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I – O sentido econômico da proposta
Marcos Arruda

 

PROPOSTAS PARA A ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA

Por Marcos Arruda[1]

Série de pequenos textos que visam colaborar com o grupo de jovens brasileiros que vão a Assis para o Encontro Mundial Economia de Francisco.

  1. SENTIDO ECONÔMICO DA PROPOSTA DE UMA ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA

As figuras de São Francisco de Assis e Santa Clara servem de guias para a visão de uma Economia da Vida, como pretende o Papa Francisco. Quais são as principais lições que emergem dessas figuras?

  • A primeira lição é a da simplicidade voluntária, ou da sobriedade feliz. Trata-se de dois desafios simultâneos. Um, em relação ao padrão de consumo das pessoas: a escolha de um modo de vida e de consumo simples e sóbrio, reduzindo as necessidades de bens materiais a um mínimo. A emoção envolvida nesta escolha é a do Uma das melhores consequências dela é a redução da demanda de energia e, portanto, das emissões de gases de efeito estufa (GEE). A escolha do uso de energia de fontes renováveis e limpas; de meios públicos de transporte em vez do automóvel; o uso da bicicleta em vez dos veículos de combustão interna sempre que possível, a substituição de chuveiro elétrico por chuveiros esquentados por energia solar; a economia no uso da água e a prática de recolha da água da chuva; a reutilização e a reciclagem de produtos descartados, o cuidado com a saúde das árvores e das florestas são alguns exemplos.

O outro desafio é de cunho social ou coletivo. A população pobre do Brasil não tem acesso a nutrição regular e de qualidade, muito menos a água morna para se banhar. Seu padrão de consumo não cobre suas necessidades básicas. Libertá-la destas carências deve ser a primeira prioridade para os fazedores de políticas públicas. As práticas de economias centradas na vida (biocêntricas) visam criar e manter as condições propícias para que cada pessoa, e o conjunto da sociedade, possa desenvolver seus potenciais humanos e sociais em harmonia com o meio natural. Incidir nos governos em todos os níveis em favor de políticas que revertam os fatores antrópicos (causados pela espécie humana) do aquecimento global e reconheçam por lei os direitos da Natureza. Organizar a cidadania planetária em torno destas políticas, eis o grande desafio de uma Economia da Vida neste momento.

  • A segunda lição de Francisco e Clara é a da solidariedade. Francisco e Clara vinham de famílias abastadas. Rejeitaram a vida no luxo para dedicar-se ao serviço divino na forma de oração e de cuidado com os oprimidos. Também dedicaram energias e tempo para promoverem a Paz e o respeito à diferença. Só economias humanizadas e realmadas, responsáveis, plurais e solidárias podem nos dias de hoje levar à prática o espírito destes dois santos. Mas entre a visão de economias do Bem Viver e sua concretização há grande distância. Definir a visão que sirva de guia das nossas ações e, ao mesmo tempo, definir os passos do nosso cotidiano que nos levem do caos social atual, e do colapso climático que se avizinha, até a realização daquela visão, este é o desafio metodológico, que trataremos em breve.
  • A terceira lição é a da busca de coerência entre a espiritualidade e a luta pela paz com justiça. Toda economia competitiva é, por natureza, uma economia de guerra. Francisco e Clara foram veículos da mensagem divina da Paz. Uma economia de guerra jamais pode levar a uma economia e uma cultura da Paz. Foram as práticas cooperativas e solidárias dos grupos de hominídeos e de humanos que ofereceram as condições para a subsistência e a evolução destes seres com o cérebro em processo de complexificação. Desde cedo esses nossos antepassados perceberam a dimensão invisível da realidade do mundo e a incorporaram no seu viver cotidiano. O entendimento humano foi alcançando fatos que estão na base de uma Economia da Vida e de uma Ecologia Integral, como a riqueza da biodiversidade (da qual fazemos parte também), a consciência de que somos todos interconectados, entre nós e com todas as outras formas de vida; e a compreensão de que as diferenças de gênero, de talentos e atributos, são fontes de maior riqueza enquanto família humana, em vez de serem motivo de maus sentimentos como a inveja, a cobiça e o espírito de competição. As emoções que alimentam estas atitudes e práticas são a paz interior, a compaixão, a empatia e a não-violência (expressão positiva em sânscrito – persistência na verdade, resistência passiva.)

Um desdobramento desta terceira lição é o trabalho pela paz, justiça e equidade em escala planetária. Em busca de um acordo pacífico entre Cruzados e Muçulmanos, Francisco e Illuminato navegaram até o Egito. Se horrorizaram diante da carnificina e da postura antievangélica dos Cruzados. Essa guerra levou Francisco a tentar persuadir os Cruzados a negociar a paz. O Sultão al-Khamil chegou a oferecer Jerusalém aos Cruzados em troca da paz, mas eles rejeitaram sua oferta. Francisco e Illuminato decidiram ir ao campo muçulmano com surpreendente audácia, e criaram com o Sultão e seus sábios sufis um diálogo de vários dias sobre a espiritualidade das duas religiões. Daí emergiu um laço de amizade entre o Sultão e Francisco. Francisco nos ensina que a Política da Amizade é a matriz da Paz com Justiça.

As disputas políticas e econômicas tendem à demonização do “inimigo” e a busca de soluções violentas. Hoje em dia, o sistema do capital joga empresário contra empresário, trabalhador contra trabalhador, país contra país, povo contra povo. A ganância e a voracidade visando acumular dinheiro e riquezas materiais é a marca dos que praticam o capitalismo como sua religião.

Que audácia, que profundo compromisso de Francisco e seus irmãos com os valores fundantes do Cristianismo!

O desafio do Encontro de Assis é encontrar modos de fazer a Economia coerentes com essas virtudes de Francisco e Clara.

As lições de Clara

Além da escolha por abandonar a riqueza e o luxo da família para abraçar com alegria a simplicidade e a pobreza voluntárias como modo de vida, Clara enfrentou o patriarcalismo de sua época e, ainda muito jovem, abriu sua própria trilha e seguiu o apelo do seu coração a despeito da oposição do pai. Foi uma mulher que encarnou as virtudes do Sagrado Feminino. No Mosteiro de São Damião, onde ela se instalou, logo acompanhada por sua irmã Agnes e outras devotas, ninguém tinha posses privadas, a alimentação excluía toda carne, e a pegada ecológica era exemplar.

Aprendendo de seu exemplo, a Economia de Francisco e Clara deve ser uma economia do suficiente em termos materiais, rejeitando a ideologia do crescimento econômico ilimitado, e com ele o excesso de consumo e de produção sem consideração com as gerações futuras e os limites dos ecossistemas. A partilha da posse dos bens produtivos e o acesso responsável de todas e todos aos bens comuns que a Terra oferece; o cuidado e o respeito a cada outra pessoa, colaborando para que os direitos de todo ser sejam respeitados; o trabalho pelo reconhecimento legal dos direitos da Natureza; a promoção das comunidades autogestionárias como unidades de produção e reprodução da vida e, portanto, protagonistas do seu próprio desenvolvimento econômico, social e humano, são apenas alguns elementos que devem marcar a Economia de Francisco e Clara.

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Fonte da foto: https://www.facebook.com/EconomiaDeFrancisco/

[1] Economista e educador do Instituto PACS, Rio de Janeiro, colaborador da rede Solidarius, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), da Rede Global Diálogos em Humanidade – Brasil, e da Ágora das e dos Habitantes da Terra – Brasil. Marcos também é associado ao Instituto Transnacional, Amsterdam.

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