toda complexidade da vida humana e massacra a humanidade com um padrão: a ideologia de felicidade baseada exclusivamente no enriquecimento individual não contribuindo na afirmação de uma cultura e de instituições democráticas.

A afirmação de uma economia na complementaridade das relações toma fôlego por inúmeras iniciativas já existentes no mundo, presentes na Economia Solidária, por exemplo, que restitui o lugar da solidariedade como mote das relações de troca e compra. O reconhecimento da economia pelo suficiente que considere as relações com a vida do Planeta, tirando a lógica do lucro e emergindo a lógica do ser. Uma economia pela proximidade que ambienta a necessidade de superação do modelo de finanças globais que produzem dinheiro para enriquecimento individual e passemos para modelos diversos que não unifiquem, mas que planificam a diversidade cultural e econômica do planeta.

Um novo humanismo é a emergência de uma sociedade em redes, que partilha e coopera no autocentramento comunitário. Assim, as comunidades se empoderam de uma espiritualidade capaz daquilo que diz a exortação do Papa Francisco, ‘Evangelii Gaudium’: “encurta as distâncias, abaixa-se – se for necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no povo” (24), para construir o pacto global por novas economias.

Gabriela Consolaro, selecionada para o evento em Assis, é Secretária Nacional de Formação da JUFRA – Juventude Franciscana do Brasil.

Eduardo Brasileiro, selecionado para o evento em Assis, é membro do coletivo de Paróquias da Zona Leste de São Paulo: IPDM – Igreja Povo de Deus em Movimento.

 

 

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