ArtigoNotíciaPublicação

Marcos Sassatelli: A Garantia da Lei e da Desordem

 

No campo, a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é, na realidade, a Garantia da Lei e da Desordem (GLD). A estrutura fundiária do Brasil, ou seja, a forma como são distribuídas as propriedades rurais – além de ser extremamente conservadora- é uma “desordem legalizada e institucionalizada”, uma das faces mais perversas e iníquas do pecado estrutural: pecado sócio-econômico-político-ecológico-cultural.

Os grandes latifúndios – 1% dos donos de terras – ocupam 44,4% das terras do Brasil. A maior concentração fundiária ocorre nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste. Os Trabalhadores Rurais – em sua maioria – não tem sequer um pedaço de terra para produzir (produção familiar e comunitária agroecológica) e viver com dignidade.

Segundo o pensamento de Santo Tomás de Aquino -que posteriormente foi assumido pelo Ensino Social da Igreja – a destinação dos bens (no nosso caso aqui, da terra) para o uso (com o cuidado necessário) de todos os seres humanos, é um direito primário e a posse (ou propriedade), um direito secundário (nunca absoluto), que deve ter sempre uma função social. Quando o direito secundário se sobrepõe ao direito primário (prejudicando ou impedindo sua realização: o acesso aos bens – inclusive à terra – de todos/as) é injusto e antiético. Portanto, lutar pela Reforma Agrária Popular é um direito humano urgente e inadiável.

Hoje, a GLO (ou, melhor,GLD) é uma operação de segurança autorizada pelo Poder Executivo que pode durar meses e inclui a participação de agentes civis e militares, como das Forças Armadas e da Polícia Federal. É papel dos Governos Estaduais acionar forças de segurança locais para fazer cumprir decisões judiciais.

Depois do “massacre de Eldorado do Carajás” em 1996 (19 trabalhadores rurais mortos) – que teve uma repercussão negativa não só no Brasil, mas também no exterior – Governos Estaduais, para evitar novas tragédias,têm adotado uma postura de cautela, protelando o cumprimento de decisões judiciais.

Jair Bolsonaro, que – como já demostrou várias vezes – pouco se importa com a vida e os direitos dos Trabalhadores/as Sem Terra (para ele são “sobras”, “material descartável”), sentiu-se incomodado com essa postura. Por isso, no dia 25 de novembro último, afirmou que pretende enviar ao Congresso um Projeto de Lei que autoriza o Governo Federal a empregar a GLO (ou, melhor,GLD) para as chamadas operações de reintegração de posse.

O presidente – totalmente submisso aos interesses dos Ruralistas (grileiros, fazendeiros, madeireiros)e atendendo ao acordo feito com eles – não só defende a criminalização das Ocupações (que ele chama de “Invasões”) dos Sem-Terra (um direito dos trabalhadores/as), mas quer também a “intervenção federal” (com o uso das Forças Armadas e da Polícia Federal) nas operações da chamada reintegração de posse (verdadeiras operações de guerra).

A linguagem que Jair Bolsonaro usa para se referir aos Trabalhadores/as que lutam pelo direito à terra dá nojo e provoca vômito em qualquer pessoa que tem um mínimo de sensibilidade humana. “Quando marginais (reparem: “marginais”!) invadem propriedades rurais e o juiz determina a reintegração de posse, como é quase uma regra que Governadores protelem sua execução, poderia ter – pelo nosso Projeto – uma GLO do campo para chegar a tirar os caras”. E ainda: “tem de ser algo urgente. E, você dando uma resposta urgente, inibe outros de fazer isso”. “A GLO – continua o presidente –  não é uma ação social, chegar com flores na mão; é chegar preparados para acabar com a bagunça (reparem mais uma vez: “acabar com a bagunça”!)”.Presidente, chamando os Trabalhadores/as Sem Terra de “marginais e bagunceiros”, o senhor torna-se o “maior marginal e o maior bagunceiro”.

 

Vejam o absurdo: Jair Bolsonaro ao mesmo tempo que defende a intervenção federal nas Ocupações dos Sem-Terra, incentiva as Invasões (essas sim verdadeiras Invasões) de terras indígenas. Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no ano de 2018 foram registrados 111 casos de Invasões em 76 terras indígenas. De janeiro a setembro deste ano, o número subiu para 160 Invasões em 153 terras indígenas.

 

(Fonte: Gustavo Uribe. Bolsonaro quer aval do Congresso para expulsar invasor de terras nos Estados. Folha de São Paulo, 26/11/19, p. A10. Vejam também: CPT. Nota Pública – Governo cede aos Ruralistas e ameaça vida no campo. Goiânia, 25/11/19).

Por fim, pergunto: por que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) não denuncia profeticamente tamanhas barbaridades políticas e não se posiciona – clara e inequivocamente – a favor dos Movimentos dos Trabalhadores/as Sem Terra? O silêncio não é um pecado de omissão?

Goiânia, 03 de dezembro de 2019

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Tags

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Close
Close